Entrevista com Neil Young
O músico conversou com a Rolling Stone EUA sobre música e transformação política; a entrevista foi publicada na edição comemorativa dos 40 anos da revista
David Fricke
Publicado em 22/09/2008, às 18h35Você fez um álbum descaradamente anti-Bush no ano passado, Living with War, e foi muito criticado por isso. Ficou espantado ao ver sua geração, que se uniu tanto contra a Guerra do Vietnã, demorar tanto para reagir à Guerra do Iraque?
Acho que eles reagiram muito bem. Estavam adormecidos, eram a maioria silenciosa e não sabiam. Mas acordaram e recuperamos um pouco do controle [no Congresso]. Não estou decepcionado com ninguém. Os universitários hoje reagem a uma situação que é real em suas vidas. Para eles, é mais importante conseguir emprego do que se preocupar com a guerra, porque a economia está tão dilacerada. Estão concentrados em garantir o futuro. Por quê? Porque ninguém está indo ao campus de faculdades para levá-los ao Iraque. Os Estados Unidos não sabem que estão em guerra. Não se pede a ninguém que faça sacrifícios, a não ser os soldados que se apresentaram como voluntários. O governo Bush prefere desperdiçar vidas de norte-americanos - ter soldados cansados e desgastados pela batalha cometendo erros e morrendo em combate - a perder a eleição por realizar uma convocação. Mas, assim que eles começarem a convocar, você vai ver que tudo vai mudar imediatamente. Esses universitários estão prontos para se manifestar, mas ninguém os cutucou.
As canções de rock ainda têm o poder de transformar mentalidades e efetivar mudanças sociais e políticas duradouras? O que acha?
A música é hoje tão poderosa quanto sempre foi. O negócio é que não sou tão poderoso quanto era quando estava com 22, 23 anos - quando as pessoas me ouviam pela primeira vez. Isso acabou, nunca mais vai acontecer. Não posso esperar a reação que obtive há 30, 40 anos. Mas isso não me incomoda, desde que saiba que canto a respeito das coisas em que acredito. Quando escrevi "Let's Impeach the President" [canção de Living with War], muita gente a viu como uma música vagabunda, dizendo que a melodia era horrorosa. O que vou fazer? Escrever uma música dessas e usar uma boa melodia? Isso não faz sentido. É necessária uma melodia que irrite as pessoas, que seja tão idiota e repetitiva que cause raiva.
Você escreveu "Ohio" da mesma maneira?
Não. "Ohio" tem a ver com jovens assassinados [quatro universitários foram mortos a tiros pela Guarda Nacional durante manifestações na Universidade Estadual de Kent, em 1970]. Fala de pessoas com quem você se importa em nível pessoal, seu irmão, sua irmã. É quando você coloca tudo que tem - no quesito poético, musical e de performance - à disposição porque acredita tanto naquilo. "Let's Impeach the President" é uma canção política a respeito de algo tão errado que a única maneira de destacar como é errado é por meio de uma música que seja errada, demolidora. Nesse aspecto, ela teve muito sucesso.
Em "Campaigner" (do álbum Decade, 1977), você cantou: "Even Richard Nixon has got soul" (até Richard Nixon tinha alma). O que quis dizer com isso?
Todo mundo é humano. A alma de Richard Nixon estava na maneira como ele ficava quando estava com a família, com um ar totalmente perdido. Ele foi um grande estadista - esteve na China - mas, mesmo assim, fodeu tanto com tudo em casa. Era muito parecido com Bill Clinton. Bill Clinton desfez todo o bem que realizou, na posição de um homem inteligente governando o país, com o desastre de sua vida pessoal. Abriu a porta para a direita religiosa e permitiu aos conservadores que descrevessem os democratas como infiéis. Isso se transferiu para as duas últimas eleições.
Você consegue se imaginar dizendo que George W. Bush tem alma?
Tenho certeza de que tem. Onde está? Está em Crawford, no Texas, com a família dele. Tem uma coisa sobre Bush: é preciso respeitá-lo por estar em condição física tão boa. Ele se esforça para ficar em forma e isso é um ótimo exemplo. A outra coisa é que ele tem mesmo muita convicção daquilo em que acredita. Ele e o pessoal dele acham que são as únicas pessoas que deveriam governar. Infelizmente, nós não concordamos com ele.
Como jovem criado no Canadá, qual era sua perspectiva em relação à política dos Estados Unidos no início na década de 1960?
De fora deste país, dava para ver muita hipocrisia. Direitos civis, por exemplo, nós não tínhamos esse tipo de problema no Canadá. Mas tínhamos um problema com os nossos norte-americanos nativos - os índios - bêbados que ficavam largados nas ruas. E era um problema que nós mesmos criamos.
Há muitas referências aos índios na sua música e nas imagens dos seus álbuns. Por que uma identificação tão forte com essa cultura?
