Paulo Cavalcanti e Stella Rodrigues
Publicado em 19/09/2016, às 21h40 - Atualizado em 18/12/2016, às 10h32Panorama Plural
Pautado pelo viés social ou por comédias globais, cinema nacional se manteve vivo
Depois da retomada ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, o cinema nacional se profissionalizou – e se internacionalizou. Nomes como o do diretor José Padilha e dos atores Rodrigo Santoro e Wagner Moura hoje são reconhecidos mundialmente. Padilha e Moura estiveram juntos no controvertido
Tropa de Elite (2007), cuja sequência, feita em 2010, fez ainda mais sucesso. Os dois filmes viraram um fenômeno pop, com o Brasil inteiro repetindo bordões como “pede pra sair”.
A última década do país também se pautou por avanços e sobressaltos políticos e sociais. O cinema refletiu tais gangorras, que sacudiram a vida nacional. Até o documentário Simonal – Ninguém Sabe o Duro Que Dei (2009), que radiografa a vida do cantor Wilson Simonal, mostrou um país cada vez mais polarizado ideologicamente. Diretores como Heitor Dhalia, Jorge Furtado e Anna Muylaert discutiram com propriedade as mazelas da sociedade brasileira respectivamente em O Cheiro do Ralo (2007), Saneamento Básico, o Filme (2007) e Que Horas Ela Volta? (2015).
E assim como aconteceu em outras áreas culturais o cinema floresceu também fora do eixo Rio-São Paulo. Em Pernambuco, o diretor Kleber Mendonça Filho se destacou com o incisivo O Som ao Redor (2012). No entanto, não houve apenas engajamento e consciência social. Também teve espaço para uma série de cinebiografias, como Tim Maia (2014), Getúlio (2014) e Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho (2014), além de produções com altas bilheterias sobre espiritismo (Chico Xavier, 2010) e episódios bíblicos (Os Dez Mandamentos – O Filme, 2016). E teve comédia.
Há quem passe longe de filmes estrelados por Leandro Hassum ou Ingrid Guimarães, mas uma imensa parcela do público que vai ao cinema regularmente pensa de forma diferente. Usando estética e atores da Globo, tais obras faturam alto. Um dos mentores dessa tendência é o diretor Roberto Santucci. Franquias capitaneadas por ele, como Até Que a Sorte Nos Separe e De Pernas para o Ar, comercializaram 22 milhões de ingressos somente nos últimos cinco anos.
Imersão Completa
Considerado uma curiosidade no passado, o cinema 3D voltou com tudo
Em meados da década de 1950, quando o cinema começou a perder espaço para a televisão, Hollywood entrou em polvorosa. As pessoas pareciam
hipnotizadas em sua sala de estar assistindo a um minúsculo aparelho de TV em preto e branco. Como tirá-las de casa? Com tecnologia. A lente
CinemaScope, idealizada para telas gigantescas, trazia a sensação de grandiosidade épica. Também surgiu o cinema tridimensional, ou 3D. Usando óculos de papel, o espectador “entrava na tela”. Mas o efeito era pífio e a novidade caiu em desuso. Décadas depois, a indústria sentiu-se novamente acuada. Desta vez, os inimigos eram os downloads ilegais, o YouTube e os novos formatos de televisão paga. O 3D ressurgiu – e, aparentemente,para ficar. Mas não foi milagre ou golpe de sorte. A tecnologia avançou e equipamentos sofisticados como a Fusion Camera System (desenvolvida por James Cameron e Vince Pace) mudaram o jogo. Usado com inteligência, o 3D se torna uma ferramenta criativa, que permite o aprofundamento na narrativa do que é exibido na tela. Hoje, se o filme conta com orçamento generoso e é destinado a se tornar um blockbuster, o uso do 3D é obrigatório. E vamos além: em filmes como A Era do Gelo 4 (2012) Gravidade (2013) a novidade foi o 4D. É hiper-realismo expandido: as cadeiras balançam e a fumaça invade a sala de projeção. Com tantas emoções, ninguém reclama mais de permanecer por duas
horas com um par de óculos esquisitos enfiado na cara.
Abrindo as Portas
Avatar deu credibilidade ao 3D e popularizou o efeito junto às massas
O produtor e diretor James Cameron sempre foi ligado em tecnologia. Ele já tinha testado o uso do 3D em projetos experimentais até chegar ao resultado final de Avatar, no final de 2009. Nada foi da noite para o dia – Cameron vinha planejando o filme desde 1994. As situações e o roteiro eram óbvios, mas o cineasta apresentou ao mainstream um 3D com um nível de qualidade que ainda não havia sido visto antes.
