Como Daniela Mercury usa a arte como elemento de mudança [ANÁLISE]

Entrevistada do Roda Viva nessa segunda-feira (20), a cantora baiana usa vida e obra a favor da transformação social e diz que “teria feito um disco de rap, de trap, de heavy metal”, caso Jair Bolsonaro tivesse sido eleito em 2022

Ademir Correa

Daniela Mercury (Nadja Kouchi)
Daniela Mercury (Nadja Kouchi)

Texto adaptado do artigo original Daniela Mercury e o poder transformador da arte, por Ademir Correa.

“Teria feito um disco de rap, de trap, de heavy metal”, diz Daniela Mercury sobre Baiana, lançado em dezembro de 2022. A cantora admitiu, em pergunta da Rolling Stone Brasil durante o Roda Viva (TV Cultura), que seu 13º álbum de estúdio seria diferente, de um ativismo mais radical, caso o resultado das urnas fosse outro, com vitória para Jair Bolsonaro, nas últimas eleições presidenciais do Brasil.

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Politizada, a cantora e compositora ousa ser livre e gravar em set list as agruras que às vezes nem ousamos falar – por mais que o debate seja sempre a melhor forma de mudança. A artista escancara a luta por esta musicalidade de muitos e para muitos – ainda cantada por poucos. ’A cor desta cidade sou eu”, verso inicial de “O Canto da Cidade”, um dos seus maiores hits (composto por Tote Gira) é também este alerta para o apagamento de artistas negros nas gravadoras, nos shows, nos trios, no curso de sua própria vida-arte como protagonistas. Daniela Mercury situa-se aqui como uma aliada, desconstruindo sua imagem como mais uma porta-voz da igualdade, e não a única; como uma defensora, e não uma justiceira.

Daniela Mercury (Nadja Kouchi)
Daniela Mercury (Nadja Kouchi)

 

Com uma carreira pensada na proporção de seus desejos de mudança, é também uma gestora que entende sua importância na geração de consciência e de empregos no setor cultural (suas apresentações movimentam a economia, impulsionam o turismo, geram posições de trabalho direta e indiretamente, além de exaltarem nossas belezas). Suas composições escancaram esforços em prol dos direitos humanos e traduzem em música e dança a crônica de um Brasil polarizado politicamente, um país atravessado por desigualdades de toda a sorte.

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A soteropolitana que ganhou notoriedade com “O Canto da Cidade”, de 1992, e é uma das principais embaixadoras não-oficiais do Carnaval, da Bahia, da Axé Music – aqui como manifestação cultural amplificada para o Brasil e o mundo. Daniela foi alçada à Rainha do ritmo, título que faz jus a sua contribuição para a amplificação do gênero, ao mesmo tempo em que polêmico quando situado na trajetória desta manifestação cultural popular e em suas potências criadoras – invisibilizadas até hoje. Seu último disco, Baiana, conceitualmente situado em um terreno de ativismo fino, dá espaço para os esquecidos e não-exaltados e traz uma lente de aumento para questões como o desmanche da cultura, para o feminismo e a igualdade de gênero, para um Brasil de todes e para todes (linguagem neutra, inclusiva, que vemos na canção “Macunaíma” – com letra de Zé Celso Martinez Corrêa e Fernando de Carvalho).

Daniela Mercury (Nadja Kouchi)
Daniela Mercury (Nadja Kouchi)

 

Daniela encabeça novos olhares (plurais) sobre a arte e seus agentes. Nesta noite de Carnaval, o Roda Viva foi sua Roda de Samba – na mesma proporção em que contribui com propriedade para discussões importantes sobre etarismo, racismo e revolução cultural. E que ela continue exercendo seu poder transformador através da arte. Sempre!

Além da presença da Rolling Stone Brasil, o Roda Viva, com apresentação de Vera Magalhães, traz na bancada Daniela Falcão, jornalista e fundadora da Nordestesse; Lia Rizzo, jornalista e socióloga; Luanda Vieira, jornalista; Lucas Brêda, repórter de música da Ilustrada (Folha de S. Paulo) e Sérgio Martins, crítico musical.

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