Os tribunais finalmente acertam em Drake vs. Kendrick: letras de rap não são evidências
A rejeição do processo contra a UMG na semana passada sugere que a liberdade de exagero deve ser protegida
ROLLING STONE EUA
Drake perdeu, mas a liberdade artística venceu quando um tribunal federal de Nova York rejeitou o processo do rapper contra a UMG Recordings, na semana passada. A decisão fez mais do que encerrar um dos dramas jurídicos mais divulgados do rap: ela traçou uma linha clara entre expressão artística e acusação literal — uma distinção que os artistas de hip hop vêm lutando há décadas para proteger.
O caso teve origem em “Not Like Us“, de Kendrick Lamar, uma diss track ouvida em todo o mundo, na qual Lamar chamou Drake de “pedófilo declarado”. Drake processou a Universal Music Group, alegando que a empresa promoveu e lucrou com letras difamatórias que sabia serem falsas. O tribunal discordou. Ao rejeitar o caso, a juíza Jeannette Vargas decidiu que as letras são protegidas tanto pela Primeira Emenda quanto pelo forte escudo constitucional de Nova York para a expressão criativa.
Tradução: diss tracks são performances, não confissões.
A juíza Vargas entendeu algo que muitos promotores e críticos ainda ignoram: o contexto importa. “Declarações devem primeiro ser vistas em seu contexto”, escreveu ela, o que significa que nenhum ouvinte razoável trataria uma letra de rap como o noticiário das 17h. O hip hop se baseia em exagero, metáfora e competição — a arte de dizer demais para provar um ponto. Tratar isso como verdade factual não é apenas insensível, é inconstitucional. No entanto, os promotores vêm fazendo exatamente isso há anos. Em vez de provar seu caso com evidências sólidas, eles tentam atalhos, transformam letras de rap em armas e alavancam mais de quarenta anos de tratamento hostil da mídia ao rap — e à própria tradição artística do rap — para confundir os jurados e introduzir preconceito racial.
O tribunal também rejeitou uma ideia perigosa que se tornou comum demais: a de que a indignação viral pode, de alguma forma, reescrever a realidade jurídica. Como afirmou Vargas, em um mundo onde bilhões de pessoas estão conectadas, é possível encontrar “apoio para praticamente qualquer proposta, por mais absurda que seja, em questão de segundos.” Só porque os fãs interpretam uma letra no sentido literal não significa que ela seja difamatória. A internet não decide o que é verdade — a lei decide.
Esta decisão não diz respeito apenas a Drake e Kendrick. O hip hop sempre foi a voz das ruas — crua, destemida e sem filtros. Os rappers têm usado sua música para documentar o racismo, a desigualdade e a resiliência — e para contar as histórias que os Estados Unidos não querem ouvir. Confundir essa expressão criativa com intenção criminosa é usar a cultura como arma contra as próprias pessoas que a criaram.
Felizmente, a maré está mudando. Em 2022, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, sancionou a Lei de Descriminalização da Expressão Artística, a primeira lei do país a limitar o uso de letras de rap e outras obras criativas como prova em tribunais. Essa legislação histórica enviou uma mensagem a todo o país: arte não é crime.
Agora, o Congresso precisa estender essa proteção ao nível nacional, aprovando a Lei de Restauração da Proteção Artística (do inglês Restoring Artistic Protection Act, ou RAP) de 2025. Esse projeto de lei bipartidário alteraria as regras probatórias para impedir que expressões criativas sejam usadas como evidência, exceto em circunstâncias específicas. Se os promotores quiserem usar uma expressão criativa como prova — sejam uma letra de música, um poemas, um roteiro ou um romance — eles precisarão demonstrar, de forma clara e convincente, que o artista tinha a intenção de que sua obra fosse interpretada literalmente e que ela se faz referência direta ao crime específico alegado.
Simplificando, a Lei RAP protege a metáfora de ser confundida com motivo.
Isso iria codificar o que o parecer de Vargas já afirma: o discurso artístico é essencial para o funcionamento de uma democracia, não um cúmplice do crime. Também garantiria que os artistas não precisassem depender da sorte de um juiz fluente culturalmente para proteger seus direitos. A Lei RAP criaria consistência nacional onde o preconceito atualmente reina — impedindo que promotores usem a arte para inflamar os medos dos jurados em vez de provar fatos.
O processo de Drake nunca foi sobre a veracidade da letra de Lamar. Foi sobre se a lei ainda consegue diferenciar narrativa de declaração, persona de personalidade. O tribunal respondeu que sim — decisivamente. Mas até que o Congresso consagre essa distinção na lei federal, os artistas continuarão correndo o risco de ver sua imaginação se voltar contra eles.
A decisão Graham versus UMG Recordings é mais do que uma vitória jurídica. É uma redefinição cultural — um lembrete de que a arte existe para provocar, questionar, exagerar e, até mesmo, ofender. Se permitirmos que promotores, júris ou multidões online transformem metáforas em confissões, nós estaremos silenciando as vozes que desafiam o poder com mais eficácia.
Proteger essa liberdade não é indulgência — é a base da democracia criativa. A RAP é como garantimos que a lei mantenha seu ritmo.
Sobre os redatores: Dina LaPolt é advogada, ativista e autora de ‘Sensualidade: Sucesso em um Mundo de Homens’; Willie “Prophet” Stiggers é presidente e CEO da Coalizão de Ação da Música Negra (Black Music Action Coalition); Jack Lerner é professor clínico de Direito na Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, Irvine, e coautor de Rap on Trial: A Legal Guide for Attorneys (Segunda Edição, 2024). Agradecimentos especiais a Chandler Lawn, aluno da Faculdade de Direito da Universidade do Texas.
+++LEIA MAIS: Processo de Drake contra Universal Music Group é rejeitado por instância judicial