Ninguém pediu um novo ‘Anaconda’ — mas todos deveriam assisti-lo
Com Selton Mello entre os protagonistas, longa já está em cartaz nos cinemas brasileiros; leia a crítica
Angelo Cordeiro (@angelocordeirosilva)
Quando as primeiras notícias sobre um novo Anaconda começaram a circular, no início de 2025, a reação imediata foi de receio. Quem, afinal, estaria entusiasmado com a volta de uma franquia que virou cult mais pelo exagero e pelo gosto duvidoso do que por qualquer virtude cinematográfica evidente? A curiosidade do público brasileiro aumentou quando Selton Mello (Ainda Estou Aqui) foi anunciado no elenco e, cerca de um mês depois, um vídeo de bastidores com Jack Black (Escola de Rock) e Paul Rudd (Homem-Formiga) — todos visivelmente se divertindo — viralizou. Ainda assim, a história do cinema já nos ensinou que clima leve no set não é sinônimo de bom filme.
O novo Anaconda, que já está em cartaz nos cinemas brasileiros, não reinventa nada, mas surpreende justamente porque não é a bomba que se espera de uma adaptação dessas. A trama assume desde o início sua vocação cômica e se estrutura como um buddy movie, subgênero que aposta na química entre amigos como motor narrativo. Doug (Jack Black) e Griff (Paul Rudd) são parceiros desde a infância e compartilham uma obsessão improvável: refilmar seu “clássico” favorito, Anaconda.
Em meio a uma crise de meia-idade, Doug e Griff se juntam aos amigos, Claire (Thandiwe Newton, Westworld) e Kenny (Steve Zahn, The White Lotus), para levar essa fantasia adiante e partem para a Amazônia brasileira, onde a tentativa de recriar uma versão amadora do filme rapidamente descamba para o desastre quando uma anaconda real surge no caminho. O que era para ser um projeto nostálgico vira uma mistura de set improvisado, amizades em xeque e perigo real — sempre filtrado pelo humor.
Anaconda não tenta parecer mais inteligente do que é, nem disfarçar seu gosto pelo besteirol. Pelo contrário: o humor é direto, muitas vezes bobo, e as situações se acumulam em níveis crescentes de absurdo, mas tudo isso é algo que o público já esperava, vide todo o material de divulgação, além do elenco envolvido. O riso nasce justamente da previsibilidade do exagero, diferentemente do filme de 1997, que teve sua tosquice reconhecida a partir de seus defeitos, como na cena, perto do ápice do filme, em que um barco é visto navegando pelo rio e fica claro que a fita, naquele exato momento, foi rebobinada, já que é possível observar as águas da cachoeira subindo, em vez de descer.
Por isso, chamar esse Anaconda de remake soa impreciso. Ele se aproxima mais de um reboot livre ou até de uma homenagem declarada, uma dessas “cartas de amor” que não tentam corrigir o passado, mas dialogar com ele. O filme ri da nostalgia, da ideia de refilmagem e até de uma certa obsessão recente de Hollywood por justificar tudo a partir de grandes temas. Em vez disso, Anaconda assume algo quase subversivo hoje: a vontade de entreter sem culpa, de permitir que o espectador simplesmente desligue o cérebro por duas horas e se divirta, como tantas produções dos anos 1990 faziam sem pedir desculpas.
Essa abordagem conversa diretamente com o cinema de Tom Gormican, que já havia flertado com a metalinguagem em O Peso do Talento, ao colocar Nicolas Cage frente a frente com sua própria persona cinematográfica. Aqui, a lógica se repete: personagens conscientes do absurdo da própria empreitada, piadas que dialogam com a existência do filme — nem a própria Sony Pictures escapa — e um prazer evidente em exagerar cada situação. O terror é deixado de lado para que a comédia assuma o protagonismo e o elenco sustenta esse tom com precisão. Jack Black faz exatamente o que se espera dele, chamando atenção para si sempre que necessário, seja cantando, correndo ou gritando, enquanto Paul Rudd, mais contido, está afinado com o espírito do filme e demais colegas de cena.
Mas quem rouba mesmo a cena é Selton Mello: longe de uma participação decorativa, ele ganha tempo de tela, relevância narrativa e alguns dos momentos mais divertidos da sessão — fique até o final dos créditos por mais. Seu Santiago Braga, um domador de cobras contratado pelos amigos para ajudá-los no filme amador, é integrado de forma orgânica à história.
No fim das contas, Anaconda é o retrato de um cinema que parece cada vez mais raro: aquele que não tenta se justificar com discursos ou relevâncias temáticas. Ninguém pediu um novo Anaconda, é verdade — mas talvez justamente por isso ele funcione tão bem. Ao assumir sem vergonha seu espírito tosco, autoconsciente e afetuosamente exagerado, o filme encontra uma liberdade que muitas superproduções atuais parecem ter perdido. Não se trata de ressignificar um “clássico” improvável, mas de rir dele, rir de si mesmo e rir junto com o público. Em tempos em que quase tudo precisa soar importante, Anaconda lembra que, às vezes, o maior mérito de um filme é simplesmente ser divertido.
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