“Conversaremos em breve”, prometeu Rob Reiner ao final de uma entrevista remota de uma hora para um podcast em maio. “Espero que possamos nos ver pessoalmente.” Reiner e eu nunca tínhamos conversado antes daquele dia, mas parecia que eu o conhecia a vida toda — como qualquer fã de cultura pop da minha geração, eu essencialmente o conhecia. Nossa conversa deveria ser sobre Spinal Tap II: The End Continues, mas acabou abrangendo toda a sua vida e carreira. Após a morte trágica e repentina de Reiner esta semana, aqui estão alguns destaques daquela entrevista. (Para ouvir a conversa completa, ouça no Apple Podcasts ou Spotify, ou simplesmente clique em reproduzir abaixo.)
O que você acha da ameaça de Trump a Bruce Springsteen depois que Bruce o chamou de “corrupto, incompetente e traidor”? Primeiramente, Bruce Springsteen está cem por cento certo. É preciso ser um idiota para não acreditar em tudo o que Bruce Springsteen disse. E não há nada que Donald Trump possa fazer contra ele, a menos que consiga transformar este país em uma autocracia completa — o que ele está tentando fazer. E como ele é tão burro e tão incompetente, ele vai fracassar, assim como fracassou em tudo o que já fez na vida.
Eu já disse isso um milhão de vezes. Ele fracassou em tudo. Faliu seis vezes. A única coisa em que ele não fracassou foi em convencer as pessoas de que não é um fracasso. E nisso ele se saiu muito bem. Ele entende de show business, entende de mídia. Sabe como disseminar desinformação. Foi inteligente o suficiente para criar a Truth Social. Sabe como monetizar as coisas. Sabe fazer tudo isso, mas saber como pegar uma democracia de 250 anos e transformá-la em uma autocracia? Ele vai fracassar. Mas nós vamos ter que lutar. Vamos ter que lutar com todas as nossas forças para preservar isso, porque eu juro que meu tio, que participou do Dia D e lutou em 11 grandes batalhas, e a mãe da minha esposa, que esteve em Auschwitz e perdeu toda a família lá, vão… Milhões de pessoas morreram para que o fascismo não chegasse às nossas costas, para que preservássemos nossa democracia. Oitenta anos depois, nos deparamos com uma possível tomada de poder fascista. As pessoas vão lutar muito para garantir que isso não aconteça.
Precisamos manter Trump sob pressão. Mas, para os países que se tornaram autocracias, na maioria dos casos, leva anos para começar a mudar a constituição, para começar a mudar o eleitorado, para que a desinformação se espalhe. É um pouco mais fácil agora com as redes sociais, mas ele está tentando fazer isso da noite para o dia, e eu não acho que eles vão conseguir.
Muitos de nós assistimos Isto É Spinal Tap (1984) dezenas de vezes. É um dos filmes que vi mais vezes na vida. É esse tipo de filme. Muita gente diz isso. Anos atrás, quando conheci Sting, ele me contou que assistia ao filme o tempo todo no ônibus da turnê, e muitas bandas fazem isso. Ele disse: “Já vi várias vezes. Cada vez que assisto, não sei se rio ou choro”. Achei que era uma descrição perfeita para quem vive nesse mundo.
Com qual frequência você retornava ao filme? Olha, passei todo o meu tempo trabalhando nisso, nove meses editando, e fizemos DVDs, comentários e tudo mais. Eu assisti bastante, mas não assistia há muitos anos. Assistimos recentemente, só para relembrar algumas coisas que aconteceram, mas acho que não o via há décadas, desde que começamos a trabalhar nele.
Mas para mim, cada filme que fiz é como um filme caseiro, porque quando estou assistindo, penso: “Ah, lembro que naquele dia isso ou aquilo aconteceu”. Você não se envolve com o filme da mesma forma. Embora eu deva dizer que recentemente exibiram dois dos meus filmes no
Turner Classic Movies Festival,
Louca Obsessão (1990) e
Meu Querido Presidente (1995). E
Louca Obsessão— eu assisti, fazia tempo que não o via. Pensei: “Este é um filme muito bom”. Tem personagens reais, tem um enredo, tem ótimos diálogos, é como uma refeição completa. E agora, não sei, muita gente está fazendo filmes de estilos diferentes.
