The Damned revela expectativas para turnê no Brasil, examina pioneirismo punk e relembra Sex Pistols: ‘Jornada inesperada’
O baterista Rat Scabies conversou com a Rolling Stone Brasil sobre a importância da banda no gênero e os primeiros shows no país em 13 anos
Heloísa Lisboa (@helocoptero)
Poucas semanas antes dos Sex Pistols lançarem “Anarchy in the U.K.”, The Damned se tornou a primeira banda punk do Reino Unido a divulgar um single. “New Rose”, composição de Brian James, faz parte do álbum de estreia do grupo, Damned Damned Damned (1977), e se tornou um marco na história da música.
“Ninguém sabia que, tantos anos depois, eu estaria conversando com alguém do Brasil sobre algo que não tínhamos ideia de que estávamos criando”, confessou o baterista Rat Scabies em entrevista à Rolling Stone Brasil. Diretamente do estúdio no sótão de sua casa em Londres, o músico conversou — com muito bom humor — sobre as expectativas de sua primeira visita ao país e seu retorno ao The Damned.
A banda fez apresentação solo em São Paulo na última sexta-feira, 7, e tem outros dois shows marcados no Brasil com The Offspring, na turnê Supercharged, nos dias 8 e 9.
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Após idas e vindas de integrantes, o grupo retomou a formação original — com Dave Vanian, Captain Sensibe, James e Scabies — em 2022, para uma turnê. Scabies, que deixou o The Damned em 1996, decidiu voltar de vez para a banda depois dos shows de reunião.
“Ninguém tentou matar ninguém, ninguém processou ninguém. Foi muito legal. Tinha me esquecido do quanto era bom, entende? E como trabalhar com eles mudou a forma como toco e como faço as coisas. Quando disseram que poderiam continuar fazendo coisas, foi muito fácil aceitar [o convite para retornar ao The Damned]”, o baterista explicou.
James se despediu dos palcos em 2022 e do mundo nesta quinta-feira, 6. A morte do co-fundador do The Damned foi confirmada em sua página oficial do Facebook. O grupo o homenageou em publicação no Instagram: “Brian James era um visionário”.
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Mais de uma década após a estreia no Brasil, Dave Vanian, Captain Sensibe, Rat Scabies, Paul Gray e Monty Oxymoron contemplam o país com o som e o pioneirismo do The Damned.
Leia abaixo entrevista com Rat Scabies na íntegra.
Rolling Stone Brasil: Acho que quando o The Damned veio ao Brasil pela primeira vez você não estava na banda, né?
Rat Scabies: Não, não estava. Não toco no The Damned há uns 30 anos, desde 1996, eu acho.
Rolling Stone Brasil: Então será sua primeira vez aqui?
Rat Scabies: Sim! É animador, né? O que acha que eu posso fazer por aí?
Rolling Stone Brasil: Bom, eu nunca estive em Curitiba, mas moro em São Paulo. Você pode visitar alguns museus — Pinacoteca, Masp — ou ir até a Avenida Paulista…
Rat Scabies: É melhor eu contratar um guia.
Rolling Stone Brasil: Sim, é uma boa ideia! Então, como é sua relação com o Brasil?
Rat Scabies: Acho que é muito boa. Sempre tem gente no Facebook dizendo “oi” e coisas assim. Mas, para ser sincero, não sei o que esperar. Estou ansioso para o show. Sobre o Brasil, na Inglaterra, ouvimos falar mais sobre futebol e coisas assim. Sei que o lugar não se trata disso, mas estou ansioso para viver uma cultura diferente.
Rolling Stone Brasil: E também temos uma ótima comida!
Rat Scabies: Ah, é?
Rolling Stone Brasil: Sim, pois é… E como é sua relação com The Offspring e outras bandas que tocarão com vocês na turnê Supercharged?
Rat Scabies: Na última vez que vi The Offspring, fomos muito amigáveis e nos divertimos, mas isso foi há muito tempo. Não os vejo há muitos anos, mas sempre me dei bem com Dexter e toda a galera. Então, acho que vamos aproveitar.
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Rolling Stone Brasil: E como foram esses anos longe da banda [The Damned]? Você continuou a acompanhando?
