Majur celebra cultura afro-brasileira em novo álbum: ‘Oportunidade para conhecer’
À Rolling Stone Brasil, artista falou sobre Gira Mundo, álbum cantado em iorubá com releituras de cantigas dedicadas aos orixás
Rodrigo Tammaro
Em Gira Mundo, Majur mergulha profundo no reconhecimento da cultura africana no Brasil. É um resgate do passado que também olha para o futuro. Em cada faixa, a artista baiana recorre ao afropop destacado pelo uso de instrumentos orquestrais para oferecer uma nova perspectiva das cantigas que representam os orixás. Mais do que uma retomada, entretanto, o disco lançado em maio é um convite para inspirar e transformar a compreensão sobre a cultura afro-brasileira.
À Rolling Stone Brasil, Majur explica as inspirações e o processo criativo de Gira Mundo, revela as conexões que o álbum anuncia e detalha onde ela quer chegar com esse trabalho.
Um álbum que tomou forma sozinho
Gira Mundo é composto por 16 faixas, cada uma dedicada a um orixá. O disco começa com “Bará”, inspirada no mensageiro entre o mundo material e o espiritual. Passa por “Ogum”, “Oxum”, “Iemanjá”, entre outros, e termina com “Oxalá”, o pai de todos os orixás e criador do mundo. A reinterpretação trouxe novas roupagens para as cantigas tradicionais e exigiu um olhar particular para cada canção.
“Dentro do Ilê Axé a gente aprende sobre as características de cada orixá, depois qual elemento da natureza ele representa, os signos e os sons associados. Esse conhecimento foi a principal coisa que busquei para poder trazer os elementos e representar cada orixá em cada canção. Não teria como eu colocar uma música lenta para Ogum ou Odé. Fiz tudo a partir do sentimento e de como tem que ser”, explica Majur.
A produção acompanhou esse movimento. Feitas isoladamente, as músicas foram reunidas apenas na última etapa do trabalho. No final, o álbum tomou forma sozinho. Ao invés da cantora, quem sugeriu a sequência das faixas foi o pai de santo dela.
Ele me mandou o setlist. E, na verdade, a ordem é o xirê [celebração de roda que reverencia os Orixás] que acontece em todos os axés do Brasil e do mundo. Não foi uma sequência que eu criei. Quando a gente organizou as músicas na ordem do xirê, o álbum se fez sozinho. A necessidade maior era sentir e representar aquele sentimento.”
Majur descreve esse processo como algo mágico e se diz chocada não só com a forma como ele aconteceu, mas também com o resultado. “Imagina, eu passei o tempo inteiro construindo cada canção e no final simplesmente descobri como elas ficariam dispostas dentro do álbum. Foi realmente o destino. E se ficasse ruim? Não ficou, está perfeito.”
Criado sob o prisma do sentimento, o álbum revela algumas surpresas que transportam os ouvintes para o universo da artista. Com exceção de algumas breves passagens, todas as músicas são cantadas em iorubá, idioma originário da África Ocidental. A língua já fazia parte da vida de Majur, que estava acostumada a cantar essas cantigas dentro do ilê. Ela reconhece que boa parte do público não vai compreender exatamente o que é falado em cada canção, mas é justamente esse o desejo. Depois, a artista pretende lançar um vinil com traduções e explicações.
Gravado na Bahia sob direção musical de Ícaro Sá e Ícaro Santiago, Gira Mundo é o desfecho de uma trilogia para Majur. No primeiro trabalho, Ojunifé (2021), ela abre com a música “Agô” e diz, em iorubá: “Lati Kori Agbara dos Orixás”, que significa: “eu canto o poder dos Orixás”. Já no segundo, Arrisca (2023), ela traz uma mensagem de fé.
“Primeiro eu precisava muito me encontrar, e a forma que encontrei foi me reconectar com as minhas raízes. Isso não é uma orientação para todo mundo entrar no candomblé, mas foi assim que consegui me conectar comigo mesma. Então, esse primeiro álbum trazia o candomblé, mas não era um álbum sobre isso. Eu estava falando sobre como eu me sentia naquele novo corpo. Arrisca me mostra vivendo aquilo que fui buscar. E Gira Mundo eu vejo como um agradecimento de hoje poder ser uma mulher completa de mim mesma.”
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Missão para além da estética
Musicalmente, o terceiro disco se apoia no afropop. Mas Majur buscou ir além das fronteiras de gêneros e ritmos. Gira Mundo é eletrônico e futurista ao mesmo tempo que tem o refinamento de instrumentos orquestrais, como piano, baixo acústico, clarins e atabaques.
A mistura não é puramente estética e revela a missão da artista. “É uma inserção da cultura afro-brasileira dentro do mainstream. Eu queria trazer essa cultura do jeito mais popular possível. Pegar os instrumentos que as pessoas estão acostumadas a usar e transformar isso.” O mergulho tem um objetivo claro: reconectar o candomblé no país e incentivar um novo olhar para as religiões afro-brasileiras.
Quero desmitificar a demonização das culturas afro-brasileiras. Isso é surreal porque estamos em um país laico, mas aqui as religiões ulturapassam o limite e invadem os espaços do outro. Então, espero que esse álbum possa abrir o coração das pessoas para entenderem o que a gente faz dentro de um terreiro. O preconceito corrói a informação. O que era uma coisa ancestral, linda, se transforma em outra visão. E é uma falta de respeito mesmo. Se você não sabe o que o candomblé é, está aqui uma oportunidade para você conhecer”.
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Essa mensagem Majur leva para o planeta. Após o lançamento de Gira Mundo, a artista roda a Europa com uma turnê que já passou por cidades como Londres, Barcelona e Paris.
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