O que o Unabomber acharia de Luigi Mangione?
Em seu novo livro, Luigi: The Making and the Meaning, John H. Richardson compartilha sua correspondência com o falecido terrorista doméstico Ted Kaczynski
ROLLING STONE EUA
Quando o jornalista John H. Richardson soube do assassinato do CEO da United Healthcare, Brian Thompson, ele diz que sua mente foi direto para o Unabomber, Ted Kaczynski. E, ao descobrir que Luigi Mangione, o principal suspeito, teria lido o manifesto de Kaczynski, ele foi imediatamente transportado de volta às reportagens que havia feito sobre os seguidores atuais do terrorista.
O prodígio da matemática e terrorista doméstico ficou famoso por publicar um manifesto criticando a dependência da sociedade em relação à tecnologia e prevendo o quanto isso ainda pioraria. Publicado em 1995, Kaczynski escreve sobre os problemas em que a sociedade se meteria se cientistas da computação conseguissem desenvolver máquinas inteligentes capazes de fazer as coisas melhor do que os seres humanos. Richardson escreveu sobre os seguidores millennials e da Geração Z de Kaczynski em um artigo para a New York Magazine em 2018 e, antes de Kaczynski morrer, em junho de 2023, chegou a trocar várias cartas com o Unabomber.
Em seu novo livro, Luigi: The Making and the Meaning, Richardson apresenta trechos dessas cartas. O autor explora por que acredita que “o mundo estava preparado para o momento Luigi Mangione”, conectando suas reportagens sobre a nova geração de seguidores de Kaczynski com a reação cultural ao tiroteio na United Healthcare. (Mangione se declarou inocente de todas as acusações estaduais e federais relacionadas ao assassinato. Um tribunal de Nova York recentemente rejeitou as acusações de terrorismo do estado contra ele, classificando as provas como “juridicamente insuficientes.”)
Richardson diz que, se Kaczynski ainda estivesse vivo, teria lhe escrito outra carta, dizendo: “Você viu as notícias sobre o Luigi? O que acha? Ele é o que você estava esperando?”
Ao compartilhar partes de sua correspondência com Kaczynski, Richardson oferece um vislumbre do que o terrorista que odiava a tecnologia pensava sobre a política moderna — incluindo o primeiro mandato de Donald Trump.
“Há algum tempo, minha opinião tem oscilado sobre se são os esquerdistas ou os trumpistas que representam o maior perigo no mundo atual”, escreveu Kaczynski em uma carta de 2020 que Richardson compartilhou com a Rolling Stone. “No momento, me parece que são os trumpistas os mais perigosos.”
No livro, Richardson detalha o que Kaczynski disse especificamente sobre o ex-presidente: “Há bastante tempo concluí que o próprio Trump era incompetente demais e tinha autocontrole insuficiente para ser realmente perigoso”, escreveu. “Mas começo a suspeitar que algumas das pessoas ao redor de Trump, que se aproveitam dele, são muito mais capazes do que ele mesmo.”
Richardson observa, com ironia, que Kaczynski demonstrou repulsa pelo “mentalidade criminosa” das pessoas de Trump — sem reconhecer a ironia disso, considerando seus próprios crimes: “Tal era o poder de Trump — ele conseguiu fazer até o Unabomber defender a moralidade e a moderação.”
Em Luigi, Richardson aborda as ironias e contradições morais que Kaczynski e seus seguidores compartilham. Ele também contrasta os crimes do Unabomber com as supostas ações de Mangione.
“Ted nunca conseguiu se livrar da imagem de eremita louco, e sua longa e secreta campanha de atentados foi aleatória e cruel demais para reunir seguidores em torno de sua causa”, escreve. “Luigi parece um príncipe da Disney e arriscou tudo (assumindo novamente que os relatos da polícia sejam precisos) em um momento de glória, oferecendo-se ao castigo.”
Richardson conversou com a Rolling Stone sobre sua experiência pesquisando o livro, o crescente interesse da sociedade por Kaczynski e por que acredita que o país vive um momento crucial no que diz respeito à violência política.
O que o levou ao tema dos seguidores de Ted Kaczynski e da alienação?
A primeira pessoa que conheci falando sobre Ted foi um garoto de 19 anos, em 2004. Eu estava cobrindo um protesto contra a caça ao leão, no Arizona, e esse garoto era um dos manifestantes. Achei que ele estava falando sobre algum parente ou amigo — “Ted pensa isso”, “Ted pensa aquilo”. E então percebi que ele estava falando de Ted Kaczynski. Fiquei tipo: “Espera, esse cara matou pessoas.” E o menino era cheio de energia, simpático, alegre, prestativo — um ótimo garoto. Achei aquilo estranho. Depois não pensei mais no assunto por anos, continuei fazendo minhas reportagens até que encontrei um ensaio acadêmico e bem articulado sobre Kaczynski, escrito por um estudante do segundo ano da Universidade de Asheville, na Carolina do Norte. Percebi que não era só uma pessoa [seguindo Kaczynski]; era alguém debatendo o assunto em um fórum de pessoas bem-educadas, reflexivas, comprometidas em lutar por um mundo melhor. Foi bem chocante. Isso me levou a começar a procurar essas pessoas. Percebi que havia muitas delas por aí, e que, nos 20 anos desde que Kaczynski foi preso, seu discurso havia começado a ressoar com um novo público.Você vê isso também na direita. Eles falam sobre o colapso da sociedade, sobre serem engrenagens do sistema. Todo mundo sente isso. O sistema interconectado está cada vez mais complexo e frágil. O setor de saúde é um ótimo exemplo de algo que parece ter chegado a um ponto em que tudo está travado — não há progresso, e os custos só aumentam. A sensação é de estagnação total.
