As rainhas do pop são os novos deuses do rock
As maiores estrelas de hoje estão criando um novo paradigma de rock em estádios lotados e turnês extensas
Rob Sheffield
Olivia Rodrigo está vivendo seu auge na era dos festivais. Ela está quebrando um novo recorde ao ser headliner de 18 festivais de música em um único ano — e está fazendo isso com um show totalmente voltado para o rock. A cantora está passando por tudo, do Lollapalooza, em Chicago, ao Bonnaroo, no Tennessee, e ao Governors Ball, em Nova York. Mas ela não está sozinha. As headliners femininas dominam os palcos dos grandes festivais de verão, seja com Gracie Abrams, no Outside Lands, ou Charli XCX no topo do line-up de Glastonbury. A consagração de Chappell Roan no Lollapalooza 2024 foi só o começo. Segundo Rolling Stone, estamos vivendo uma era na qual as rainhas do pop tomaram o lugar dos antigos deuses do rock.
Quando Lollapalooza Chicago anunciou que Olivia e Sabrina Carpenter seriam headliners em 2025 (com Tyler, the Creator e Rüfüs Du Sol), com Abrams também em uma posição de destaque, surgiu a reação previsível: muita reclamação de que o festival estaria abandonando suas “preciosas raízes do rock”. Tipo, “mano, o que essas garotas do pop tão fazendo aqui?” Mas Olivia, Sabrina, Chappell, Gracie e tantas outras estão criando um novo paradigma de rock de estádio vencedor, com guitarras e tudo, buscando o mesmo tipo de histeria coletiva que os astros do rock das antigas pareciam ter deixado para trás faz tempo.
Olivia apresentou ao mundo sua nova pegada nos shows da América do Sul nesta primavera, transformando seu show da turnê Guts em uma explosão de rock para bater cabeça. Ela foi headliner no Lollapalooza da Argentina, do Chile e do Brasil, encarando as maiores plateias de sua carreira até agora. Essa garota sempre curtiu fazer seus movimentos rock’n’roll.
Mas a Olivia do Lolla está aumentando o volume do rock e deixando o resto de lado. Ela abandona a energia de teatro musical — não está mais flutuando sobre a plateia sentada numa lua crescente. Começa o show com “Obsessed”, o que já é insano, mergulhando num grunge agressivo de dar aneurisma. Sua banda só de mulheres tem bastante espaço para brilhar. Ela faz cover de “Don’t Speak”, mas transforma suas baladas de guitarra em hinos ainda maiores para serem cantados em coro no estádio. Tudo se resume ao momento em “Bad Idea Right”, quando ela se ajoelha e engatinha pela passarela até se curvar em adoração à guitarrista no meio de um solo. Não é exatamente a primeira estrela do rock a fazer esse movimento, mas ela tira leite da pedra no drama — algo que sempre foi especialidade da Olivia — até fazer daquilo algo só dela.
Olivia sempre ostentou seu amor pelas rainhas do rock dos anos 1990, desde que fez um cover de Veruca Salt em sua primeira turnê. Essa é a garota que disse casualmente à Rolling Stone que sua mãe costumava acordá-la todos os dias com o álbum Fontanelle, do Babes in Toyland. (Nem é o álbum mais famoso da banda — é uma joia impressionante.) Mas agora ela celebra abertamente essa conexão com o legado das roqueiras dos anos 90 e o leva para o futuro.
Na turnê Guts, ela colocou Bikini Kill na trilha pré-show e levou as Breeders como banda de abertura. “Eu divido minha vida em dois períodos distintos,” ela disse à plateia. “Antes de ouvir ‘Cannonball’ e após ouvir ‘Cannonball’.” É um momento de ciclo completo — como sempre, ela é obcecada pelos detalhes e conhece a própria história de dentro para fora.
No Lollapalooza, Olivia está como headliner logo acima dos lendários Korn, o que é simplesmente perfeito. Korn estourou no fim dos anos 1990, auge da MTV Total Request Live, onde a disputa diária entre os fãs era entre Britney Spears/Backstreet Boys e Korn/Limp Bizkit. Mas agora, Korn está abrindo para uma garota que combina o melhor da Britney com o melhor do Korn — uma verdadeira “freak off the leash”.
O show apoteótico de Chappell Roan no Lollapalooza em 2024 foi uma verdadeira mudança de guarda. É surreal pensar que ela foi originalmente escalada para um palco pequeno, até precisarem mudar sua apresentação para o palco principal devido à demanda absurda. Mas o show dela cresceu tanto que acabou sendo maior do que o restante do festival somado, reunindo possivelmente a maior multidão da história do Lollapalooza — um verdadeiro Femininomenon. Poucos anos atrás, algo assim seria impensável. Mas essa é a era em que estamos agora.
É uma mudança monumental. Os anos 1990, a era musical favorita da Olivia, foram definidos por uma explosão do rock feminista, com artistas fazendo barulho desde o circuito indie até os grandes estádios e o mainstream. Mas a reação foi brutal, com as rádios cortando abruptamente a divulgação dessas artistas. Woodstock ’99 deu o tom da nova era, com sua violência misógina e o machismo do nu metal. Aquilo marcou o fim de uma era e o início de outra, com a indústria retrocedendo e voltando aos tempos em que shows e festivais só com homens eram a norma. Em 2004, havia apenas uma grande turnê de rock o ano inteiro com uma mulher na formação — o reencontro dos Pixies, com Kim Deal no baixo.
Por isso foi tão significativo ver Kim causar com as Breeders na turnê Guts da Olivia. E ainda mais marcante notar que, entre as duas bandas, havia apenas um músico homem no palco a noite toda — o baterista das Breeders. Às vezes, são essas ironias sutis que contam a história mais poderosa. Mas as garotas do pop vieram para reivindicar o legado das estrelas do rock — e mostrar para todo mundo como se faz. Viva para contar.
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