Tela Poderosa
Com as editoras Marvel e DC à frente no mercado, super-heróis se transformaram nos grandes campeões de bilheteria
Não foi possível ficar imune à presença dos super-heróis na tela grande. A gênese desse boom data de 2002, quando foi lançado o bem-sucedido Homem-Aranha. O personagem era uma criação da Marvel Comics, mas os direitos cinematográficos pertenciam à Sony Pictures. A empresa de quadrinhos viu que era desperdício deixar os outros faturarem em cima de suas criações. A partir daí, houve investimento e planejamento por parte da Marvel para dominar o mercado. O resultado da estratégia foi Homem de Ferro (2008). Com personagens críveis e um roteiro inteligente que se amarrava habilmente aos efeitos especiais, o filme marcou o início de uma nova era. No ano seguinte, a Marvel Entertainment foi adquirida pelos estúdios Disney e o “universo expandido” se tornou realidade. Depois, vieram longas com foco em Thor e no Capitão América. Com The Avengers: Os Vingadores (2012), todas as peças se juntaram. A trupe voltou de forma espetacular neste ano em
Capitão América: Guerra Civil, já com o Homem-Aranha reincorporado aos quadros. Enquanto isso, a DC Comics, eterna concorrente da Marvel, também tenta explorar ao máximo seus personagens icônicos. Em Batman vs Superman – A Origem da Justiça (2016), os personagens-título e a Mulher-Maravilha juntaram forças em um filme que foi tão bem-sucedido comercialmente quanto polêmico em termos de resultado. O mesmo pode ser dito sobre o recente Esquadrão Suicida (2016). Marvel e DC ainda terão muita briga pela frente.
Visão Autoral
Hollywood não viveu apenas de super-humanos e de efeitos especiais
À margem de franquias, reciclagens e de produções com grandes orçamentos, cineastas tradicionais, como Martin Scorsese, Quentin Tarantino, Steven Spielberg, Ron Howard, Tim Burton, Clint Eastwood e os irmãos Ethan e Joel Coen, seguiram ativos aplicando sua visão peculiar a histórias originais ou adaptadas de fontes pouco óbvias. Ao lado desses veteranos, a última década viu o surgimento de sangue novo. Dentre esses diretores, produtores e roteiristas, estão diversos “gringos” que se estabeleceram de vez em Hollywood, como os mexicanos Alfonso Cuarón, Guillermo del Toro e Alejandro González Iñárritu, o australiano George Miller e o sul-africano Neill Blomkamp. Eles redefiniram as regras vigentes, trazendo espírito de aventura e frescor narrativo. E quem olhar para além do multiplex perceberá que o cinema autoral norte-americano se manteve bastante saudável. Filmes como Drive (2011), Selma: Uma Luta pela Igualdade (2014), O Mestre (2012) e Boyhood: Da Infância à Juventude (2014) foram realizados com relativamente poucos recursos, mas trouxeram motivações intelectuais para os dois lados do cérebro.
Inquietação Adolescente
Harry Potter cedeu lugar à caretice de Crepúsculo e às boas ideias de Jogos Vorazes
A literatura e a internet ajudaram a mudar o foco do cinema adolescente e infantojuvenil. Quando um livro de sucesso é cotado para virar filme, as redes sociais se agitam como um formigueiro. Os fãs palpitam sobre elenco, sobre como deve ser conduzida a produção e até mesmo a respeito do final do filme. E lamentam quando algo que adoram chega ao fi m. Foi o que aconteceu em 2011, quando Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 encerrou a principal porção da saga criada pela autora inglesa J.K. Rowling. Apesar da mensagem conservadora e da estética quadrada, os filmes da saga Crepúsculo (2008-2012) trouxeram ansiedade e angústia existencial ao universo teen, com seus fãs emulando tais sentimentos na rede. Também foi grande o impacto causado pelas adaptações de Jogos Vorazes (2012-2015), baseadas na série de livros de autoria da norte-americana Suzanne Collins. O futuro distópico no qual a heroína, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), habita junta ação, mitologia e ainda tece comentários sobre um mundo que a cada dia mais se assemelha a um bizarro reality show.
