Kele Okereke revisita ‘Silent Alarm’ e fala à RS sobre profecia, ansiedade e o futuro do Bloc Party
Vocalista da banda britânica comenta músicas que se tornaram proféticas, a energia explosiva do disco de estreia e o novo álbum que chega em 2026: ‘Demorou 20 anos para que os significados se manifestassem’
Daniela Swidrak (@newtango)
A voz de Kele Okereke carregava o cansaço típico de quem passou o dia inteiro cuidando dos filhos em plena semana de folga escolar. “Eu completamente esqueci que tinha que fazer essa entrevista”, admitiu o frontman do Bloc Party, rindo da própria distração. É a vida dupla de quem precisa equilibrar a paternidade com a estrada, a rotina doméstica com os palcos do mundo. Mas bastou começarmos a falar sobre o Brasil para que ele se animasse. Neste domingo, 2 de novembro, a banda britânica finalmente retorna ao país após 17 anos, como parte do festival do ecossistema ÍNDIGO, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, ao lado de Weezer, Mogwai, Judeline e Otoboke Beaver.
A volta ao Brasil marca também a celebração dos 20 anos de Silent Alarm, o disco de estreia que colocou o Bloc Party no mapa do indie rock mundial em 2005 e foi eleito álbum do ano pela NME. Duas décadas depois, aquela explosão de energia continua ressoando e, para Kele, revisitar essas canções tem sido uma experiência entre o nostálgico e o revelador.
“Isso me faz me sentir velho”, confessou, quando questionado sobre como se sente ao tocar o disco completo. “Eu me lembro de fazer o disco. Me lembro de estar tão inseguro sobre as coisas, mas sabendo que tínhamos esta grande tarefa pela frente. Lembro de pensar: ‘Espero que acertemos’. E nós acertamos”.
A insegurança que Okereke menciona tinha razão de ser. No início da carreira do Bloc Party, muita gente foi indiferente com a banda. Eles sabiam que precisavam fazer um disco muito forte para serem levados a sério, e fizeram. “Quando penso nisso, me lembro de uma sensação de triunfo”, disse.
Mas o tempo revelou camadas ainda mais profundas naquelas músicas escritas com tanta urgência. Segundo Kele, algumas faixas do álbum adquiriram significados que ele não percebia quando as compôs. “Há certas músicas, como ‘Like Eating Glass‘, que se tornaram muito proféticas. As coisas que eu escrevia nessas músicas se manifestaram na minha vida”, revelou. “É uma coisa muito estranha para explicar. Havia muitas coisas nesse disco que eu não sabia o que estava cantando ou de onde estava vindo. Não havia nenhum plano maestro”.
Para o vocalista, esse processo de reconhecimento demorou duas décadas. “Demorou uns 20 anos para que os significados se manifestassem para mim e para que eu pudesse ver o que estava escrevendo. É uma coisa muito mágica quando você percebe que sua música trouxe algo à vida. É difícil de explicar e faz você parecer um pouco louco”.
Silent Alarm se tornou sinônimo de intensidade. As guitarras afiadas de Russell Lissack, a batida frenética e aquela urgência contagiante definiram uma geração que continuam a ecoar na chamada “Indie Sleaze“, a nostalgia que a Geração Z cultiva pelos anos 2000. Mas será que o Bloc Party ainda busca aquela mesma intensidade ao criar músicas novas?
“Não, eu não acho que buscamos intensidade”, respondeu Okereke, ponderado. “A forma como escrevemos essas músicas e a forma como as performamos foi realmente para expelir o máximo de energia possível. Isso é fantástico para um disco de estreia. Mas, enquanto você escreve mais músicas, percebe que há outras formas de ser efetivo, ao invés de apenas adicionar emoção em tudo. Há certas nuances que você pode escrever e expressar”.
Falando sobre o fenômeno do Indie Sleaze, Okereke foi sincero: não se engaja muito com essa nostalgia. “Me traz muitas lembranças como as pessoas me enviam fotos no Instagram de 20 anos atrás, de alguma festa com Cobra Snake ou Steve Aoki“, disse. Mas, na época, não parecia que faziam parte de um movimento. “Quando surgimos, estavam tentando nos colocar como parte de uma cena post-punk, e nós achávamos ridículo, porque não estávamos realmente conectados com as outras bandas. Não se sentia como uma cena, não estávamos saindo juntos e encontrando essas outras bandas. Claro, teve algumas com quem fizemos turnê juntos, como The Rakes, mas é diferente. Sempre se sentia um pouco falso quando líamos sobre essas coisas”. Bloc Party queria se separar do rótulo. “Queríamos ser levados a sério fora desse mundo”, afirmou.
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Apesar de estar celebrando o passado nesta turnê, Kele deixa claro que o foco da banda está no futuro. Eles acabaram de gravar um novo álbum que será lançado em 2026, com os novos integrantes, Harry e Louise. “Para ser honesto, isso é o mais emocionante”, disse. “Foi divertido viajar pelo mundo fazendo esses shows, mas estou mais preocupado com o que a banda vai se tornar. Estar no estúdio e sentir que qualquer coisa é possível é uma sensação muito boa”.
Sobre o Brasil, as memórias são afetuosas. Okereke lembra de ter gostado especialmente de São Paulo. “O Rio foi ótimo, mas estávamos só na praia. São Paulo se sentia como uma cidade, como uma cidade urbana e suja. Me lembro de irmos para um clube onde bebemos e tivemos um momento muito divertido”, recordou. “Estou ansioso para andar por lá e absorver esse mundo, porque acho que os brasileiros são pessoas muito interessantes”.
Chegando no fim da entrevista, foi inevitável fazer uma pergunta polêmica: a da performance bizarra no VMB da MTV Brasil de 2005, e Kele foi categórico: “Eu não quero falar sobre isso, porque não quero ser banido de entrar no país”. Rimos juntos. O passado às vezes é melhor deixar onde está.
Mas o presente e o futuro, esses, sim, merecem atenção. “Só tenho que dizer: desculpem se demorou tanto para voltar e ver vocês, mas estamos muito animados para nos divertir e curtir juntos”, disse Okereke, antes de se despedir.
Vinte anos depois de Silent Alarm, Bloc Party retorna ao Brasil não apenas para celebrar um disco que marcou época, mas para mostrar que ainda há muito a dizer. E, talvez, criar novas profecias.

SERVIÇO
ÍNDIGO apresenta: Weezer, Bloc Party, Mogwai, Judeline, Otoboke Beaver
Quando: domingo, 02 de novembro de 2025, a partir das 13h
Onde: PARQUE IBIRAPUERA | Av. Pedro Álvares Cabral, s/n – Vila Mariana | 04094-050, São Paulo
Ingressos online: aqui
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