Stephen King

Autor finaliza trilogia e faz análises sobre a dor, o casamento e a rotina de trabalho

Andy Greene

Publicado em 12/08/2016, às 16h09 - Atualizado em 15/08/2016, às 16h20
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Para escrever todos os dias, King foge das distrações - Ap Photo

O mais novo romance de Stephen King, Último Turno, que acaba de chegar ao Brasil, é o capítulo final da chamada “trilogia Bill Hodges”, centrada em torno de um assassino demente e do policial aposentado obcecado em encontrá-lo. É mais uma história forte na consistente carreira do mestre do suspense, que aqui faz uma pausa na divulgação do livro para falar sobre outros assuntos.

Como teria sido sua vida se você não tivesse se tornado um escritor?

Eu teria sido um professor de inglês de ensino médio perfeitamente adequado ou talvez um professor universitário. Provavelmente teria morrido de alcoolismo aos 50 e poucos anos. E não sei bem se meu casamento teria durado. Acho que é extremamente difícil conviver com as pessoas quando elas têm um talento que não conseguem usar.

Que conselho sobre a indústria você gostaria que alguém tivesse lhe dado no início?

Que você não precisa aceitar sempre o conselho do editor. Às vezes, a forma como você vê a coisa é como ela deve ser. Presumia que todo escritor era muito mais inteligente e habilidoso do que eu. Acabou ficando provado que isso não era verdade.

Quando aprendeu isso?

Meu Deus, demorei muito. Provavelmente tinha uns 45 anos. Acho que foi na época em que escrevi It: A Coisa, por volta de 1985. O livro voltou da editora com muitas mar-cações de possíveis cortes. Simplesmente falei: “Não, isso fi ca”. Meu então editor, Allen Williams, costumava repetir algo que eu dizia: “Os garotos entenderão”. Era a verdade.

O que você faz para relaxar?

Leio, vejo TV. Há coisa demais na TV agora – é como estar na Ilha dos Prazeres em Pinóquio. Também toco guitarra. Tento aprender uma música nova de vez em quando. Canto mal e não toco bem, mas isso me relaxa.

Você está casado com sua esposa, Tabitha, há 45 anos. O que aprendeu sobre relacionamentos em todo esse tempo?

Que o melhor que você pode fazer às vezes é calar a boca e deixar a outra pessoa fazer o que precisa. Tem que ter muita aceitação para fazer um casamento dar certo e vocês precisam continuar conversando. E, claro, tem que gostar da outra pessoa. Isso ajuda bastante.

Como evita distrações ao escrever?

É puro hábito. Escrevo mais ou menos das 7h30 ao meio-dia, na maioria das vezes. Meio que entro em transe. É importante lembrar que essa não é a maior coisa da vida. A maior coisa da vida é estar presente se sua família precisa de você ou se há uma emergência ou algo assim. Mas na hora de escrever você tem de eliminar todo o ruído desnecessário. Isso significa nada de Twitter. Significa não entrar no Huffington Post para ver o que a Kim Kardashian está aprontando. Há uma hora certa para isso – para mim, normalmente é antes de ir dormir. Às vezes fico sentado, hipnotizado, vendo vídeos de cachorros engraçados, esse tipo de coisa.

Qual é a maior lição de vida que você aprendeu com o acidente que sofreu em 1999 [King foi atropelado por uma van enquanto caminhava pelo acostamento da estrada]?

Que você pode viver com dor e ser produtivo. Depois de um tempo, não dá mais importância, apenas convive com ela. Algumas coisas ajudam: fazer exercícios, não colocar peso sobre as partes que foram quebradas e que nunca sararam direito. Acaba virando parte do pano de fundo da vida.

Nas primeiras semanas depois do acidente, chegou a achar que não conseguiria viver com a dor?

Cheguei. Não foi nem nas primeiras semanas – foi provavelmente nos primeiros seis meses. Em algum momento a dor começou a ter um efeito cumulativo e eu dizia: “Se é para ser assim pelo resto da minha vida, prefiro não viver”. E então, depois de um tempo, há um gráfico de tendência descendente, em que a dor diminui um pouco, e um gráfico de tendência ascendente, em que você simplesmente começa a aceitá-la. Uma hora, eles se cruzam e essa é sua vida e tudo bem.

Para terminar, percebi que o vilão em Último Turno mora no quarto 217 de um hospital. Acho que não é coincidência ser o mesmo número do quarto do hotel assombrado no [livro] O Iluminado.

Não é coincidência, não. É uma referência ao Hotel Overlook.

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