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O adeus a Janis Joplin

Conheça a vida e as circunstâncias da trágica morte da cantora, que completaria 80 anos nesta quinta, 19

Redação Publicado em 19/01/2013, às 08h51 - Atualizado às 08h29

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Imagem O adeus a Janis Joplin

O texto abaixo foi publicado na edição 49 da Rolling Stone Brasil, no seção Arquivo RS.

Já eram 18h e Janis Joplin ainda não havia aparecido no Sunset Sound Studios. Paul Rothschild, o produtor da cantora, teve uma sensação estranha e mandou John Cooke, um dos roadies da Full Tilt Boogie Band, até o Landmark Motor Hotel para ver por que ela não estava atendendo ao telefone. "Eu nunca tinha me preocupado com ela antes, apesar de seus atrasos. Normalmente era porque parava para comprar uma calça ou fazer alguma outra coisa de mulher", disse Rothschild. Mas o dia 4 de outubro era um domingo e havia poucos lugares abertos, mesmo em Hollywood. O Landmark é uma construção grande de estuque na Franklin Avenue. Fica perto dos estúdios de gravação no Sunset Boulevard e é próximo aos escritórios das gravadoras e das editoras de música. Um ambiente bem tolerante a algazarras. Era o tipo de lugar de que Janis gostava.

Janis Joplin, muito além dos hits: uma seleção de músicas para você conhecer melhor a carreira da cantora.

Quando John Cooke chegou lá, eram quase 19h. Ele viu que o carro de Janis estava no estacionamento e que as cortinas do quarto dela, no andar térreo, estavam fechadas. Ela não atendeu a porta quando ele bateu, nem quando ele esmurrou a madeira e berrou. Cooke falou com o gerente, Jack Hagy, que concordou em entrar no quarto. Janis estava estirada entre a cama e a mesa de cabeceira, usando uma camisola curta. Os lábios dela estavam ensanguentados quando eles a viraram, e seu nariz estava quebrado. Ela segurava US$ 4,50 em uma mão.

Cooke chamou um médico e então ligou para o advogado de Janis, Robert Gordon. Ele afirma ter examinado o quarto com muito cuidado, mas sem encontrar qualquer narcótico ou equipamento para o uso de drogas. A polícia foi chamada. Quando os oficiais chegaram, por volta das 21h, também não encontraram drogas nem "apetrechos". Mas disseram aos repórteres que Janis tinha "marcas novas de seringa no braço, entre dez e 14, no braço esquerdo".

Relembre a carreira de Janis Joplin em vídeos.

Quando o apresentador do telejornal das 23h tinha terminado seu breve relato, telefonemas espalhavam boatos malucos: Janis tinha sido morta por algum sujeito ciumento, por um traficante, até mesmo pela CIA; ela teria acabado com a própria vida por causa de algum homem, porque achava que estava caindo no ostracismo ou porque sempre tinha sido uma pessoa autodestrutiva. Cada nova teoria tinha alguma pessoa "informada" por trás, e cada uma delas era igualmente sem embasamento.

Thomas Noguchi, legista do condado de Los Angeles, não contribuiu em nada para esclarecer a confusão, muito pelo contrário: seu relatório preliminar, emitido na manhã seguinte, dizia que ela "morreu de overdose de drogas", mas não especificava quais drogas - álcool, soníferos ou algo mais pesado.

Gordon tentou rebater muitos dos boatos bizarros e amenizar as manchetes mais loucas, dizendo acreditar que as alusões a drogas não tinham embasamento e que Janis teria morrido de overdose de soníferos, seguida de uma queda da cama. Na terça-feira, no entanto, Noguchi relatou que Janis, que estava com 27 anos, tinha de fato injetado heroína no braço esquerdo várias horas antes de morrer, e que uma overdose a tinha matado. Disse que um inquérito seria instaurado.