Eu adorava a simplicidade e a naturalidade deles. Os índios são basicamente pagãos. E é nisso que acredito: na natureza. Esta é a minha igreja: quando vou à floresta, ou a um grande campo verde ou à água. Não preciso de nenhum pregador. Sempre me identifiquei com os ciclos da Lua. E era isso que os índios faziam: "Faz quantas luas que você esteve aqui?". Tem tudo a ver com a Lua. Se estou gravando, espero a Lua. Se tenho músicas, olho no calendário e digo: "Certo, bem aqui, aqui vai ser bom". Sempre tem algo lá, um tipo de energia, nos três ou quatro dias que antecedem a lua cheia. Assim que ela começa a minguar, você perde a concentração. Então, paro nessa época. Não preciso ficar me perguntando por que não sinto a vibe que sentia no dia anterior. Só digo "foda-se" e vou fazer outra coisa.
Você saiu do Canadá em 1966 e foi de carro até Los Angeles com Bruce Palmer (baixista do Buffalo Springfield). O que esperava encontrar lá?
Estúdios de gravação, outros músicos, interação. Não havia gente bastante no Canadá. Se você quer deixar sua marca em algum lugar e só tem uma oportunidade de deixar esta marca, que a deixe então no lugar em que o maior número de pessoas vai reparar. De que adianta ser fantástico e estar em Moose Jaw [Canadá]? Não vai ajudar em nada.
Por que escolheu Los Angeles? Estava sabendo das mudanças que ocorriam em San Francisco?
Chegamos a Los Angeles. E fomos embora, não tínhamos dinheiro. Tomamos o rumo de San Francisco porque não conseguimos dar início a nada em Los Angeles. Foi quando topamos com [Stephen] Stills e [Richie] Furay, em um sinal de trânsito, saindo da cidade [os quatro acabaram ficando em Los Angeles e fundaram o Buffalo Springfield com o baterista Dewey Martin].
Como foi estar no olho do furacão em 1966 e 67?
As pessoas olham para aquela época como um período de abalos sísmicos na cultura pop - como uma lua cheia que durou dois anos. Os jovens estavam unidos em sua oposição à guerra e também descobriam a música que os unia. Não tinha nada a ver com a geração de colegiais de Frank Sinatra. Hendrix, Janis Joplin, Jefferson Airplane - eles não eram ídolos pop. Faziam parte de um movimento e estávamos todos juntos naquilo. Não era um negócio musical. Não era a indústria do entretenimento. Não tínhamos [programas de TV como] Entertainment Tonight nem American Idol. Não tínhamos essas merdas, a música era convincente e as pessoas acreditavam nela. Foi por isso que os anos de 1966 e 67 foram uma época tão importante na minha vida. E são históricos para os jovens de hoje. Eles olham para trás e pensam: "Meu Deus, queria ter visto aquilo. Como eles conseguiram?". Bom, as pessoas não eram céticas. Woodstock não tinha acontecido. Quando as grandes corporações viram Woodstock, enxergaram muitos cifrões: "Podemos pegar essa música e vender carros Ford". Costumava demorar um ano ou dois, depois de um som fazer sucesso, até que aparecesse em comerciais. Hoje, os comerciais vêm primeiro.
Você saiu do Buffalo Springfield em 1967, depois voltou antes de a banda se desmembrar em 68. Por que era tão difícil para você ficar em uma banda que obviamente era tão maravilhosa?
A banda era maravilhosa, mas tóxica. Estávamos com 20 e poucos anos, tentando nos encontrar, e não gostava que me dissessem o que podia ou não fazer. Os outros também não. Stephen é meu irmão e brigávamos como irmãos - nós não nos agüentávamos, mas também não nos desgrudávamos. Às vezes, tocávamos tão bem que era assustador. E a cozinha rítmica do Buffalo Springfield ao vivo era uma das melhores experiências. Aqueles caras podiam ir a qualquer lugar. Mas a gente tem que fazer o que está a fim.
Você se arrepende de não ter tocado com o Springfield no Monterey Pop Festival?
Não. Eu não gostava de ser agrupado com um monte de outras bandas. Sinto muito por a banda não ter sido assim tão boa em Monterey - provavelmente porque não estava lá. Mas também não me arrependo de não ter feito o The Tonight Show com eles. Não queria que a nossa música fosse entretenimento, achava que era mais do que isso. As pessoas faziam qualquer coisa por divulgação - iam a programas de entrevista vespertinos com algum colunista de fofocas ridículo. Você tinha que ver os lugares em que os agentes nos enfiavam. Eu pensava: "Que se foda tudo isso". Essa exposição também era uma maneira de transmitir a sua mensagem - a adolescentes que nunca tinham ido a San Francisco, mas que podiam ver uma banda como a Airplane no The Ed Sullivan Show. É por isso que as pessoas faziam essas coisas. Era ótimo para elas. Tocavam na TV, e o público as assistia. Mas eu não conseguia comprar essa idéia.
