Exclusive Os Cabides vivem o auge de ‘Coisas Estranhas’ e sonham em levar o rock catarinense para o mundo
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, o quinteto fala sobre o vinil rosa, o rótulo ‘rock humor’, a leveza de Florianópolis e o sonho de tocar no Orlando Scarpelli
Kadu Soares (@soareskaa)
O nome pode soar irônico, mas o Exclusive Os Cabides vive um momento sério e especial. Vindo de Florianópolis, o grupo formado por João Paulo Pretto, Antônio dos Anjos, Carolina Werutsky, Eduardo Possa e Maitê Fontalva se consolida como um dos nomes mais inventivos do novo rock brasileiro, combinando humor, poesia, psicodelia e sinceridade em doses iguais.
Após o sucesso de Coisas Estranhas (2024), eleito um dos 50 melhores discos do ano pela APCA, a banda se prepara para uma nova rodada de shows e o lançamento do vinil rosa que eterniza a fase mais inspirada de sua trajetória.
O reconhecimento veio quase todo junto: figuraram na lista “O Futuro da Música Brasileira“, elaborada anualmente pela Rolling Stone Brasil, circularam por mais de 30 palcos e agora vieram para sua turnê pelo sul e sudeste. O feito, segundo João, ainda causa espanto. Em entrevista nos estúdios da Rolling Stone Brasil, o cantor afirmou: “Aparecer numa revista tão importante é um grande marco na nossa trajetória. Fiquei muito empolgado. Minha mãe comprou a revista, meu pai achou o máximo.” Carol completa, rindo: “Achei o máximo que a gente saiu na edição em que o Seu Jorge está na capa. Eu sou bastante fã dele.”
Mais do que o destaque na mídia, a banda enxerga esse momento como a confirmação de uma aposta feita com o coração. “É bom ter o nosso trabalho validado por pessoas que escutam tantas outras bandas. Quando tem esse reconhecimento, é uma prova de que fazer as coisas com verdade traz frutos”, diz Antônio. Essa verdade se manifesta também na forma como medem o sucesso: não em números de reprodução em plataformas digitais, mas nos rostos de quem vai aos shows, explicou Carol.
A diversidade do público impressiona o grupo. Entre fãs jovens e ouvintes veteranos, o diálogo é geracional. “É legal ver um pai e um filho dizendo que gostaram do show. Dá aquela sensação de: acho que estou fazendo a coisa certa”, comenta João. Essa comunhão espontânea e afetiva sustenta o espírito do Exclusive Os Cabides — um rock que ri de si, mas leva a arte a sério.
A fase ‘Coisas Estranhas’: o disco que mudou tudo
Coisas Estranhas marcou o início de uma nova etapa para o quinteto. Gravado em Florianópolis, o álbum mergulha em universos lúdicos e estranhos, entre lagartos, rinites, bruxas e siris. Desde o lançamento, a obra circula como símbolo da inventividade catarinense, misturando humor ácido e lirismo de quem canta sobre a própria juventude com uma ponta de delírio.
O público abraçou a estética inusitada com entusiasmo. “A recepção tem sido ótima. O pessoal vai aos shows, canta, dança, está sempre presente”, conta João. Para o grupo, o ao vivo é o principal termômetro de sucesso: “Nosso momento com a galera é o que importa. A gente mede as coisas pelo rosto das pessoas e pela energia que rola ali”, diz Carol. Antônio complementa: “Essas pessoas mais velhas que falam ‘foi o melhor show que eu vi’… é algo que te faz pensar que está no caminho certo.”
O disco consolidou o nome do grupo em um cenário independente em ascensão. A naturalidade das composições — que parecem nascer de improvisos e piadas internas — se traduz em um som pop, livre e sem medo de parecer estranho. “A gente busca uma sonoridade que nos agrade, que seja verdadeira. Quando isso acontece, é natural ver as coisas dando certo”, afirma João.