Ao serem questionados a respeito dos ferimentos no rosto, policiais afirmaram que tinham eliminado a possibilidade de violência. "Ela podia ter quebrado o nariz ao cair", falou um detetive. A quantia estranha de dinheiro que ela segurava continua sendo um mistério e vai alimentar a imaginação das pessoas que precisam explicar de algum modo a morte dela. No momento, as explicações vão desde "era o troco de um saquinho" - um saquinho de heroína hoje custa uns US$ 15 em Los Angeles - até teorias grotescas sobre "troco para fazer uma ligação de emergência" - apesar do telefone do quarto dela, como acontece na maior parte dos hotéis, não precisar de moedas para funcionar.


O advogado Gordon disse que Janis o tinha visitado alguns dias antes "para falar de negócios". Ela parecia feliz. Disse que estava pensando em se casar. "Ela também estava muito contente com o álbum", prosseguiu. "Estava na cidade fazia mais ou menos um mês, gravando, entusiasmada com a banda. Ela disse que 'se sentia como uma mulher de verdade'".

Quando indagado a respeito dos "negócios" que Janis foi tratar com ele, Gordon respondeu: "É melhor eu falar logo. Ela foi assinar o testamento". Ele enfatizou, no entanto, que não achava que o fato de ela o ter assinado significasse alguma coisa.

Paul Rothschild, produtor da Elektra, mas que também estava produzindo as sessões da Columbia, relatou que Janis estava "emocionada e em êxtase". Disse que conhecia a estrela há muito tempo e que ela parecia "mais feliz e mais ligada do que qualquer pessoa pudesse se lembrar". Ele disse que o álbum estava "80%" pronto. Uma fonte da Columbia, no entanto, informou que as gravações "não estavam andando bem", que estavam "devagar" e que, depois de um mês passando entre oito e dez horas no estúdio, 11 faixas tinham sido editadas e apenas quatro tinham sido consideradas "boas o suficiente". Quando confrontado com essa informação, Rothschild ficou furioso. Ele observou que tinha precisado "brigar com todo mundo na Columbia" ao longo de todas as sessões. Disse que o álbum era o primeiro feito por um produtor "de fora" que a Columbia tinha permitido, e que "o disco podia não estar indo assim tão bem para a Columbia, mas estava para Janis Joplin". Uma fonte da Columbia divulgou o nome de algumas faixas, incluindo "Me and Bobby McGhee", "A Woman Left Lonely", "Ain't Nobody's Business", "Trust in Me", "Cry Baby", "Get It While You Can", "Half Moon" e "Got My Baby". [Nota: O disco acabou sendo lançado em fevereiro de 1971 com o nome Pearl].

A última pessoa que viu Janis viva foi Hagy, o gerente do Landmark. Ele disse à polícia que falou com ela brevemente à 1h da madrugada de domingo, e que ela "parecia animada". Janis tinha terminado uma sessão de gravação por volta das 23h da noite de sábado e foi com vários integrantes da banda ao Barnie's Beanery. John Cooke disse que Janis tomou alguns drinques e então levou o organista de carro para o hotel, deu boa-noite e foi para a cama. Os pais de Janis, logo que chegaram a Los Angeles, preferiram não declarar nada à imprensa. Albert Grossman, o empresário dela, chegou de Nova York e também se recusou a fazer comentários. Mas um porta-voz de seu escritório disse que ele "sentia que ela era uma filha para ele".

Myra Friedman, uma das assessoras de imprensa de Grossman e amiga próxima de Janis, disse que a imagem que ela cultivava, de ser do tipo de pessoa que aproveita tudo enquanto pode, não era exata: "Acho que Janis sabia que ela não era assim. Talvez uma parte dela acreditasse nisso, mas acho que a parte mais honesta não acreditava. Ela não era conservadora - isso é ridículo -, mas tinha muitas necessidades que simplesmente eram iguais às de qualquer outra pessoa. Ela aceitava diferentes tipos de pessoas".