Arte de Reciclagem
No cinema de hoje, tudo pode ser reinventado
fato de refilmagens, reboots e franquias dominarem parte considerável do mercado não é necessariamente sinônimo de falta de ideias. Isso é estratégia de longa data da indústria cinematográfica. Os mandachuvas do mundo do cinema apostam em fórmulas já testadas e supostamente seguras, o que nem sempre dá certo – o recente fracasso do remake de Ben-Hur está aí para provar. A questão não é refazer, mas sim como refazer. Não existe uma fórmula certeira: Hollywood vai se debater eternamente entre fracassos artísticos e comerciais e sacadas inteligentes.
Um caso recente de reboot que deu certo é o de Mad Max. Esqueça os filmes dos anos 1980 estrelados por Mel Gibson. Na refilmagem de 2015, a história é outra. Alinhado aos novos tempos, Mad Max: Estrada da Fúria tem uma personagem feminina forte que domina a ação.
Reativar franquias também pode ser uma boa ideia. Quem percebeu isso foi J.J. Abrams. O produtor e diretor tirou Star Trek da dormência, respeitando o espírito da série e dos filmes originais, mas também avançou os conceitos. Além disso, Abrams conseguiu o que parecia impossível com Star Wars: O Despertar da Força (2015). O cineasta
atualizou a saga criada por George Lucas sem parecer que estava fazendo uma mera homenagem retrô ou uma paródia. E até mesmo os velhos dinossauros se rebelaram contra a extinção. Em Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015), os animais idealizados originalmente por Steven Spielberg reviveram com garra uma franquia considerada
pré-histórica.
Só Cromossomos
Reboots ganham opção de inverter gêneros
Caça-Fantasmas lançou a moda, e a última novidade nos manjados remakes é a inversão de papéis. Teremos pela frente o sereio Channing Tatum no novo Splash e oito
mulheres que vão enganar todo mundo na continuação de Onze Homens e Um Segredo. Entre as atrizes confirmadas no elenco de Ocean’s Eight estão Sandra Bullock, Cate Blanchett, Helena Bonham Carter e Anne Hathaway.
Tarde da Noite
Revolução internacional na faixa de horário respingou por aqui
O formato Late Night continua em uma montanha-russa nos Estados Unidos, e o Brasil tem seguido as tendências que nascem por lá. Samantha Bee invadiu o clube do Bolinha
que dominava o horário com um programa livre das amarras que costumam restringir a faixa; Jimmy Fallon e James Corden contribuíram para desengessar o formato das entrevistas com celebridades, e dois veteranos, David Letterman e Jay Leno, se aposentaram. No Brasil, sai Jô Soares, que por anos foi o único atuante no gênero, e rumores dão conta de que entra Pedro Bial, outro nome já conhecido, mas que poderá trazer frescor ao formato. Na concorrência, Danilo Gentili, Fábio Porchat e (com uma estrutura
de programa diferente) Marcelo Adnet falam aos seus próprios públicos.
Reinado do Streaming
Serviços investiram em conteúdo original e fi zeram frente à TV a cabo
A crescente bolha do streaming é uma das marcas mais características dos novos tempos nos últimos dez anos. Quando crescem de maneira insustentável, bolhas costumam estourar, mas até agora não é o que se observa nesse universo. A inovação tem ditado as regras de formato de TV (e algumas de conteúdo, já que, com grande liberdade, programas de serviços como a Netflix sequer obedecem a uma grade fixa de programação). Os DVDs já permitiam que o fã fizesse maratonas que durassem o tanto de horas que os olhos aguentassem. Mas foi com o streaming que o conceito de “binge watching” ganhou fama e passou a fazer parte (madrugada adentro) do consumidor de televisão, que consegue usar quase qualquer tela para assistir – celular, tablet, computador e o que mais tiver à mão. São tantas facilidades a preços acessíveis que as operadoras de TV a cabo, ainda com serviços ruins, estão amargando a queda nas assinaturas. A TV aberta está se mexendo – entendeu que é preciso usar a internet de forma mais eficiente e disponibilizar online conteúdo novo e velho. A Globo, na promessa de um serviço como esse há anos, finalmente lançou o Globo Play, mas ainda precisa se aperfeiçoar. Por outro lado, a TV aberta continua sendo o destino principal de verbas publicitárias (em premiações e grandes eventos esportivos, especialmente), que não devem deixar o modelo tradicional morrer.
