‘The Old Guard 2’, como seus super-heróis, parece ancestral
Imortais, Charlize Theron, franquia da Netflix, uma continuação — você já conhece o esquema
David Fear
Então, temos esses imortais, entende? Pessoas que estão por aí há milênios e conseguem se curar de qualquer ferimento, regenerar qualquer membro decepado. Cortou um dedo? Sem problema! Um grupo desses guerreiros dotados e indestrutíveis se uniu e, liderados por uma guerreira cita centenária chamada Andromache (Charlize Theron), aceitam os trabalhos mercenários mais sujos — por um preço. Também fazem parte do grupo Booker (Matthias Schoenaerts), que lutou nas Guerras Napoleônicas antes de se juntar à equipe; Nicky (Luca Marinelli, de Martin Eden), um ex-padre italiano; e Joe (Marwan Kenzari), um ex-mercador iraniano. Esses dois últimos, aliás, enfrentaram-se pela primeira vez nas Cruzadas e passaram eras tentando matar um ao outro — até que se tornaram amantes.
“Andy”, como é chamada pelos colegas, comanda o grupo com firmeza. Mesmo enfrentando problemas com a nova recruta, Nile (KiKi Layne), uma fuzileira naval americana que acabou de descobrir sua imortalidade, ou tentando proteger o segredo do grupo de Copley (Chiwetel Ejiofor), um agente enxerido da CIA, Andy está sempre atenta e garante que o trabalho seja feito. Eles se autodenominam Old Guard — entendeu o trocadilho? — e são o tipo de anti-heróis superpoderosos dignos de baladas épicas. Ou histórias em quadrinhos. Ou roteiros que exploram essas HQs como potencial para uma franquia lucrativa em serviço de streaming.
Quem não for fã de carteirinha (um Guardhead, talvez?) vai precisar de uma boa recapitulação antes de assistir The Old Guard 2, recém-lançado na Netflix. A sequência do filme de 2020 parte do princípio de que o público já conhece todo o histórico dos personagens de trás para frente. Baseado na elogiada HQ de Greg Rucka, o filme original teve muitos acertos: Theron aproveitando o embalo de seus filmes de ação pós-Atômica, a direção de Gina Prince-Blythewood (Além dos Limites) equilibrando desenvolvimento de personagem e cenas de luta coreografadas, e um romance homoafetivo que parecia de fato romântico — em um gênero normalmente alérgico até mesmo a representações LGBTQIA+ simbólicas.
Já o segundo filme tem como principais trunfos a familiaridade com o universo, uma base de fãs consolidada — continua sendo um dos títulos originais mais populares da Netflix, segundo a própria plataforma —, uma dose extra de estrelato com a presença de Uma Thurman, e o simples fato de que você não precisa fazer muito esforço além de apertar um botão no controle remoto. E só. Amparado pelo universo elaborado no primeiro filme e encerrando com um gancho claro de que os criadores estão torcendo por um terceiro, The Old Guard 2 é a continuação de uma história que exige que o espectador invista nesses personagens, conceitos e situações. É um novo capítulo da saga e, ainda assim, como seus protagonistas que praticam a arte da guerra desde os tempos de Sun Tzu, a sequência já parece antiga — e um tanto enferrujada.
Lembra de Quynh (Veronica Ngo), a antiga parceira imortal de Andy que foi trancada num sarcófago e jogada no mar, condenada a uma vida de afogamento eterno? Ela foi encontrada e resgatada pela vilã multifuncional interpretada por Uma Thurman, que atende pelo codinome de supervilã Discord. Lembra que Andy misteriosamente perdeu seus poderes de regeneração no meio do primeiro filme — o que é uma baita desvantagem quando sua função principal é ser uma guerreira de aluguel que não pode morrer? Isso ainda é um problema. Lembra quando Copley decidiu que, ao invés de desmascarar esse grupo de mercenários clandestinos, iria ajudar a manter suas identidades em segredo? O ex-agente de inteligência agora colabora com eles em missões que incluem, por exemplo, sitiar a fortaleza de um chefão do crime na Croácia. Lembra que Booker foi condenado a um exílio de um ano após atirar em Andy? Ele ainda é persona non grata — mas não por muito tempo.
Resumindo: Discord tem planos para usar Quynh e está de olho em Nile. Essa caricatura de vilão onipotente e moralmente falido é, na verdade, o imortal mais antigo de todos. “Eu estava lá, sabia?”, diz Discord, encarando algo fora da tela. “Ainda me lembro, o fedor do ódio no ar.” Corta para: uma pintura de Jesus na cruz. [Palmas lentas] Discord acredita que Nile é “a última imortal a nascer” e que ela pode ser a chave para matar todos os outros. Enquanto isso, um bibliotecário imortal chamado Tua (Henry Golding) acha que sabe por que Andy perdeu seus poderes — e tem uma teoria de como ela pode recuperá-los.
Theron ainda manda muito bem nas cenas de luta. Thurman ainda sabe manejar uma katana como uma especialista — mesmo que não tenha sido forjada por Hattori Hanzo. A dinâmica beija-beija-briga-briga de Marinelli e Kenzari continua carismática, embora um pouco subutilizada. A nova diretora, Victoria Mahoney (cuja trajetória pessoal é mil vezes mais interessante, emocionante e envolvente do que qualquer coisa que acontece aqui), introduz aqui e ali alguns toques inventivos de direção — como uma cena em que Andy caminha por um beco que muda de período histórico a cada passo. Tiros são disparados, socos são trocados, e as explosões são caprichadas. Todo mundo diz suas falas com clareza, acerta suas marcas e a câmera permanece focada.
Fica a suspeita incômoda de que, embora Mahoney, Theron, seus colegas de elenco e toda a equipe estejam se esforçando ao máximo para vender essa história de super-heróis — e, por tabela, uma franquia que a Netflix pode usar para gerar incontáveis sequências, possíveis spin-offs, etc. — da forma mais profissional possível, The Old Guard 2 não é exatamente o filme que quer que você pense que é. Ou melhor: está perigosamente perto de nem ser um filme de verdade, e sim apenas mais uma peça cara de “conteúdo” que o streaming enfia nos menus para manipular seu algoritmo. Se você não era um fã declarado da Old Guard ao dar play neste filme, dificilmente vai desligar a TV tendo virado um devoto da causa. E ainda assim, como tem todos os elementos barulhentos que associamos a blockbusters, será provavelmente promovido como um sucesso absoluto. É o truque mais antigo do livro.
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