Esse é realmente um baita filme.
A quebra do tornozelo é brutal.
Mas no livro é pior!
No livro ela corta o pé dele fora.
Essa foi uma mudança inteligente. As pessoas teriam começado a ir embora do teatro.
É interessante, porque eu não mudei por esse motivo. Eu mudei porque queria que ele saísse da experiência sem ficar diminuído. Não realmente diminuído. A ideia toda era que ele estava lutando contra sua base de fãs para fazer algo diferente, para se libertar disso. Sim, ele ia passar por esse momento horrível com Annie Wilkes, mas eu queria que ele saísse inteiro. E foi por isso que fiz a mudança. Não porque “nossa, ficou mais grotesco” ou “ficou menos grotesco”.
Que tal essa transição: Assim como o personagem de James Caan, você estava tentando mudar a percepção das pessoas sobre o que você era capaz de fazer e se aventurando em novas áreas. E Spinal Tap foi seu primeiro filme como diretor. Você se viu nessa situação interessante de ser famoso o suficiente como ator para conseguir reuniões, mas ter dificuldade em convencer as pessoas de que aquilo era a coisa certa a fazer. Naquela época, não havia intercâmbio entre cinema e televisão. Se você tivesse se destacado na televisão, era lá que eles queriam que você ficasse. Não existiam atores que migrassem para o cinema se tivessem experiência na televisão. Com os diretores, era a mesma coisa.
A situação mudou completamente na minha época, quando eu,
Ron Howard,
Barry Levinson,
Penny Marshall,
Jim Brooks e
Danny DeVito estávamos no elenco, todos vindos da televisão e dando esse salto. Depois disso, com o sucesso de alguns desses filmes, tudo ficou bem. Mas na época em que eu estava fazendo
Spinal Tap, era tipo: “O que ele fez? Ele não dirige. Ele não é diretor.”
Você era realmente uma criatura do rock and roll antes desse filme. Você estava profundamente inserido na cena de Laurel Canyon dos anos sessenta. Eu estava bem no meio de tudo isso. Sou da primeira geração que cresceu ouvindo rock and roll. Então, nos anos 60, se você morava em Los Angeles e fazia parte da cena artística, você estava em Laurel Canyon. Morei em Laurel Canyon por alguns anos. E quando comecei a me apresentar com o Committee, que era um grupo de improvisação de São Francisco com uma trupe em Los Angeles, havia uma grande interseção entre o mundo do rock and roll e o nosso mundo.
Janis Joplin costumava subir ao palco conosco para improvisar. Íamos ao Barney’s Beanery e lá estava
Bobby Neuwirth, que trabalhou com
Dylan, e depois os
Mamas and the Papas também apareciam.
Cass Elliot vinha à nossa casa. E, aliás, a irmã de
Cass,
Leah, era casada com
Russ Kunkel —
Russ foi nosso primeiro baterista na primeira formação do
Spinal Tap.
E aí eu também fui para a faculdade com o
Jim Morrison e o
Ray Manzarek, do
The Doors, e eles estavam um pouco à minha frente na faculdade de cinema, mas eu ia vê-los no Kaleidoscope. Ficava lá na
Sunset Strip. Eu assisti ao show e aí o
Jim Morrison saiu do palco no meio da apresentação. Depois eu fui aos bastidores e perguntei: “
Ray, qual é a história com o
Jim?” E ele respondeu: “A gente termina o show sem o
Jim muitas vezes ultimamente.” O
Jim sempre acabava sumindo do palco.
E aí, certa vez, eu estava numa festa quando
Joplin e
Morrison brigaram, e ela pegou uma garrafa de Jim Beam, deu uma pancada na cabeça dele, e ele desmaiou na mesa de bilhar. Eu vivia nesse mundo, simplesmente convivia com todas aquelas pessoas.
Steve Miller, da
Steve Miller Blues Band, costumava aparecer direto no Committee. Então, sim, havia uma mistura realmente incrível entre improvisadores e rock and roll.
Quão boa era Janis Joplin na improvisação?