Rat Scabies: Não, na verdade, não. Sabe, por que eu faria isso? Eu não fazia parte disso. Eu não estava fazendo nada que tivesse a ver com eles. Então eu fiz muitas outras coisas. Eu procurei o Santo Graal. Fiz guitarras com caixas de charuto. Trabalhei em alguns empregos normais, fazendo mudanças, levando móveis para amigos e coisas do tipo. E, claro, também fiz bastante trabalho de estúdio com outras bandas. Não saí em turnê. Trabalhei com bandas como Professor and the Madman, que só precisavam de bateria nas faixas. Acabei fazendo uns três álbuns com eles… Depois teve The Mutants. Fiz vários discos com eles, uns quatro ou cinco, acho. Trabalhei com muita gente diferente e tive meu próprio projeto com uma banda chamada The Sinclairs. Então, artisticamente, eu estava muito feliz. À medida que fico mais velho, quero trabalhar com músicos de quem realmente gosto. Eu também tenho que gostar da música… Tipo, o dinheiro não é o suficiente, então eu preciso meio que tirar algo disso. E eu gosto de poder, quando estou fazendo o jantar, ouvir músicas e ouvir coisas das quais tenho muito orgulho, mesmo que talvez não tenham vendido tanto quanto deveriam ou eu teria gostado. Estou contente com o que fiz. Passei todos esses anos fora do The Damned basicamente tocando música, fazendo coisas, sendo útil em casa e brincando com meus netos, esse tipo de coisa, sabe?
Rolling Stone Brasil: Vivendo o sonho.
Rat Scabies: Exatamente.
Rolling Stone Brasil: Como decidiu que voltaria para o grupo e como foi retornar?
Rat Scabies: Fizemos o show de reunião com Brian James no qual tocamos os dois primeiros álbuns. Correu tudo muito bem. Ninguém tentou matar ninguém, ninguém processou ninguém, foi muito legal. Tinha me esquecido do quanto era bom, entende? E como trabalhar com eles mudou a forma como toco e como faço as coisas. Quando disseram que poderiam continuar fazendo coisas, foi muito fácil aceitar.
Rolling Stone Brasil: O que acha dos últimos discos, aqueles dos quais não participou?
Rat Scabies: Eles são ok. Não têm nada a ver comigo, não estava neles. Tinha muito interesse em ouvir o que eles fizeram, mas acho que faltou um ingrediente: eu. São ok, mas não quero dizer muito porque tenho que continuar sendo amigo deles.
Rolling Stone Brasil: A música punk surgiu nos anos 1970 ao redor de todo o mundo. O que você acha que estava acontecendo no mundo que pode explicar isso?
Rat Scabies: Me faço essa mesma pergunta com bastante frequência, porque foi, como você disse, algo que começou globalmente. Em Londres, pensávamos que era apenas em Londres, mas aí surgiu The Saints, na Austrália, e outras bandas de lugares mais distantes começaram a aparecer, e foi meio que, eu acho, uma evolução muito natural. Acho que todo mundo já estava meio que cansado da cena musical como ela era no início dos anos 70. Acho que muitas pessoas pensaram: “Queremos fazer isso de uma maneira diferente”. E foi o que fizeram. Acho que foi uma explosão muito natural. Sempre comparo com o filme Contatos Imediatos do Terceiro Grau, em que tem aquela montanha gigante para a qual todos são atraídos. Ninguém tinha ido até lá ou a visto, mas o cara está construindo uma na cozinha e alguém está desenhando uma… De uma maneira engraçada, foi um pouco como isso. Todo mundo estava meio que atraído por essa ideia de punk sem realmente saber que existia ou por que deveria ser atraído, mas foi assim. Desculpe se eu não estou fazendo sentido, mas era algo que parecia que muitas pessoas naturalmente eram, sem precisar tentar ou fazer nada. E acho que esse era o ponto disso. Você não precisava tentar muito para ser um punk. Ou você era, ou você não era.
Rolling Stone Brasil: Dito isso, os Sex Pistols são, provavelmente, uma das bandas punk mais famosas. Você acha que o The Damned foi influenciado por eles. Quero dizer, vocês coexistiram, estiveram juntos em shows… Acha que isso seria possível?
Rat Scabies: Não, porque, na verdade, Brian James já tinha escrito o primeiro álbum, e estávamos juntos nos primeiros shows dos Pistols. Acho que os Pistols eram muito engraçados. Costumávamos ir vê-los tocar. E o Brian realmente entendeu o que era o punk rock. Sua postura foi o nascimento do punk em Londres, eu acho. De novo, foi tudo muito natural. Provavelmente houve influências, mas acho que o que o punk sempre fez por mim foi mostrar que estava tudo bem ser eu mesmo. E os Pistols estavam meio que lá em cima. Acho que já tinham feito talvez dois ou três shows quando fizemos o nosso terceiro. Então não acho que eles tenham sido uma grande influência, mas eu acho que, em termos de como eles se apresentavam, a postura deles com o público e a presença do tipo “foda-se” que eles sempre tinham, eram divertidos. Obviamente, houve influências de algum tipo, tenho certeza. Mas acho que, em um sentido musical, as duas bandas estavam bem distantes. Os Pistols eram bem mais lentos e com andamento moderato. Era o conteúdo das músicas deles que os tornava punk rock, era sobre o que eles cantavam, não como cantavam, enquanto acho que The Damned era o oposto disso. Deixávamos as notas e a velocidade do que fazíamos, o som que tínhamos, falarem por nós, enquanto não éramos particularmente motivados politicamente. Havia comentários ocasionais que fazíamos em nossas músicas sobre certas coisas, mas não usávamos a banda como uma plataforma política. Não achávamos que a música servia para isso. Então, para responder à sua pergunta, os Pistols foram uma influência para o The Damned? A resposta seria não.

