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Com o mundo aos seus pés

Em show robusto para quase 90 mil pessoas, U2 revê 35 anos de carreira e faz homenagem às vítimas de chacina no Rio

Por Pablo Miyazawa Publicado em 11/04/2011, às 09h09

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"I Will Follow", "I Still Haven't Found What I'm Looking For", "Sunday Bloody Sunday" e "With or Without You" estiveram entre os clássicos do set list do U2 em São Paulo - Divulgação/MRossi
"I Will Follow", "I Still Haven't Found What I'm Looking For", "Sunday Bloody Sunday" e "With or Without You" estiveram entre os clássicos do set list do U2 em São Paulo - Divulgação/MRossi

Pouco mais de cinco anos separavam a última aparição do U2 em solo brasileiro e o show desta noite de sábado, 9 de abril. O cenário era coincidentemente o mesmo - o Estádio do Morumbi, em São Paulo. A diferença crucial em relação às apresentações de 2006 (da turnê Vertigo) pôde ser apreciada antes mesmo de qualquer nota musical ser tocada: a "garra", vedete da atual turnê 360º, uma mastodôntica estrutura de aço de 46 metros de altura e 400 toneladas que sustenta a aparelhagem, envolve a banda e desafia a plateia que a circunda.

O trio britânico Muse surgiu pontualmente às 20h e tocou com o volume baixo ao longo de 45 minutos. Músicas de todas as fases da banda, como "Stockholm Syndrome", "United States of Eurasia", "Hysteria", "Starlight" e 'Knights of Cydonia" foram recebidas com algum entusiasmo e banhadas por uma garoa que por pouco não se transformou em chuva torrencial. Se não combina exatamente com a sonoridade atual do U2, é permitido afirmar que o estilo demasiadamente épico e rebuscado do Muse soa adequado em um estádio abarrotado.

Os pingos d'água cessaram às 21h40, quando os quatro homens do U2 finalmente se encaminharam em direção à "garra". A plateia de 89 mil pessoas (dados divulgados pela organização) estava ganha, o que não significou que os irlandeses não tenham se esforçado para agradar. Ecoando pelo estádio, "Trem das Onze" (de Adoniran Barbosa) proporcionou um toque de familiaridade ao público paulistano, seguida por trechos de "Space Oddity", de David Bowie. Foi a deixa para Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr. tomarem posições e atacarem "Even Better Than the Real Thing", de Achtung Baby (1991). Do mesmo álbum, o U2 também apresentou "Mysterious Ways", "Until the End of the World" e "One" - esta última precedida de um jovial discurso do ativista sul-africano Desmond Tutu através de um impressionante telão que se metamorfoseava a cada novo número.

Ao vivo, o U2 aproveita como pode todos os espaços disponíveis de seu palco circular e de apelo democrático. Larry Mullen Jr. permanecia estático atrás de sua bateria, enquanto o baixista Adam Clayton circulava pelas passarelas móveis com a discrição e a elegância de costume. Dono de um dos timbres mais particulares do rock, The Edge ditava os movimentos do quarteto com riffs impecáveis e utilizando mais de uma dúzia de guitarras diferentes. Bono, por sua vez, desfilava impávido, com postura messiânica e parecendo energizado pelas atenções dos quase 90 mil pares de olhos que chegaram a pagar até R$ 1000 só para vê-lo cantar. Foi um típico show megalomaníaco da banda mais lucrativa da atualidade, coroado por um impressionante sistema de iluminação com feixes que chegavam ao céu e a utilização criativa do telão fragmentado de 500 mil pixels de resolução. Não faltaram os tradicionais discursos de cunho político (uma homenagem a Aung San Suu Kyi, ativista de Mianmar libertada no ano passado após 20 anos atrás das grades), mas também houve tempo para papo furado (cinco minutos foram gastos com frases desconexas de Bono sobre os sabores de pizza favoritos dos integrantes do U2).

