CRÍTICA

‘A Empregada’ sufoca temas para apostar em suspense genérico e cheio de reviravoltas

Longa protagonizado já está em cartaz nos cinemas brasileiros com sessões antecipadas; a estreia oficial acontece no dia 1º de janeiro de 2026

Angelo Cordeiro (@angelocordeirosilva)

'A Empregada' sufoca temas para apostar em suspense genérico cheio de reviravoltas (Divulgação/Paris Filmes)

Violência doméstica, desigualdade social, gaslighting, abuso psicológico e relações atravessadas por dinheiro e poder são temas que A Empregada, filme baseado no best-seller de Freida McFadden, possui. No entanto, sejamos justos aqui: alguém irá assistir ao longa por causa deles? Eles estão ali apenas como pano de fundo de uma abordagem que aposta nas reviravoltas, e mais: tudo é pensado para chocar, virar, confundir e manter o espectador preso ao jogo. Ora, e é exatamente isso que o público quer.

Desde o começo, A Empregada entrega exatamente o que promete: um thriller doméstico cheio de segredos sob a fachada impecável de uma família rica. Millie (Sydney Sweeney, Euphoria), uma jovem em situação financeira delicada, aceita trabalhar como empregada na casa dos Winchester: Nina (Amanda Seyfried, Mamma Mia!) e Andrew (Brandon Sklenar, É Assim que Acaba), e logo percebe que aquele recomeço carrega algo de profundamente errado. Isso não chega a ser surpresa, ainda mais vindo de Paul Feig, diretor acostumado a narrativas de intrigas e reviravoltas como Um Pequeno Favor (2018) e Outro Pequeno Favor (2025). A diferença é que aqui o exagero surge como premissa essencial.

A trama até que se desenrola bem nas duas primeiras partes, ainda que de forma genérica, colocando os personagens em interpretações cínicas de si mesmos — mas isso só iremos descobrir mais tarde, quando a história passa a ficar rocambolesca e decide transformar a sucessão de reviravoltas em seu motor, com direito a um flashback bem detalhado que funciona como: preste atenção, essa personagem não é vilã, ela é vítima. As viradas se acumulam, cada uma mais improvável que a anterior, exigindo uma suspensão de descrença cada vez maior.

‘A Empregada’ sufoca temas para apostar em suspense genérico cheio de reviravoltas (Divulgação/Paris Filmes)

O público-alvo tende a aceitar esse pacto sem grandes resistências, interessado mais no “o que vem agora?” do que em coerência dramática. Para quem não leu o livro — como este que vos escreve — a fidelidade ao material original não entra em questão; como cinema, porém, A Empregada soa como um roteiro genérico que se apoia no choque constante, em personagens à beira do colapso e em um desfile calculado de artimanhas, golpes e manipulações — algumas até risíveis.

A sensação é a de assistir a uma história saída diretamente do Wattpad — ainda usam isso? — com todos os clichês elevados à máxima potência. É um universo de brancos ricos se digladiando em sua mansão impecável, onde até a personagem “pobre” é uma loira que Hollywood aprendeu a enquadrar de maneira muito específica desde Euphoria (2019- ), Observadores (2021) e Todos Menos Você (2023): quase sempre reduzida ao corpo. Aqui não é diferente. Millie rapidamente se torna objeto de desejo do anfitrião interpretado pelo também escultural Brandon Sklenar, e o que se desenrola a partir daí fica para quem leu o livro comparar ou, para quem não, aceitar entrar no jogo sem pedir muitas explicações — até porque, precisa explicar por que uma mulher bonita decide transar com um cara bonito?

Curiosamente, o filme ainda adiciona mais um “garanhão” ao pacote: Michele Morrone, da trilogia erótica polonesa 365 Dias. Mas quem espera vê-lo repetindo a persona hipersexualizada que o consagrou vai se frustrar. Morrone aparece pouco, tem poucas falas e surge sempre vestido, quase como uma figura decorativa. Um desperdício de casting, especialmente em um filme tão consciente — e explorador — do apelo físico de seu elenco.

‘A Empregada’ sufoca temas para apostar em suspense genérico cheio de reviravoltas (Divulgação/Paris Filmes)

Ainda assim, A Empregada funciona melhor do que o imaginado. Sydney Sweeney convence nesse papel da jovem de aspecto ingênuo, sempre à beira do perigo, enquanto Amanda Seyfried, categoricamente mais talentosa, entende exatamente quando o roteiro pede cinismo, exagero e instabilidade. Ela entrega tudo isso com precisão, mesmo com um texto pífio.

É justamente por isso que A Empregada não chega a ser um desastre. O filme até tenta se levar a sério, mas são as reviravoltas — absurdas, exageradas, quase involuntariamente cômicas — que acabam prendendo (ou divertindo) até o espectador mais incrédulo. No meio desse caos, a histórica sufoca seus temas sem interesse real em aprofundá-los ou perturbar o espectador — a não ser espectadores mais sensíveis, já que há certo nível de grafismo e violência que justificam a classificação indicativa de 16 anos.

No fim, trata-se de um “guilty pleasure” — termo para o qual muitos críticos torcem o nariz: um entretenimento exagerado e descaradamente artificial. Não é um bom filme, no sentido clássico — bem escrito, bem filmado ou bem decupado —, e talvez nem queira ser, mas é provocante, divertido em certa medida — sem querer ser também? — e entrega, ao longo de duas horas, exatamente a experiência descartável que promete. Que os temas sejam discutidos em outros filmes.

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Angelo Cordeiro é repórter do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, escreve sobre filmes desde 2014. Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Pisciano, mas não acredita em astrologia. São-paulino, pai de pet e cinéfilo obcecado por listas e rankings.
TAGS: a empregada, Amanda Seyfried, Brandon Sklenar, Paul Feig, Sydney Sweeney