Rolling Stone Brasil: The Damned também é um pioneiro britânico. Vocês foram um dos primeiros a lançar um single. Como vê isso hoje em dia?
Rat Scabies: Ninguém sabia que seria o primeiro single punk. Ninguém sabia que, tantos anos depois, estaria conversando com alguém do Brasil sobre algo que não tínhamos ideia de que estávamos criando. Fomos muito sortudos por podermos ir a um pequeno estúdio tocar as músicas que estávamos ensaiando e criando. Mas não tínhamos a menor ideia de que isso reverberaria por mais que alguns meses ou semanas. Toda a cena musical era muito não-punk. O negócio era Jeff Beck, King Crimson e Eric Clapton, e todos eram muito tecnicamente proficientes. Quando fizemos “New Rose”, era dolorosamente claro que nenhuma dessas pessoas que ouvia essas bandas estaria vagamente interessada no que estávamos fazendo. Tem sido uma grande jornada, mas bem inesperada.
Rolling Stone Brasil: Bom, acho que já respondeu a essa pergunta, mas vou fazê-la. Os anos 70 também são marcados pela música progressiva, com Pink Floyd, por exemplo. Por que acha que The Damned foi para um caminho diferente?
Rat Scabies: Porque muitas dessas músicas não tinham emoção e eram apenas sobre técnica e proficiência. Havia algumas bandas, como MC5 e The Stooges, que estavam realmente comprometidas com o que estavam fazendo — não era sobre se mostrar com uma guitarra. Era o que era. Mas não era tipo: “Olhe minha técnica, a fluidez do meu solo”. Era sobre ouvir tocar músicas e tocá-las com todo o coração. Estou aqui, eles também. É o que fazemos. Você meio que tem que focar nisso e aproveitar enquanto o faz. Poder fazer isso é algo muito poderoso, subir no palco. Então, as pessoas que realmente entenderam, isso significava muito para a banda, fazia parte da coisa. Você sempre acabava com um grupo de punks que estavam na grade do show, no camarim, bebendo uma cerveja… Eles eram meio que nossa galera. Eram aqueles que apanhavam no caminho de volta para casa e passavam por dificuldades por serem diferentes.
Rolling Stone Brasil: Mas, afinal, acha que foi influenciado pela música progressiva?
Rat Scabies: De certo modo, havia uma liberdade que vinha com isso. Captain sempre foi mais fã de rock progressivo do que eu, mas eram as melhores pessoas do rock progressivo, as mais fluídas, como Lol Coxhill — saxofonista que se juntou a nós no nosso segundo álbum. Ele era uma pessoa incrível de ouvir quando tocava. Era muito especial. Mas ele foi para o punk, realmente entendeu a coisa. Trabalhamos com Robert Fripp uma vez. Ele era muito parecido. Mas não gostaria de ser um homem esquizoide do século XXI que precisa de algo estruturado dessa forma. De novo, os mais legais, os melhores músicos desse meio, de bandas de rock progressivo, estavam muito cientes sobre a importância do punk. Sabe, isso é meio o que importa. Não é apenas sobre o que você faz, mas também como faz. Então, é… Ainda odeio rock progressivo.
Rolling Stone Brasil: O que os fãs podem esperar dos shows no Brasil? O que tem a me dizer sobre a setlist? Vocês tocarão “Eloise”? É quase o meu nome.
Rat Scabies: É um grande segredo. Não divulgamos esse tipo de informação. Ainda não nos reunimos para decidir o que vamos tocar. Temos muitas músicas. Tentamos tocar aquelas que as pessoas conhecem mais. É meio difícil para mim ir ao Brasil, porque nunca estive aí. Você não conhece a plateia e não sabe o que o público conhece. Acho que vamos acabar tocando as mais fáceis de tocar.
Rolling Stone Brasil: Antes de terminarmos, o que me conta sobre o futuro da banda? Talvez um novo álbum com você…
Rat Scabies: Sabe, nós estamos improvisando, não estamos apressando as coisas. Estamos vendo como tudo vai evoluir. Se conseguirmos algumas músicas e elas serem convertidas em um álbum… Talvez aconteça, mas não há nenhum plano sólido no momento. Estamos apenas aproveitando a jornada.