Você disse certa vez que não era "patrocinado por ninguém". Fica desalentado de ver a música de seus contemporâneos, como Jimi Hendrix e The Who, agora aparecer com regularidade em anúncios de TV? É uma guerra que você perdeu?
Eu não perdi, só lutava por mim. Minha música até hoje tem a ver comigo e com meu público, independentemente do número de pessoas que tenha sobrado. No final, quando não estiver mais aqui e o meu público não estiver mais aqui, só vai sobrar a música. As pessoas poderão escutá-la e tirar dela o que bem entenderem.
Você recebe propostas para licenciar suas músicas para comerciais ou as agências de publicidade simplesmente o riscaram de sua lista de desejos?
Elas já desistiram. Tenho sorte na vida por ter me dado tão bem. Não sou um artista de hits. Todos os meus amigos, os compositores e intérpretes que conheço, já tiveram mais hits do que eu. Mas hits são perigosos. É preciso ter cuidado: se tiver vários seguidos, você se fode para sempre. Você fica preso àquela coisa eternamente. Continuo preso àquela coisa do início dos anos 70 com "Old Man" e "Heart of Gold". Mas consegui viver alguns outros momentos em que a minha música era relevante para uma nova geração. Isso é algo pelo que me sinto agradecido.
Você escreveu "Old Man" quando estava na casa dos 20 anos. Agora que está na casa dos 60, qual é a melhor coisa de estar mais velho?
As coisas já não me incomodam tanto. Agora, eu me afasto e digo: "Certo, vamos esperar uma semana para ver o que essa gente vai fazer..." Até lá, provavelmente já vou estar preocupado com outro assunto mesmo. Não vou gastar meu tempo enlouquecendo a respeito de coisas que não posso mudar, a respeito de coisas que outras pessoas dizem - desde que eu possa continuar dizendo o que penso, fazer minha música e tocar minha guitarra. É só isso que me importa. Sei que no fim vou sair por aí de novo fazendo rock'n'roll.
Os hippies deixaram um legado positivo? Agora, são figuras engraçadas. No entanto, quando você canta o verso "trippin' down that ol' hippie highway" (viajando por aquela velha estrada hippie) em "Roger and Out" (de Living with War), é com verdadeiro orgulho, não ironia ou gozação.
Eu e a minha geração: a gente entende o que esse verso quer dizer. Os hippies exerceram alguma influência? Claro que sim - paz e amor. Nós éramos isso. Mas hoje é fácil fazer graça com qualquer coisa. A mídia parece um pátio de escola gigantesco. Um garoto manco entra ali e todo mundo começa a chutá-lo. Fazemos piada com pessoas que são diferentes. Você pode fazer a mesma coisa que faz com um hippie com um caipira. Se os anos 60 foram superestimados, então não sei o que poderia ser dito a respeito de algumas outras décadas e gerações. Fomos superestimados? Comparados a quê? "Geração X", que diabos isso quer dizer? Não é diferente o bastante para se tirar sarro? Cadê a marca? Não deixaram nenhuma. Deixaram um X. Não estou aqui para dizer que os anos 60 foram a única coisa boa que aconteceu. Ainda é possível que o mesmo tipo de coisa aconteça de novo. Não vai acontecer comigo. Vai acontecer com alguém que tem 20 anos de idade. Porque a vida é assim. Você precisa estar envolvido em alguma coisa com várias outras pessoas, identificando-se com algo que só você e elas compreendem. É isso que os jovens estão sempre tentando achar: algo que os separe de seus pais e do resto da cultura dominante.
Você vê algo da energia, da unidade e da esperança que transformou a década de 1960 nos jovens de hoje? Um dos personagens do seu álbum Greendale (2003) é Sun Green, uma ativista ambiental adolescente.
Ela luta para se assegurar de que não vai herdar o mundo do jeito que está indo. Mas é muito solitária porque ninguém enxerga o que ela vê. Nosso país é um dos últimos a perceber que o aquecimento global é causado pelas pessoas. Não vai sobrar muito para os nossos netos se prosseguirmos neste caminho. Quando a minha filha estiver com 50 anos e os filhos dela estiverem crescidos, a diferença entre o mundo agora e como ele era nos anos 60 vai parecer três dias na comparação com o que vem por aí. O que vai acontecer quando todas as casas próximas ao mar forem destruídas? Para onde essas pessoas vão? Vão se voltar contra os que continuam tendo casa. Vai ser um tumulto. Ninguém vai ajudar seus semelhantes. Paz e amor - isso não vai acontecer, não nesse ambiente. Muita gente precisa mudar.
Há coisas alentadoras que você diz a sua filha, que podem lhe dar esperança para o futuro?
Não tem nada específico que eu possa dizer, além de: "Faça aquilo em que você acredita e tente acreditar em tudo que faz". Funciona para mim até hoje.
Tradução: Ana Ban