O promotor de shows Bill Graham, falando de São Francisco, negou as "conexões" que inevitavelmente estavam sendo feitas entre a morte de Hendrix e Joplin: "Nenhuma. Hendrix foi um acidente - e Janis, ninguém sabe ainda. Tenho certeza de que alguém deve estar jogando I Ching ou olhando para um mapa ou para as estrelas e dizendo: 'Eu sabia, eu sabia'. Só falo isso porque sei que muita gente vai ficar procurando razão e lógica - não significa que aquele homem tinha que partir, que aquela coisa tinha que acontecer, não estava escrito em lugar nenhum. Se, hipoteticamente a morte de Jimi e Janis for o resultado de heroína, a ironia é que isso pode surtir um efeito positivo. Muitos jovens poderão largar a droga. Eu gostaria de pensar que algumas das pessoas que fizeram sucesso vão começar a avaliar se elas controlam o sucesso ou se são controladas por ele. Quanto a Janis, acho que ela nunca soube lidar com isso".

Em Nova York, Clive Davis, presidente da gravadora Columbia, disse que, para ele, Janis "personificava de maneira única o rock em espírito, talento e personalidade. Janis e a música contemporânea dispararam juntas de Monterey em 1967 e eu tive a sorte de estar lá. Vou sempre ser pessoalmente agradecido a ela porque Janis, mais do que qualquer outra pessoa em Monterey, fez com que eu tomasse plena consciência da direção nova e futura da música, e me animasse com ela".

No dia seguinte à morte de Janis, os escritórios da Columbia em Nova York estavam com a mesma aparência de sempre, com a exceção de que uma fornada do último álbum dela, I Got Dem Ol Kozmic Blues Again, Mama! tinha chegado do escritório de Grossman. A Columbia tinha ficado sem discos.


No escritório de Grossman, todo mundo parecia tristonho. "Janis entrava correndo, dando risada, e perturbava tudo toda vez que vinha a Nova York", um funcionário lembrou. Alguém começava a contar uma coisa engraçada ou iniciar uma história, mas a coisa não ia para a frente.

Na quarta-feira, dia 7 de outubro, o corpo de Janis Joplin foi cremado, de acordo com a vontade dela. Um serviço religioso privado foi organizado para os parentes mais próximos - os pais, o irmão e a irmã, as tias, os tios e os primos. O local não foi revelado.

De acordo com o advogado Robert Gordon, os pais primeiro quiseram levar o corpo de volta a Port Arthur para o enterro, mas depois concordaram com o desejo da filha. Gordon disse que as cinzas de Janis seriam lançadas ao mar em Marin County, em uma data ainda a ser determinada.

Janis Joplin nasceu no dia 19 de janeiro de 1943, a mais velha de três filhos, em Port Arthur, Texas, uma cidade de média para pequena com 60 mil habitantes, localizada a aproximadamente 25 quilômetros da fronteira com Louisana. O pai dela, Seth, tinha sido funcionário da Texas Canning Company e depois foi trabalhar na Texaco. A mãe, Dorothy, trabalhava na secretaria da Port Arthur College, uma faculdade de administração. Ela tem uma irmã mais nova, que estuda na faculdade Lamar Tech, em Austin, e um irmão, Michael. Muita gente em Port Arthur trabalha no setor de refinaria de petróleo em algum nível, e a cidade é de renda média e de classe média. Geralmente tem o ar enfumaçado e quente. Janis detestava o lugar.

Os primeiros interesses dela foram pintura e poesia. Ela fez um pouco dos dois, mas, aos 17 anos, envolveu-se com o country blues de Leadbelly e depois com a música de Bessie Smith. Janis conseguiu LPs dos dois artistas e os tocava um atrás do outro, tentando cantar junto. Daí fugiu.

