CRÍTICA

Nova montagem de ‘tick, tick… BOOM!’ é arte feita por Artistas com ‘A’ maiúsculo

Peça de Jonathan Larson ganha nova versão após o sucesso do longa de Lin-Manuel Miranda (Hamilton), que foi indicado a duas categorias no Oscar

Henrique Nascimento (@hc_nascimento)

Nova montagem de ‘tick, tick… BOOM!’ é arte feita por Artistas com ‘A’ maiúsculo; leia a resenha
Nova montagem de ‘tick, tick… BOOM!’ é arte feita por Artistas com ‘A’ maiúsculo; leia a resenha - Divulgação/Fernando Tavares

“Celebridade é artista, artista que não faz arte”, canta Marcelo D2 em “Desabafo”, música de 2008. Quase vinte anos depois, com as redes sociais se infiltrando na arte sem cuidado, preocupação ou respeito, a máxima nunca foi tão verdadeira. Enquanto o cinema e a TV sofrem com a invasão de rostinhos bonitos, mas sem talento, e números exagerados em redes como Instagram ou TikTok, o teatro resiste como um espaço majoritariamente executado e promovido por Artistas, com “A” maiúsculo mesmo. Em cartaz no Teatro Solar de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, até o fim de agosto, tick, tick… BOOM! é um exemplo disso.

Na história, que adapta o clássico da Broadway semi-autobiográfico de Jonathan Larson, autor do sucesso musical Rent, Jon é um jovem compositor prestes a completar 30 anos, que luta para realizar seu sonho de escrever um grande musical. Enquanto trabalha como garçom e se prepara para apresentar a sua obra a uma plateia de especialistas da Broadway, ele enfrenta pressões emocionais vindas de todos os lados: da namorada Susan, que deseja uma vida fora da cidade, e do melhor amigo Michael, que opta por estabilidade em um emprego corporativo. Entre dúvidas e cobranças, Jon se vê diante de uma encruzilhada: vale a pena seguir sonhando?

 
 
 
 
 
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Trazida ao Brasil por Bruno Narchi e Thiago Machado — veteranos do teatro musical, que montaram tick, tick… BOOM! pela primeira vez em São Paulo, em 2018 —, a peça ganha uma nova versão quatro anos após o sucesso do longa dirigido por Lin-Manuel Miranda (Hamilton) e estrelado por Andrew Garfield (Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa), que ganhou o Globo de Ouro e chegou a ser indicado ao Oscar, a maior premiação do cinema.

Felizmente, tick, tick… BOOM! caiu em boas mãos: adaptada por Matheus Boa, Pedro Balu e Caio Loureiro — responsável também pela direção musical da obra —, e com direção artística de Luiza Lewicki, Julia Varga e Marcela Pires, a obra é o resultado da junção de um grupo de jovens com uma paixão avassaladora por seu ofício, que transparece em cada detalhe do espetáculo. 

É honestamente impressionante como tick, tick… BOOM! funciona tão bem, com destaque para as músicas. Não é uma tarefa fácil adaptar um musical inteiro para outro idioma, mas o trabalho de Bruno Narchi e Thiago Machado, retocado por Boa, Balu e Loureiro na nova montagem, é um dos raros casos em que as versões soam tão bem quanto as originais.

Grande parte disso, é claro, resulta do talento dos protagonistas do espetáculo. Conhecido não só do teatro, mas também da TV (com destaque para a versão brasileira de Rebelde) e do cinema (em produções como O Sequestro do Voo 375 e O Melhor Amigo), Diego Montez se despe de qualquer vaidade que poderia carregar e, apesar de ser um show à parte em tick, tick… BOOM!, especialmente ao incorporar personagens secundários, é generoso com seus colegas de cena, mesmo não sendo necessário: tanto o veterano quanto Camille Dutra e Matheus Boa são fontes absurdas de talento, que se equilibram no palco.

