Como ‘Stranger Things’ levou Kate Bush ‘de volta para o futuro’ em 2022
Aparição de “Running Up That Hill” na quarta temporada da série colocou a cantora britânica no topo do pop mundial 40 anos após o seu lançamento
Eduardo do Valle (@duduvalle)
Foi em uma virada digna de Mundo Invertido que uma faixa de 1985 voltou ao topo das paradas mundiais quase 40 anos depois. “Running Up That Hill”, de Kate Bush, teve um salto nos charts após a estreia da quarta temporada de Stranger Things, em maio de 2022, chegando ao #1 no ranking global do iTunes e ultrapassando um bilhão de streams no Spotify pouco mais de um ano depois.
Tema da personagem Max (Sadie Sink), a música desempenha um papel importante e crescente ao longo da temporada — bem como a história da própria faixa, que alcançou apenas a 30ª posição na Billboard quando de seu lançamento. Foram quase 37 anos até que fosse içada a posições de maior destaque, muito devido à série, mas não apenas.
Para muito além da série, “Running Up That Hill” é a faixa de abertura de um dos principais registros de Kate Bush, o álbum Hounds Of Love. Quinto trabalho de estúdio da artista, ganhou luz em setembro de 1985, após dois anos de composição experimental em um estúdio próprio montado num galpão atrás da casa da família de Bush.
Musicalmente, o disco representa a consolidação do uso de equipamentos eletrônicos e sintetizadores no próprio processo de composição de suas músicas pop. Em entrevista à revista Option em 1990, Bush explicou que, para ela, instrumentos como o Fairlight CMI — o primeiro sampler da história — fariam diferença em suas letras, como usar piano ou violão para compor.
“Ela não tem o respeito que merece como uma inovadora na música eletrônica, alguém que ajudou a explorar a tecnologia de samplers e o uso de baterias eletrônicas e de sintetizadores”, escreveu o jornalista e autor Ben Cardew em artigo para a DJ Mag em 2021.
Hounds Of Love também marcaria duas conquistas paralelas para Bush: um maior retorno comercial para a cantora, após o sucesso moderado do disco anterior, The Daydreaming (1982); e sua entrada no mercado americano com uma trilogia de clipes, em uma era em que o sucesso passava quase invariavelmente pelas telas da MTV. Ao lado de ”The Hounds of Love” e ”The Big Sky”, “Running Up That Hill” consolidaria a carreira da britânica Bush para além do Reino Unido.
Inicialmente chamada “Running Up That Hill (A Deal with God)”, a música teve seu nome encurtado no ano seguinte, quando entrou na compilação The Whole Story. Do nome original, entretanto, assume-se a melhor parte da poética de Bush para a letra, que une sensualidade, romance e uma dose de misticismo ao retratar um acordo com Deus para trocar de lugar com outra pessoa.
É nesse câmbio de experiências, somado ao ambiente idílico proposto pelo uso potente de samplers e baterias eletrônicas, sem deixar de lado o visual dramático, e inspirado, nesta fase, por O Morro dos Ventos Uivantes, que fez da música um dos sucessos destacados da carreira de Kate Bush.
Versões, TV e Geração Z: a vida longa de Kate Bush
Ao longo dos anos, “Running Up That Hill” ganhou uma sobrevida do mínimo interessante, com inúmeras versões e releituras pop. O duo Faith and the Muse lançaria a sua em um álbum especial de demos e versões, em 2001. Em 2003, o Placebo incluiria a faixa no disco Covers. Em 2007, seria a vez do grupo Chromatics lançar sua versão.
A chegada da década de 2020, porém, trouxe consigo a redescoberta de Kate por uma audiência improvável, a geração Z. Parte do revival chega pelas graças do TikTok, onde o hit “Babooshka” de 1980 viralizou no início de 2021 (mesma época em que “Dreams”, do The Fleetwood Mac, ganhou notoriedade pelo mesmo motivo).
Outro fator envolveria um séquito de famosos que têm em Bush um ídolo: Charli XCX já a citou como referência e Rosalía mencionou Kate Bush em seu discurso de agradecimento quando levou o Grammy Latino em 2019. Na TV, The Handmaid’s Tale já incluíra outras músicas de Bush em sua trilha. E novamente viriam outras versões de “Running Up That Hill” — a mais notável no lo-fi de Car Seat Headrest.
Mas foi com a redescoberta através de Stranger Things que a música ganhou novo momento de atenção. No Spotify, ela virou o maior destaque da semana de estreia da série. Nos meses seguintes, a popularidade se estenderia: segundo estimativas da CBS, a adição de “Running Up That Hill” à trilha de Stranger Things teria gerado cerca de US$ 2,3 milhões em receitas de streaming — e a maior parte do valor, segundo o Music Business Worldwide, teria ido diretamente para a própria cantora, que possui os direitos autorais das gravações.
Liam Hess, editor convidado da edição americana da Vogue, descreveu o revival como “excitante”. Ao USA Today, Winona Ryder, que é parte do elenco, disse que é “obcecada” desde garota pela cantora, uma “heroína” para ela, e que ela vinha dando dicas de que Bush apareceria eventualmente em Stranger Things.
Até mesmo Cher, que detinha o título de a mulher mais velha a atingir o topo das paradas de sucesso do Reino Unido, mandou mensagens à colega, dizendo que “recordes são feitos para serem quebrados!” Um kick-off para uma nova vida de uma canção que fora das telas, para além do Mundo Invertido, fez e faz de Kate Bush uma heroína nas graças de diversas gerações.
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