Ela não era lá essas coisas. [
Ri.] Ela não era muito boa, mas era divertida. Ela se divertiu lá em cima e nós nos divertimos com ela. Ela foi com um cara que era um bom amigo meu em São Francisco. Meu amigo
Carl Gottlieb, que também é do Committee, dividia um apartamento bem em frente à Ghirardelli Square em São Francisco. E esse cara,
Milan Melvin, que era nosso amigo, foi com a
Janis.
Eu coloco isso no topo dos meus créditos, quando olho o meu currículo: ouvi ela e o Milan fazendo amor. Para mim, isso está entre as minhas maiores conquistas. E eu estava em Haight-Ashbury no Verão do Amor, em 1967, e tudo mais.
Estou pensando na sua experiência com documentários de rock and roll antes de Spinal Tap. Don’t Look Back (1967) deve ter sido um dos primeiros documentários sérios que você assistiu.
E Marty Scorsese — ele não gostou no início. Quando viu pela primeira vez, disse: “Ah, você está zombando de mim”. Mas agora ele passou a adorar.
Há um certo humor involuntário em O Último Concerto de Rock devido à seriedade de Scorsese em contraste com as coisas às vezes ridículas que esses caras diziam.
Para ser justo com o
Marty, olha, eu também adoro
The Band. Sou um grande fã deles e tive a oportunidade de conhecer um pouco o
Robbie Robertson, o que foi legal. Mas o
Marty amava
The Band e levava isso muito a sério. Ele realmente os amava e não havia nenhuma brincadeira nisso. Ele não estava tentando se divertir.
Mas nós quatro [eu,
Christopher Guest,
Michael McKean e
Harry Shearer] percebemos que os roqueiros têm uma tendência a glorificar, filosofar ou pontificar sobre a importância do trabalho que fazem. E parte disso é realmente importante em termos de música e do que ela representa, especialmente em uma época como os anos 60, com um certo espírito da época. Mas às vezes eles podem ser um pouco pontificadores demais, se levarem um pouco a sério demais.
Basicamente, você pegou aquela persona sincera do Scorsese de O Último Concerto de Rock e a aplicou ao Spinal Tap, a banda mais idiota que se possa imaginar.
Sim, absolutamente. A verdade é que nós quatro éramos satiristas. Temos outros lados, mas somos satiristas, e satiristas zombam de tudo. E, neste caso, estamos zombando de algo que realmente amamos. Amamos rock and roll, então é difícil encontrar o equilíbrio entre mostrar algo que você ama e também fazer piada.
E uma das coisas mais difíceis para mim ao fazer esse filme foi que eu sinto que é preciso ter algum tipo de apelo emocional para ancorá-lo em algum tipo de realidade. E sátira e emoção são como água e óleo. Elas realmente não se misturam bem.
Foi difícil encontrar aquilo, apenas aquele toque de emoção, e nós conseguimos. Usamos a relação entre Nigel e David, o fato de se conhecerem desde crianças, e que havia certa tensão, algo acontecendo entre eles, e se isso prejudicaria a amizade. Foi nisso que nos baseamos.
Tem um termo que você usa — “schnadling”. De onde ele veio?
“Schnadling” é o que chamamos de improvisação. É quando você consegue fazer uma troca de piadas com alguém. Para que esses filmes de improvisação funcionem, você precisa de gente talentosa, pessoas que realmente saibam improvisar. Aí fica fácil. Porque as pessoas me diziam: “Não acredito que seu primeiro filme não tem roteiro”. Eu respondia: “Sim, mas se é assim que vocês se sentem confortáveis, se eles se sentem à vontade para improvisar, então é fácil”. É fácil. Muito mais difícil fazer com um roteiro.
Com a censa do amplificador indo até o volume 11, Christopher Guest não fazia ideia de que você iria desafiar a lógica de Nigel.
Não. Também acho que quando coloco o Chris contra a parede, ele se comporta muito bem. Eu o desafio em alguma coisa e aí aparece aquela expressão de perplexidade no rosto dele, e eu sei que ele está pensando: “O que eu faço…?” Isso o força a agir de uma maneira positiva.