Camille é uma potência na pele de Susan. Assim como Michael, a personagem é um dos pontos de encontro de Jon com a realidade e enfrenta um luto antecipado pelo que, no fundo, ela já sabe que é a morte de seu relacionamento, já que está claro que o artista não está disposto a abrir mão de seus sonhos. Com delicadeza, a atriz navega por esses sentimentos, indo da raiva à negação, passando pela barganha e a depressão antes de, finalmente, aceitar que as coisas jamais poderiam ser diferentes. E quando esse momento chega, Camille brilha com uma belíssima interpretação de “Abra Seus Olhos” (“Come To Your Senses”), capaz de arrancar lágrimas até dos mais durões.

Porém, o grande destaque vai para Matheus Boa. É difícil acreditar que esse seja o seu primeiro protagonista já que, responsável por conduzir a história, o Artista realmente incorpora Jon e toda a sua bagunça sentimental às vésperas de seu aniversário de 30 anos, capturando não só a ansiedade e a angústia pela falta de realização profissional, mas também o seu lado cômico de lidar com o “fracasso” de sua vida até então, em performances como “Domingo” (“Sunday”) e “Doce” (“Sugar”), e durante a sequência em que tenta um freela na empresa de Michael. No entanto, o teste de fogo de Boa vem com “É Assim Que Eu Vou” (“Why”), um dos momentos mais dramáticos de seu personagem, em que tudo parece estar perdido para Jon, e o ator sobrevive para colher os louros de seu talento excepcional.

Nova montagem de ‘tick, tick… BOOM!’ é arte feita por Artistas com ‘A’ maiúsculo (Foto: Divulgação/Paulo Aragon)
Nova montagem de ‘tick, tick… BOOM!’ é arte feita por Artistas com ‘A’ maiúsculo (Foto: Divulgação/Paulo Aragon)

 

Frequentemente negligenciado e respirando por aparelhos, é emocionante ver como o teatro, uma das artes mais antigas da humanidade, continua se renovando e resistindo graças ao empenho de Artistas dedicados e, principalmente, apaixonados por ele, como foi Jonathan Larson, e como são os envolvidos nesta produção de tick, tick… BOOM!.

Além disso, o espetáculo também é um bonito convite para continuar sonhando, mesmo que os sonhos pareçam distantes e inalcançáveis. Apesar de ser uma experiência coletiva, tick, tick… BOOM! conversa pessoalmente com as vivências, as paixões e as frustrações de cada espectador, que pode se identificar com as ambições de Jon, a persistência de Susan e a decisão de Michael de buscar a comodidade em meio a um tsunami que transforma a sua vida. Há um pouco de cada um em tick, tick… BOOM! e vice-versa — e fica difícil não se apaixonar.

 
 
 
 
 
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SERVIÇO tick, tick… BOOM!:

  • Temporada: Até 30 de agosto
  • Local: Teatro Solar de Botafogo
  • Endereço: Rua General Polidoro, 180 Botafogo Rio de Janeiro/RJ
  • Dias e horários: Quartas (20 e 27), quintas (21, 28), sextas (15 e 29), sábado (23) sessão dupla às 16h e às 20h, sábado (30) às 20h
  • Duração: 100 min.
  • Classificação: 14 anos
  • Ingressos: De R$ 50 (meia entrada) a R$ 100 (inteira)
  • Vendas: Sympla

FICHA TÉCNICA:

  • Elenco: Diego Montez, Pedro Balu, Camille Dutra e Matheus Boa
  • Direção Artística: Luiza Lewicki, Julia Varga e Marcela Pires.
  • Direção Musical: Caio Loureiro
  • Direção de Movimento: 53 produções
  • Cenografia: Pugli
  • Ass. de Direção: João Ferreira
  • Design de Som: Guilherme Benna
  • Produção: Play It Produções
  • Produção Executiva: Flávio Boa
  • Direção de Produção: Gabriel Barbosa
  • Ass. de Produção: Layla Santos
  • Design e Identidade Visual: Beatriz Monken e Daniel Lima
  • Assessoria de imprensa: MercadoCom (Ribamar Filho e João Agner)

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Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, em São Paulo, Henrique Nascimento começou como estagiário na Veja São Paulo e passou por veículos como SBT, Exitoína, Yahoo! Brasil e UOL antes de se tornar coordenador do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo.
TAGS: Camille Dutra, Diego Montez, Jonathan Larson, Julia Varga, Luiza Lewicki, Marcela Pires, Matheus Boa, Pedro Balu, tick, tick... BOOM!