Então, você já estava trabalhando neste livro quando soube do crime envolvendo a United Healthcare?
Não. Eu tinha escrito um artigo para a New York Magazine chamado “Children of Ted”, em 2018, e depois disso não pensei muito mais no assunto até o tiroteio. Quando vi que Luigi havia lido Kaczynski e dado quatro de cinco estrelas ao manifesto [no Goodreads], pensei: “Uau, isso se conecta de forma bem intensa com o que eu vinha estudando.”
Você aborda isso no livro, mas o que há na sociedade de 2025 que ainda atrai pessoas para Kaczynski?
Agora estamos em período de inscrição aberta [de planos de saúde], e as pessoas estão surtando porque seus custos estão triplicando. E isso nem é algo que interessaria a Kaczynski — ele nunca quis melhorar o sistema de saúde, queria derrubar a sociedade. Luigi, aliás, criticava muito Kaczynski e é importante dizer que o considerava um terrorista. Mas há 20 ou 30 anos, quando Kaczynski escrevia, tudo isso parecia verdade, só que distante.
Hoje as pessoas estão enfrentando o triplo no custo dos seguros, ou perdendo o plano de saúde — e estão sentindo o impacto do mesmo jeito que a classe trabalhadora sentiu o peso da globalização. A urgência e o desespero se tornaram universais. Eu, pessoalmente, interpreto o trumpismo como uma bola de demolição — Trump está fazendo um trabalho até mais eficaz de destruir o sistema industrial do que Kaczynski fez.
Sinto que estamos chegando a um “momento Kaczynski”, quando as pessoas dizem: “Meu Deus, ele estava certo.” É chocante sentir que concordo com [um assassino]. “Ele pode ter matado pessoas, mas tinha alguns bons argumentos.” [O que ele escreveu sobre a tecnologia dominar tudo] hoje parece mais fisicamente real, menos uma ideia abstrata. E imagino que, para os jovens, isso seja ainda mais intenso.
No livro, você fala sobre como a sociedade reagiu ao tiroteio da UHC e cunhou o termo crime-scrolling. Você cita um vídeo no TikTok em que uma jovem diz que é ridículo esperar empatia por um CEO morto de forma violenta quando sua geração passou a vida treinando em simulações de tiroteios nas escolas. “Bem-vindo a uma terça-feira normal em uma escola americana”, ela diz, lembrando que legisladores já sugeriram mochilas à prova de balas como solução.
Exatamente aí está o ponto que me faz pensar: eu talvez não sinta o que [os jovens] sentem, mas consigo refletir sobre isso. Estive ontem em um protesto contra o ICE [agência de imigração dos EUA], e era só gente mais velha como eu — com exceção de dois adolescentes no fundo. Pessoas religiosas falavam sobre “amar o próximo”, compaixão e empatia. Mas, se eles estavam lá pelo mesmo motivo que eu — por terem visto os vídeos do ICE —, compaixão e empatia não eram o que eles queriam ouvir. Fiquei me perguntando como aquilo soava para eles, ouvir todos aqueles velhos falando sobre Jesus e empatia nesse momento.
No livro, você explora como algumas pessoas seguem Kaczynski como uma forma de agir diante da sensação de desesperança. E você sugere que é por isso que vemos um aumento na violência política — porque a sociedade está em um desespero mais profundo.
Se [o tiroteio da UHC] fosse um caso isolado, poderíamos psicologizar [o suspeito], mas é um fenômeno social. Há racistas fazendo isso, pessoas preocupadas com controle de natalidade fazendo isso. O monopólio do Estado sobre a violência já não é monopólio. As pessoas pensam: “Tenho que fazer alguma coisa.” E, quando essa porta do “alguém precisa fazer algo” se abre, todo tipo de pessoa passa por ela.
Voltando a Kaczynski — você trocou muitas cartas com ele enquanto ele estava na prisão. Algo nele te surpreendeu?
Fiquei muito surpreso ao perceber que, quando ele não estava tentando destruir a civilização ocidental, era um cara relativamente liberal. Ele atacava muito os esquerdistas, e eu o questionei sobre isso. Em certo momento, ele disse que teria votado em Hillary [Clinton] e que os trumpistas eram criminosos capazes de causar danos reais aos Estados Unidos. Ele operava em dois níveis: em um, queria destruir a civilização; em outro, preferia um sistema de saúde decente e uma sociedade civilizada.
Você quer dizer que ele queria destruir a civilização de um jeito muito específico?
Exatamente. Ele queria que fosse uma revolução racional, lógica, matematicamente correta. Ted era um homem extremamente racional, mas não conseguia pensar fora da lógica e perceber que outras pessoas não funcionavam assim. Acho que, se a revolução fosse irracional e destruísse a civilização industrial, ele ainda seria contra — porque não teria sido feita da maneira “correta”.
Seu livro foca em como sentimentos de alienação e desconexão podem levar à violência. Você acha que é isso que está acontecendo agora?
Precisamos ouvir uns aos outros com mais atenção — e acho que nós, liberais mais velhos, poderíamos ouvir um pouco mais. Nunca antes senti tanto que a sociedade é a verdadeira autora desses atos, e que [os assassinos] apenas assumiram esse papel. É como o roubo ser um crime político em um país capitalista. Nem sempre é verdade, mas há uma certa verdade nisso.
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