No palco, Coisas Estranhas virou um manifesto de liberdade. O grupo interpreta o repertório com espontaneidade.: “A gente muda as músicas toda hora, muda o arranjo para tocar ao vivo e se divertir. As músicas nunca estão prontas”, explica João. Essa fluidez virou marca registrada da banda.
O sucesso do álbum também pavimentou o caminho para o projeto seguinte: o tão sonhado vinil, símbolo físico da trajetória do grupo e da força da cena catarinense fora do eixo.
O vinil rosa de Coisas Estranhas é mais do que um item de colecionador — é a materialização de uma utopia independente. Lançado de forma 100% independente, o disco reúne o trabalho coletivo da banda, da produtora Café 8 e de familiares dos integrantes. “A vontade de fazer o vinil sempre esteve aí. A gente gosta de ouvir discos de vinil juntos, temos nossas pequenas coleções. Foi um momento em que conseguimos juntar grana vendendo camiseta e fazendo shows”, conta João.
Para eles, a conquista é resultado de persistência e cooperação. “É fruto de um longo processo de esforço coletivo. Cada um deu um pouquinho, passamos um tempão viajando e tocando. É o resultado de muito trabalho”, explica Antônio. E Carol complementa: “É uma consolidação de um trabalho em conjunto. A irmã do João fez o design da capa e do encarte. Tudo foi feito em família e com muito carinho.”
O disco, mixado com foco no formato analógico, traz a assinatura do produtor Paulo Costa Franco, que produziu o álbum pensando já no vinil. O resultado é um produto artesanal, pensado nos mínimos detalhes, que carrega o espírito de uma banda que não espera grandes gravadoras para existir.
Além disso, o disco físico é eterno. “O vinil vai estar aí, mesmo que o mundo acabe”, brinca João. “Meu pai é colecionador e sempre sonhei em ter o meu disco. É algo que vai estar no mundo para sempre, em lojas obscuras, em cidades estranhas.”
“Rock humor”? Não é bem assim
Desde o início, o Exclusive Os Cabides tem sido descrito como “rock humor” — um rótulo que os diverte e incomoda em igual medida. “Acho que a gente é só meio engraçadinho”, diz João, rindo. “O pessoal botou a gente nessa caixinha ‘rock humor’, mas pode ser o que quiser. Quando perguntam para mim, eu falo que a gente é pop rock brasileiro psicodélico”.
Para Antônio, o humor nasce de um processo genuíno: “Quando eu escrevo, geralmente estou me divertindo. A gente faz piadinha ou outra, mas não para arrancar risada, e sim para se divertir enquanto compõe.” O resultado é um som leve, divertido e reflexivo, que foge do lugar-comum sem perder a identidade.
“Eu gosto da palavra sincero para definir o nosso som. É uma parada feita com honestidade e verdade. A galera está cansada de rock triste”, afirma Dudes. Essa leveza, porém, não é sinônimo de superficialidade, mas vem da relação que o grupo tem com o cotidiano, a amizade e o humor como forma de resistência.
“Morar em Florianópolis ajuda”, diz Antônio. “Gravar num estúdio do lado da praia faz bem para o som. Talvez as pessoas achem que isso é humor, mas é só lidar com a vida com leveza. Tem uma boa dose de absurdo em tudo que a gente vive”.
A naturalidade dessa atitude reflete o espírito da banda: rir não é desdém — é sobrevivência. Entre ironia e afeto, o Exclusive Os Cabides encontra no humor um caminho para falar de tudo sem precisar parecer sério demais.
A estética e o processo criativo
As letras e visuais de Coisas Estranhas nasceram de forma orgânica, quase inconsciente. A capa do álbum, por exemplo, surgiu de uma fotografia pessoal. “A foto é da minha namorada quando era criança, do lado de um bicho-papão”, explica João. “As letras e tudo o que a banda faz já existem dentro da gente. Quando eu desenho, sai Exclusive Os Cabides. Quando faço música, também”.