Espetáculos dessa magnitude quase não permitem improvisos de qualquer espécie. Até mesmo quando Bono convidou uma fã ao palco para recitar um trecho de "Carinhoso" (de Pixinguinha e João de Barro) o momento pareceu hermético, orquestrado em demasia. Com devoção quase religiosa e sem criar tumultos, o público assistiu ao maior grupo de rock do mundo repassar uma discografia de três décadas de idade, alternando hits do passado com faixas de álbuns mais recentes. "I Will Follow", "I Still Haven't Found What I'm Looking For", "Sunday Bloody Sunday" e "With or Without You" não ficaram de fora, mas houve um bom espaço reservado aos singles do não tão bem cotado No Line on the Horizon (2009). "Get on Your Boots", "Magnificent" e "I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight" surgiram espalhadas pelo repertório e foram recebidas com menos entusiasmo do que os hits de All That You Can't Leave Behind (2000) - a empolgante "Beautiful Day" - e How to Dismantle an Atomic Bomb (2004) - assim como nos shows de 2006, "Vertigo" e "City of Blinding Lights" foram cantadas em coro. Músicas de October (1981), The Unforgettable Fire (1984), Zooropa (1993) e Pop (1997) foram ignoradas no set list do primeiro show da turnê 360º em solo brasileiro, que prossegue nesse domingo, 10, e na quarta, 13 de abril.

Já no bis, após "One", Bono aproveitou a guitarra em punho para puxar o refrão de "Help", dos Beatles - foi provavelmente uma homenagem ao aniversariante do dia, Julian Lennon (filho de John), que se encontrava presente no Morumbi. Antes de concluir o evento de pouco mais de duas horas e dez minutos, Bono se permitiu um último discurso oportunista: primeiro, celebrou a "amizade da banda com o Brasil" e mencionou sua visita à presidente Dilma Rousseff; em seguida, não resistiu à chance de levantar bandeiras sobre a chacina ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro: enquanto falava, os nomes das 12 crianças assassinadas eram morbidamente exibidos no telão. O público pareceu não saber bem como reagir, aplaudindo e murmurando na mesma proporção. "Moment of Surrender" encerrou com ares anticlimáticos um espetáculo ora frio, ora intimidador, ainda que grandioso em todas as medidas - tamanhos, hits, devoção e clichês. A natureza, provavelmente, também se sentiu intimidada: a chuva só se permitiu cair novamente minutos após Bono e cia. saírem de cena.

Set list:

"Even Better Than the Real Thing" - (Achtung Baby)

"I Will Follow" - (Boy)

"Get on Your Boots" - (No Line on the Horizon)

"Magnificent" - (No Line on the Horizon)

"Mysterious Ways" - (Achtung Baby)

"Elevation" - (All That You Can't Leave Behind)

"Until the End of the World" - (Achtung Baby)

"I Still Haven't Found What I'm Looking For" - (The Joshua Tree)

"Stuck in a Moment You Can't Get Out Of" - (All That You Can't Leave Behind)

"Beautiful Day" - (All That You Can't Leave Behind)

"In a Little While" - (All That You Can't Leave Behind)

"Miss Sarajevo" - (Passengers)

"City of Blinding Lights" - (How to Dismantle an Atomic Bomb)

"Vertigo" - (How to Dismantle an Atomic Bomb)

"I'll Go Crazy If I Don't Go Crazy Tonight" - (No Line on the Horizon)

"Sunday Bloody Sunday" - (War)

"Scarlet" (October)

"Walk On" - (All That You Can't Leave Behind)

Bis:

"One" - (Achtung Baby)

"Where the Streets Have No Name" - (The Joshua Tree)

"Hold Me, Thrill Me, Kiss Me, Kill Me" - (trilha de Batman Eternamente)

"With or Without You" - (The Joshua Tree)

"Moment of Surrender" - (No Line on the Horizon)

Atualização

No segundo show da turnê em São Paulo, na noite de domingo, 10, o U2 tocou pela primeira vez a faixa "Zooropa" na íntegra. Saiba mais.