A atual turnê do ex-baixista do Pink Floyd, que vai até outubro, estabeleceu o músico como o crítico mais voraz do presidente norte-americano dentro do universo do rock
David Fricke Publicado em 16/10/2017, às 18h44 - Atualizado às 18h58
Em 4 de agosto, quase no final de uma apresentação na cidade de Washington, capital federal dos Estados Unidos, Roger Waters parou por um momento para saborear a reação empolgada da plateia. Então, o vocalista e baixista britânico e um dos fundadores do Pink Floyd falou aos fãs. “Eu disse: ‘Tem gente sugerindo que podemos estar entrando na cova dos leões aqui’”, relembra uma semana depois do evento. “Tudo o que tenho a dizer sobre isso é que, em Washington, há muitas pessoas com coração de leão.”
Foi uma variação de um discurso que ele frequentemente faz em sua atual turnê pela América do Norte, após a sequência de “Brain Damage” e “Eclipse”, canções do disco The Dark Side of the Moon (1973). A reação em Washington foi especialmente tocante para Waters. Us + Them – o espetáculo de duas horas e meia que ele comanda – mostra sua banda de dez integrantes tocando músicas do primeiro álbum solo de estúdio do artista em 25 anos, Is This the Life We Really Want? (2017), entre quase 2 dezenas de clássicos do cânone do Floyd.
No show, também há cutucadas visuais em Donald Trump. A certa altura, o presidente dos Estados Unidos é mostrado como membro da Ku Klux Klan; mais tarde, durante uma atualização vigorosa de “Pigs (Three Different Ones)”, do LP Animals (1977), uma imagem de Trump com cifrões nos olhos aparece em um porco inflável de 6 metros ao lado das palavras “bem-vindo à máquina”. A turnê de Waters, que vai até outubro, estabeleceu o músico como, provavelmente, o crítico mais voraz de Trump dentro do universo do rock. “[As plateias] parecem abraçar a ideia de que o amor deve superar o ódio”, diz. “O presidente deveria estar internado. Não sou a favor de trancafiar as pessoas; ele deveria estar cercado de gente cuidando dele e tentando ajudá-lo. Só par crescer um pouco. Até para ser capaz de tocar as bordas do que significa ser humano e ser capaz de amar.”
No entanto, “o ataque a Trump é uma pequena parte da mensagem geral”, insiste Waters, de 73 anos, durante um dia de folga na Filadélfia. Us + Them “é sobre a natureza transcendental do amor e sobre termos dentro de nós a capacidade de mergulhar nele, deixar que transforme nossa vida em algo que possa deixar este planeta viável por um pouco mais de tempo”.
Ele reconhece as vaias e o esvaziamento dos shows, aparentemente por apoiadores de Trump, em Nova Orleans e Houston, mas acrescenta: “Já fizemos 35 apresentações, então estou na posição de dizer, de jurar, que há muito amor neste país. Sei que somos um grupo pequeno – alguns milhares de nós em cada cidade. Só que eles me dão esperança de que o amor nas pessoas dos Estados Unidos pode ser maior do que a sujeira no sistema político. Estou me sentindo muito otimista”.
O novo álbum de Waters é uma mudança marcante para o baixista. Is This the Life We Really Want? é o primeiro disco solo em que ele cedeu totalmente as rédeas a um produtor, no caso Nigel Godrich, mais conhecido por seu trabalho com o Radiohead. Por sugestão de Godrich, Waters editou algumas letras para dar coesão e clareza. “Nigel sempre gostou muito da ideia de que não deveríamos ser especificamente políticos. Você pode dar sua opinião sobre algo sem ser específico.”
O show da turnê Us + Them foi desenvolvido a partir da produção de Waters em outubro do ano passado no festival Desert Trip, em Indio, na Califórnia. O visual grandioso da turnê inclui um complexo sistema de lasers que reproduz a capa do LP The Dark Side of the Moon.
Waters tem sido atacado durante a turnê por críticas sobre sua posição a respeito dos direitos dos palestinos sob a ocupação israelense e, em particular, sobre o movimento Boycott, Divestment, Sanctions (BDS), uma campanha palestina para exercer o que chama de “pressão não violenta sobre Israel”. A tentativa de Waters de convencer o Radiohead a cancelar um show em Tel Aviv, em 19 de julho, virou uma guerra pública de palavras com o vocalista da banda, Thom Yorke; a apresentação ocorreu com o Radiohead encerrando mordazmente o bis com “Karma Police”. Um legislador republicano de Nova York pediu o cancelamento dos dois shows de Waters em Long Island, citando uma lei que impede empresas e pessoas que apoiam o BDS de fazerem negócios com o condado.
Segundo Waters, duas semanas antes do início da turnê, a American Express retirou um patrocínio de US$ 4 milhões, por causa, diz, de sua defesa ao BDS: “A American Express teria sido bombardeada por uma campanha de bots – e-mails dizendo ‘Se você apoiar esta turnê, não vamos mais fazer negócios com você’. Então, ela cedeu. Sabe, estou muito acostumado com isso. Quase não reajo” (a American Express nega ter negociado patrocínio dos shows).
O músico comentou em entrevistas recentes que Us + Them pode ser sua última turnê, mas há planos para mais datas no ano que vem e ele continua energizado pelas questões e riscos em sua música e pela reação esperançosa das plateias. “Sei de uma coisa”, afirma enfaticamente. “Estou velho demais para pegar leve no que acredito.”
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