Passou temporadas em Austin, Houston, Venice Beach e São Francisco, cantando e trabalhando em várias coisas diferentes. Às vezes, recolhia cheques do seguro-desemprego. Seu primeiro registro de ter estado em São Francisco é de 1962, mas Ken Threadgill, um músico folk das antigas do Texas, lembra-se de a ter visto em Austin em 1961. Ele alega que ela tinha acabado de ser liberada de um hospital em São Francisco, onde fez tratamento contra drogas. Isso a colocaria na Califórnia algum tempo antes do aniversário de 19 anos. Threadgill tinha convertido um posto de gasolina em um bar que apresentava música country das antigas, interpretada por artistas jovens e velhos. Outra cantora nova, Juie Joyce, que tinha trabalhado no Threadgill's, viu Janis com uma banda de bluegrass com quem ela tocava ocasionalmente, sentada na rua em Austin. Janis estava com uma auto-harpa.

Threadgill recordou: "Para falar a verdade, ela não se deu muito bem por aqui. Ela cantava o bluegrass de uma forma estridente e aguda. No final, apareceu alguém que a colocou no circuito dos cafés e pronto".

De volta a Port Arthur, ela tentou imitar Odetta em uma festa e o novo som que emitiu assustou até a ela própria. Mas continuou a segurar o vocal, interpretando canções ao estilo de Bessie Smith em bares e clubes de folk, até a primeira vez em que trabalhou com o pessoal da Big Brother and the Holding Company. Janis disse às pessoas que entrou e saiu de faculdades ao longo dos anos seguintes, mas com toda a certeza estava em São Francisco em 1966. Chet Helms, que na época gerenciava uma casa de músicos em Haight-Ashbury, escutou a voz dela e gostou. Sam Andrew, Peter Albin, James Gurley e Dave Getz, membros da Big Brother and the Holding Company, estavam sempre ao redor da casa de Helms em Haight-Ashbury desde 1965.

Andrews falou: "Quando conheci Peter Albin, ele tinha na cabeça a ideia estranha de montar um grupo de rock que falasse a língua dos filhos da nação. Antes de Janis, a coisa era mais experimental. Peter cantava a maior parte das músicas, e, quando Janis chegou, ele ensinou as canções a ela. Nós queríamos mais de um vocalista na banda, como acontecia no Jefferson Airplane. Mas a maior parte de nós só pensava em ter alguém que fosse realmente bom. Chet era o nosso empresário e disse: 'Conheço uma mulher ótima'. Janis já tinha estado em São Francisco e tinha entrado em pânico: ela achou que não chegaria a lugar nenhum e voltou para o Texas. Então Chet foi lá e falou para ela sobre a cena, e ela e Travis Rivers vieram. Então nós nos mudamos para Lagunitas e adotamos a vida no campo, e foi um processo de crescimento coletivo. Janis foi um catalisador, ela juntava as pessoas".

Janis falou em 1968: "Chet me disse que a Big Brother estava atrás de uma vocalista, então achei que podia tentar. Não sei o que aconteceu. Eu simplesmente explodi. Mas não dá para cantar assim na frente de uma banda de rock, com todo aquele ritmo e aquele volume rolando. Você tem que cantar alto e se mexer feito uma louca com tudo aquilo que está acontecendo atrás de você. Aconteceu na primeira vez, mas daí eu me liguei em Otis Redding, e simplesmente entrei naquilo mais do que nunca. Agora, não sei mais cantar de nenhum outro jeito. Tentei me acalmar e não gritar, e saí me sentindo um nada".


Janis e o big brother - sam e jim nas guitarras, Peter no baixo e Dave na bateria - tocavam no Avalon com regularidade e em outras casas pequenas na Bay Area. Estavam construindo uma reputação junto aos frequentadores do Fillmore. Janis tinha voltado a morar na cidade, em um apartamento de segundo piso perto do Buena Vista Park, no mesmo quarteirão que Peter Albin. Country Joe McDonald saiu com ela um tempo. Daí a Big Brother recebeu uma oferta para gravar. O selo era o Mainstream, uma pequena empresa de Chicago, e Sam Andrews até hoje se lembra do episódio como "um desastre": "Um tal de Bob Shad estava nos pressionando - era um louco sem noção de Nova York. Marcaram uma audição na antiga mansão Spreckels. Quiseram nos contratar na ocasião, e Chet disse 'não'. Alguns meses depois, nós nos livramos de Chet. Então fomos para Chicago e assinamos, porque parecia encantador. Éramos garotos ingênuos. Estávamos em Chicago e a coisa foi pesada para o nosso lado; o clube estava nos queimando e lá estava aquele sujeito falando para a gente ir para o estúdio amanhã, assinar e dispensar o advogado e estava tudo bem - e era o advogado dele. Acho que nós todos queríamos fazer aquilo. Pedimos US$ 1 mil para ele e ele disse não. Dissemos então, US$ 500? Ele disse não. Bom, será que dá para pagar o avião para a gente voltar para casa? Ele disse que não ia dar nada, e até hoje não ganhamos nem um centavo daquele álbum [Big Brother and the Holding Company]. Voltamos e estava tudo bem em São Francisco, pelo menos tínhamos alguns shows pequenos..."