Na sua participação especial em O Lobo de Wall Street (2013)
, tinha muito improviso? Sim. Às vezes, sim. Isso era ótimo com o
Marty também. Ele te deixava ir. Mas ele era esperto o suficiente para saber — como em tudo na vida; se você está com alguém que sabe se defender, é ótimo. Na cena com o
Jonah Hill, quando eu disse: “Olha essa conta, são 20 mil dólares”, e ele respondeu: “Pedimos acompanhamentos”. E eu perguntei: “O que são esses acompanhamentos? O que eles fazem? Curam câncer?”. E ele disse: “Sim, esses acompanhamentos poderiam”. Então, aquilo foi improvisado, porque você está com alguém com quem pode fazer isso.
Há tanta especificidade em Spinal Tap. Faz todo o sentido que a personagem de Fran Drescher, Bobbi Flekman, tenha sido baseada em uma pessoa real.
Os caras a conheciam. Eu não a conhecia, mas os caras a conheciam, e ela era daquelas figuras. E quando Fran entrou, foi tipo: “Nossa, a Bobbi Flekman acabou de entrar no escritório.”
De onde surgiu a piada original dos muitos bateristas mortos?
Veja o caso do
Keith Moon e do
John Bonham. E o mais louco foi quando um cara morreu num acidente bizarro de jardinagem. Aí você olha para o
Toto, e o
Jeff Porcaro morreu jardinando. Foi tipo, o quê? É como se a vida estivesse imitando a arte que imita a vida.
E a minha parte favorita é que teve uma turnê do
Black Sabbath, eles estavam tocando sem o
Ozzy. E eles fizeram a turnê com o tema de
Stonehenge. E o nosso filme saiu tipo uma semana depois que a turnê começou. E eles acharam que a gente tinha roubado a ideia deles. Foi um momento típico de pura ingenuidade do rock and roll achar que a gente conseguiria filmar, editar e lançar nos cinemas em uma semana.
Christopher Guest realmente assumiu a responsabilidade de inserir elementos emocionais genuínos nessas sátiras — veja A Mighty Wind: Os Grandes Músicos.
Acho que o
Chris sempre aceitou isso numa boa. O resto de nós discutiu e debateu porque não era um documentário puramente satírico. Na maior parte do tempo, é. Isso é eu mostrando um pouco do meu lado mais sensível, que eu tenho. E olha, quando fiz
A Princesa Prometida (1987)… que mistura de coisas estranhas! É o filme mais bizarro que você pode imaginar, porque tem sátira — “Nunca se envolva numa guerra terrestre na Ásia” — e tem romance, e tem aventura de capa e espada. Então é uma mistura meio estranha. Dá para fazer, eu acho.
Sua carreira é vasta, sem dúvida. Mas Spinal Tap realmente se destaca. Foi seu primeiro filme e mudou a comédia por décadas. Como ele se classifica para você em sua filmografia?
É como dizemos como pais, amamos todos os nossos filhos. Até a ovelha negra, mesmo quando fiz
O Anjo da Guarda (1994). Eu também amei aquele filme. Olha, obviamente, ele conquistou seu espaço. Tenho três filmes agora na
Biblioteca do Congresso, incluídos no
Registro Nacional de Filmes:
A Princesa Prometida, este aqui e
Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro (1989), eu acho.
Conta Comigo (1986) tem um significado emocional muito forte para mim, por um motivo pessoal. Certamente
Spinal Tap — olha, quando você consegue entrar no Dicionário Oxford da Língua Inglesa, você sabe que isso vai dar em alguma coisa.
Adoro o fato de ter feito filmes que as pessoas citam. Elas citam frases como “Você não aguenta a verdade”. Minha favorita é a do filme
Antes de Partir (2007) (
The Bucket List, no original), que fiz há anos. E todo mundo acha que essa expressão existe há séculos. Mas foi inventada para o filme! Incrível. As pessoas sempre dizem: “Ah, isso está na minha
bucket list (lista de desejos, em tradução livre)”. Pensando que a expressão existe há muito tempo. Tudo começou com o filme e ninguém entende isso.
Acho que não se passa uma semana sem que eu cite algo dos seus filmes, especialmente de Spinal Tap.
Esta é a minha favorita: “Há uma linha tênue entre estúpido e inteligente.” Essa é a minha frase favorita de todas. Porque realmente existe! Há uma linha tênue entre estúpido e inteligente.