A história real por trás de O Eternauta, série argentina da Netflix
O Eternauta retrata a história de Juan Salvo, um homem que enfrenta uma nevasca letal em Buenos Aires. O material reflete temores da Guerra Fria
Giulia Cardoso (@agiuliacardoso)
Com a estreia — e o sucesso — da adaptação de O Eternauta na Netflix, a história de um dos criadores do projeto original também voltou a ganhar relevância. A obra de Héctor Oesterheld, ilustrada por Francisco Solano López, é uma ficção científica com forte crítica social, que teria contribuído para o desaparecimento do autor e de suas filhas durante a última ditadura militar na Argentina.
Publicado primeiro entre 1957 e 1959, O Eternauta é uma das obras mais marcantes da história dos quadrinhos na América Latina. A HQ narra a história de Juan Salvo, um homem que, ao lado de pessoas queridas, enfrenta uma nevasca letal em Buenos Aires — evento que revela uma invasão alienígena em meio a uma catástrofe global.
Com uma ambientação pós-apocalíptica, a narrativa refletia temores da Guerra Fria, como o medo de ataques nucleares e a ameaça de destruição em massa, mas ainda sem um viés político explícito. No entanto, temas como resistência coletiva e solidariedade já apareciam de forma sutil na obra.
Em 1969, a revista Gente encomendou uma nova versão de O Eternauta, que passou a ter um tom mais abertamente político. Segundo pesquisadores como Fábio Bortolazzo Pinto, Oesterheld reformulou a história com críticas mais claras ao autoritarismo e às desigualdades sociais, em sintonia com o contexto político da Argentina no final da década de 1960 — período de crescente tensão entre movimentos populares e o poder estatal.
O desaparecimento em si
Com o golpe militar de 24 de março de 1976, iniciou-se na Argentina uma ditadura marcada por repressão política, censura e desaparecimentos forçados. Nesse período, Oesterheld e suas quatro filhas — Diana, Estela, Beatriz e Marina — militavam no grupo armado Montoneros, que fazia oposição ao regime. Em 1977, todos foram sequestrados por forças ligadas à repressão. Nenhum deles foi visto novamente, e seguem até hoje como desaparecidos. A esposa do autor, Elsa Sánchez, dedicou sua vida a buscar justiça e manter viva a memória da família.
A trajetória de Héctor é hoje reconhecida como um dos casos mais simbólicos da repressão a artistas e intelectuais durante a ditadura argentina. Na época, as histórias em quadrinhos ainda eram pouco valorizadas como expressão cultural legítima, especialmente entre as elites.
Décadas depois, O Eternauta se consolidou como um marco da ficção científica e da resistência política na América Latina. A obra foi traduzida para vários idiomas e continua sendo reeditada, estudada em universidades e adaptada em novos formatos — como na série lançada pela Netflix.
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