Em junho de 1967, aconteceu o Monterey International Pop Festival. O álbum de estreia da banda ainda não tinha sido lançado. Janis e Jimi Hendrix receberam elogios rasgados e a reação do público foi incrível. De repente, o álbum do Big Brother estava nas ruas. Clive Davis, presidente da Columbia Records, estava na plateia e gostou do que viu e ouviu. O empresário Albert Grossman, que pretendia aglutinar vários grupos de rock dos Estados Unidos, ficou interessado. Monterey foi a grande chance para a Big Brother, o início dos tempos de fartura. A banda assinou com Albert Grossman em janeiro de 1968.

Bill Graham, lembrando-se de Janis com sua banda original, disse: "Assim como todo mundo, eu fiquei muito impressionado com aquele som louco e rouco que saía de Janis. Ela idolatrava Otis Redding. Mas não acho que Janis tentasse ser negra. Ela era uma jovem vinda do Texas que tinha rodado por São Francisco. Ela cantava blues de um jeito próprio. Um grande talento, criativo e original. Eu me lembro de uma vez no Fillmore de São Francisco, ela estava com um resfriado de matar, e levou bebida alcoólica e chá para o palco. Ela me pegou e disse: 'Bill, estou muito preocupada. Espero que eles gostem de mim, estou na minha cidade, você acha que vai ficar tudo bem?' A verdade é que Janis era uma daquelas pessoas que não tinham como errar aqui".

Em abril de 1968, Janis e banda estavam em Nova York para gravar Cheap Thrills para a Columbia. A banda tinha tocado no Anderson Theater na 2nd Avenue no mês de fevereiro, na frente do lugar que na época era conhecido como Village Theatre - mas, com a chegada do som de São Francisco a Nova York, o nome mudaria para Fillmore East. Kip Cohen, que trabalhava para Bill Graham, disse: "Não há dúvida de que ela já era uma grande estrela naquela época. A Big Brother era uma banda confusa, não muito boa, mas todo mundo adorava porque era Janis e pura São Francisco".

A banda Big Brother teve alguns problemas no estúdio. Janis informou que Nova York tinha deixado todo mundo agressivo. "Em São Francisco é diferente", ela declarou para o jornalista Nat Hentoff do The New York Times. "Não estou dizendo que é perfeito, mas as bandas de rock lá não começaram porque queriam fazer sucesso. Elas gostavam de se chapar e tocar para as pessoas dançarem. Nós precisamos aprender a controlar o sucesso."

Cheap Thrills, contendo várias marcas registradas de Janis - "Ball and Chain", "Piece of My Heart" etc. - saiu em setembro de 1968 e faturou milhões. Mas, em novembro, os boatos da dissolução do Big Brother já não podiam mais ser ignorados. Janis fez seu último show com o grupo no dia 1º de dezembro no Family Dog. Ela já tinha começado a ensaiar com uma banda nova, que era chamada por vários nomes: Kozmic Blues Band, The Janis Revue e Main Squeeze, e as histórias ruins de sempre começaram a circular. Dois dias depois da morte de Janis, Peter Albin se lembrou de como eram as coisas: "Foi em Nova York que ela tomou a decisão de se separar. Havia muitos shows em que todos nós nos sentíamos mal. Ela fazia a parte dela com uma certa dose de autoconfiança. Mas o novo tipo de performance de Janis já não tinha mais a ver com o resto da banda. Eu diria que era uma viagem de estrela, em que ela se relacionava com o público como se fosse a única em cima do palco e que não tinha absolutamente nada a ver com a gente".