O humor, para o Exclusive Os Cabides, nunca foi um artifício — é parte natural do processo. Nas letras, nas conversas e até nas pausas entre as músicas, o riso surge como uma forma de criação e não de distração. As canções nascem, muitas vezes, em meio a piadas internas e comentários cotidianos, transformados em melodias que soam sinceras e espontâneas. Essa leveza, no entanto, não se confunde com falta de compromisso: ela reflete um modo de ver o mundo, em que a ironia serve para revelar, e não para esconder, sentimentos verdadeiros.
O grupo entende essa “brincadeira séria”, como a essência do que fazem. A sinceridade aparece como a palavra-chave que define o som dos Cabides — um rock que se recusa a vestir a melancolia tradicional do gênero, preferindo o frescor das conversas entre amigos. No lugar da pretensão, há honestidade. No lugar da dor, humor. É uma busca por algo que soe leve sem ser superficial, pop sem ser vazio.
Parte desse espírito vem de Florianópolis, cidade natal da banda que molda o jeito deles pensarem e tocarem. O clima praiano, os estúdios próximos ao mar e a convivência entre amigos parecem impregnar o som com uma calma que se traduz nas músicas. O resultado é um tipo de rock ensolarado e despretensioso, que encara o absurdo cotidiano com um sorriso.
Quando o assunto é referência, o grupo mergulha em todos os tempos. João cita Lô Borges como sua maior influência. Dudes menciona Ramones, Lemon Twigs e Alex G como pilares do som que o inspira. Já Carol traz o lado independente e emotivo dos anos 2000: “Tenho ouvido muito Strokes, Paramore, Weezer.
Antônio destaca o Boogarins como a principal inspiração nacional e Maitê, por sua vez, cita Courtney Barnett, Adrianne Lenker e o Clube da Esquina como bússolas sonoras.
Entre tropicália, independente e MPB, o som do Exclusive Os Cabides emerge como algo impossível de rotular — uma colagem afetiva feita de sinceridade, humor e o sotaque leve de Florianópolis. “A gente nunca faz um arranjo para parecer com outra coisa. É sempre espontâneo”, conclui Maitê.
De Floripa para o mundo: a estrada e o que vem depois
Após um ano intenso de turnê e reconhecimento, o Exclusive Os Cabides volta à estrada com mais fôlego do que nunca. A banda inicia uma nova etapa da turnê Coisas Estranhas, agora percorrendo São Paulo, Rio de Janeiro, Sorocaba, Florianópolis e outras cidades, celebrando o sucesso do álbum e o lançamento do vinil rosa, que marca fisicamente essa fase vibrante. O disco teve metade dos exemplares esgotados na pré-venda e se tornou um símbolo da trajetória do grupo.
Nos bastidores, cada integrante guarda um sonho particular que traduz a essência leve e ambiciosa do quinteto. João imagina um show no estádio Orlando Scarpelli, em Florianópolis, a casa do Figueirense; Carol sonha com palcos de festivais mundo afora, de Glastonbury à cena alternativa brasileira; e Antônio resume o sentimento coletivo: continuar tocando, viajando e mantendo a amizade que sustenta a banda. A ideia de “viver da música” é menos sobre fama e mais sobre permanência — que a música sobreviva neles, mesmo quando o resto mudar.
Quanto ao futuro, o grupo não tem pressa. Entre brincadeiras e improvisos, eles falam sobre o próximo álbum sem qualquer preocupação com rótulos ou direções sonoras. O plano, por ora, é curtir a onda de Coisas Estranhas e deixar as novas músicas nascerem do mesmo jeito que sempre vieram: naturalmente, no ritmo da convivência. “Pode vir um disco de rock triste, pode ser instrumental, pode ser qualquer coisa”, ri João durante a entrevista. O importante, dizem, é manter viva a leveza que fez dos Exclusive Os Cabides uma das bandas mais originais — e queridas — do novo rock brasileiro.
Entre o vinil, os palcos e o carinho crescente dos fãs, o quinteto sabe que está construindo algo maior do que apenas uma fase. “A gente quer que o Exclusive Os Cabides continue existindo como uma ideia — de amizade, de leveza, de liberdade. Se der para levar isso para mais lugares, melhor ainda”.