Sam Andrew, que acompanhou Janis em sua segunda banda, disse que ela lutou contra a separação durante muito tempo: "Desde o começo as pessoas falavam que ela era melhor do que a Big Brother. Daí, a coisa ficou bem intensa durante uns seis meses. Grossman estava pegando pesado para cima dela. Uma noite, no Winterland - não sei, uns dois caras da banda estavam passando mal ou algo assim, mas depois ela disse: 'Cara, eu vou lá e dou duro, e esses sujeitos não estão se esforçando'. Foi naquela noite; foi quando eu reparei na mudança. E também era o ano do soul - o ano em que todo mundo estava curtindo música com metais e coisas assim. Era bem natural. Já fazia um bom tempo que nós estávamos esperando a separação acontecer".


Desde o início a Kozmic Blues Band teve dificuldades. Isso ficou evidente em um show no Memphis Mid-South Coliseum. A ocasião era a festa anual Memphis Sound, coordenada pelo presidente da Stax Records, Jimi Stewart. Entre os artistas estavam os Bar-Keys (a antiga banda de Otis Redding), Albert King, os Mad Lads, Judy Clay, Carla e Rufus Thomas, Eddie Floyd e Janis. Eram todos músicos da cena de soul de Memphis acostumados aos flashes e ao show-biz. A banda de Janis parecia deslocada, afinando os instrumentos e fazendo ajustes intermináveis. Metade da plateia não fazia a menor ideia de quem ela era e o restante, composto de adolescentes brancos, nunca a tinha ouvido cantar nada além de "Ball and Chain" e "Piece of My Heart".

Janis abriu com "Raise Your Hand" e seguiu com "To Love Somebody", dos Bee Gees. Quase ninguém aplaudiu. Não houve bis. Nos bastidores, a banda estava em estado de choque. Disseram a ela repetidas vezes que ela tinha cantado bem e que o resto estava fora de seu controle, mas ela não queria consolo.

A performance de Janis no Fillmore East nos dias 11 e 12 de fevereiro de 1969 foi o maior acontecimento do rock da Costa Leste naquela época do ano, e a imprensa estava a postos, ao lado de legiões de fãs. A primeira música foi recebida apenas de maneira adequada. Mas as coisas melhoraram quando Janis cantou o antigo sucesso dos Chantells, "Maybe", e "Summertime", do álbum Cheap Thrills. O cabelo da cantora esvoaçava e seus dedos longos estavam brancos de agarrar o microfone com tanta força. "To Love Somebody" ficou exagerada, assim como a nova canção "Jazz for the Jack-Off s". A distância entre cantora e banda nunca tinha sido mais aparente. Mas ela fechou com bastante força, com uma música de Gravenites que na época era nova, "Work Me Lord".

Posteriormente, em uma entrevista, Janis ficava interrompendo as perguntas do repórter com suas próprias interjeições: "Ei, eu nunca cantei tão bem! Você não acha que eu estou cantando melhor? Bom, Jesus, caralho, eu estou melhor mesmo, pode acreditar".

Em março de 1969, as coisas não tinham melhorado. Dizia-se que Grossman estava pedindo quantias astronômicas de dinheiro por uma apresentação de Joplin. Em sua coluna de 24 de março no San Francisco Chronicle, Ralph J. Gleason escreveu: "Era quase impossível acreditar, mas o fato é que, na primeira apresentação dela com seu próprio grupo, depois de toda a divulgação nacional e de todas as vendas tremendas de seu álbum com a Big Brother and the Holding Company, o público da noite de estreia dela no Winterland não fez com que ela voltasse para o bis. A banda nova dela é uma porcaria. Eles até tocam direitinho, mas são uma versão pálida das bandas de rhythm & blues de Memphis/Detroit. Janis, apesar de estar com boa voz, mais parece empenhada em se transformar em Aretha Franklin. O melhor foram as músicas que ficaram mais parecidas com as da Big Brother. Seria melhor se Janis acabasse com essa banda e voltasse para ser integrante da Big Brother - isso se eles a aceitarem".

Em agosto, Janis fez uma ótima apresentação no Atlantic City Pop Festival em New Jersey. Em novembro, o álbum I Got Dem Ol' Kozmic Blues Again Mama! foi lançado e recebeu críticas favoráveis. Os excessos vocais pareciam estar sob controle, e o material - "Maybe", "Try (Just a Little Bit Harder)", "Little Girl Blue", "Kozmic Blues" - foi considerado "melhor".

A derradeira apresentação de Janis com a Kozmic Blues Band aconteceu no Madison Square Garden, em Nova York, no dia 29 de dezembro de 1969. Clive Davis deu uma festa elegante para ela em seu apartamento em Central Park West e Bob Dylan, um de seus antigos ídolos, apareceu por lá.

No dia 20 de março de 1970 ela estava no Brasil e anunciou, de um hotel no Rio de Janeiro, que "vou para a floresta com um beatnik que parece um urso chamado David Niehaus. Finalmente me lembrei de que não preciso passar 12 meses por ano em cima do palco. Resolvi ir curtir algumas outras 'selvas' por umas duas semanas". Janis conheceu Niehaus no Rio, para onde tinha viajado como parte de suas férias de três meses. Quando voltou, fez duas tatuagens, uma no pulso e uma em cima do coração. "Uma coisinha para os garotos", disse.

Em meados de abril, Janis se apresentou com uma versão reformada da Big Brother and the Holding Company no Fillmore West. Nick Gravenites tinha se juntado aos antigos integrantes; Sam Andrew também estava de volta. Ela cantou todas as suas velhas canções, até mesmo "Easy Rider", do álbum da Mainstream, e "Cuckoo", de Cheap Thrills. "Realmente, estamos dragando o passado para vocês, pessoal", Janis brincou. Tecnicamente a banda estava muito melhor, mas, como acontecia no passado, era Janis que o público queria.


No dia 12 de junho, ela e seu novo grupo, a Full Tilt Boogie Band, estrearam no Freedom Hall em Louisville, Kentucky. Só havia 4 mil presentes no monstruoso estádio fechado, mas o show foi um arraso. Assim que Janis deu início a "Try", a plateia começou a dançar e a berrar. "Eu permito que eles dancem", ela disse a um segurança brutamontes que tentava reprimir o público.

Todo mundo que os assistiu concordou que Janis finalmente tinha reunido uma banda com capacidade de sustentá-la, capaz de fornecer o empurrão de que ela acreditava precisar. O último show dela com seus novos músicos foi no Harvard Stadium no dia 12 de agosto, em frente a 40 mil pessoas. Depois disso, tanto Janis como a banda se reuniram em um estúdio de gravação em Los Angeles.

A última aparição pública de Janis Joplin foi em setembro. Ela apareceu em Port Arthur, no Texas, para a reunião de comemoração do 10º ano de formatura da turma de 1960 da Jefferson High School. A cantora usava penas azuis e cor-de-rosa esvoaçantes no cabelo, um vestido de cetim e veludo roxo e branco com bordados dourados, calçava sandálias e tinha as unhas dos pés pintadas, além de usar anéis e pulseiras suficientes para enfeitar uma prostituta da Babilônia.

Janis e seus acompanhantes foram para o Petroleum Room esfarrapado do Goodhue Hotel e tomaram conta do bar. Quando ela pediu uma vodca (ela passou a tomar gim e vodca em vez de Southern Comfort há cerca de um ano), o atendente do bar disse que só tinha bourbon e scotch. "Meu Deus", ela disse. "Alguém saia para comprar uma garrafa de vodca." Port Arthur nunca tinha visto uma pessoa como ela.