Conexão Constante
Não basta ver, precisa comentar; não basta lançar, tem que seguir produzindo
Idos são os tempos em que adolescentes mandavam quilômetros de cartas cheias de corações para declarar amor ao galã da novela. Hoje, isso é feito com 140 caracteres por vez. E ninguém precisa ter visto algum capítulo de Master- Chef para ter uma ideia de como funciona o reality show da Band. Basta estar nas redes sociais, especialmente o Twitter, que também faz dez anos em 2016. Os fenômenos de audiência não têm seus números medidos somente por institutos de avaliação, como o Ibope. A repercussão importa, e não só em quantidade de televisores ligados, mas em números de comentários positivos e negativos na rede.
Do “hate watching” (quando as pessoas se juntam para ver e criticar online uma produção) emblemático de Sharknado (2013), nos Estados Unidos, ao reality da Band, passando por estreias relevantes, como a de Adnight, comentar ao vivo é parte integral da experiência de assistir.
Outro fenômeno que a internet trouxe à baila nos últimos anos é que estar “fora do ar” não é uma opção. A Netflix pode soltar todos os episódios de uma temporada em uma tacada só, mas a
produção de conteúdo relacionada ao título não para – precisa ser capaz de atrair espectadores o ano todo. Aí entra a publicidade, cada vez mais próxima da produção do conteúdo em si. Quem
melhor do que Xuxa para promover aos brasileiros uma série que celebra os anos 1980? O vídeo que mostra a apresentadora interagindo com a trama de Stranger Things aumentou ainda mais o interesse do público daqui em relação à série, que já era notoriamente um grande sucesso no país (a ponto de o elenco mirim gravar vídeos agradecendo pelo carinho dos brasileiros, em mais um exemplo de interação direta).
Correndo Atrás
Com concorrência real pela primeira vez em muitos anos, a Globo aos poucos tem se tornado mais abrangente
Com a TV paga mais acessível, a TV aberta, em especial a Globo, correu atrás como pôde. Pisou em falso (como ao copiar tramas de programas internacionais como se o público não fosse reconhecê-las), mas encontrou o caminho para fazer séries e minisséries e investiu pesado nos realities de competição musical. Além disso, algumas tradições da teledramaturgia brasileira
abriram espaço para finais menos moralistas, núcleos não tradicionais e formatos não consagrados. As séries passaram a ganhar arcos, a trazer o telespectador de volta na semana seguinte para acompanhar a trama, algo que já funcionava nos Estados Unidos e tem sido cada vez mais testado por aqui.
Acima de tudo, há o exemplo de Avenida Brasil (2012), a novela mais comentada dos últimos dez anos. Ela trazia enredos de tragédia clássica, uma vilã (Carminha) como há anos não se via e uma estética cuidadosa, de cinema. A atração também estabeleceu o hábito da segunda tela – era impossível abrir as redes sociais e não fi car curioso com os comentários e piadas que circulavam. Avenida Brasil ainda teve um poder de comunicação global inédito. Segundo a Forbes, com um investimento de US$ 91 milhões, a maior emissora do país arrecadou US$ 2 bilhões, tendo vendido direito de exibição para 124 países.
Também teve repercussão internacional o beijo entre Niko (Thiago Fragoso) e Félix (Mateus Solano) em Amor à Vida (2014). Pela primeira vez em 49 anos, a Globo mostrou um beijo entre dois homens. A cena parou e dividiu o país: teve comemoração nas ruas e protesto de políticos religiosos. E mais uma vez a segunda tela teve seu papel, tanto na celebração quanto na pressão para que a cena não fosse cortada na última hora, como já havia acontecido no passado.
Do Lixo ao Luxo?
A televisão passou por uma avassaladora escalada de prestígio
Foi dito à exaustão nos últimos dez anos: a televisão não é mais o plano B do cinema. Dos Estados Unidos para o mundo, mais investimento trouxe gente mais qualificada, astros maiores e tramas mais ousadas, até que muitos consumidores passaram a se empolgar mais com o que via na telinha do que com as produções da tela grande. Vieram lucros enormes, gente tarimbada (quem diria
que Woody Allen faria TV em um serviço de streaming?) e uma desproporção na relação “programa com excelência artística” versus “enlatado genérico” (gênero que continua a existir, tanto na TV quanto no cinema, e tem seu valor).
Quantidade virou qualidade. As temporadas foram enxutas de 20 e tantos episódios (muitos deles para “encher linguiça”) para uma dúzia ou menos. A HBO continuou sendo a HBO nesse período e trouxe títulos como Game of Thrones, um sucesso sem precedentes, e a premiada Mad Men, que simplesmente redefiniu o jogo. A concorrente AMC também entendeu logo o recado, e ganhou pontos com The Walking Dead e, especialmente, com o anti-herói mais marcante da era dos anti-heróis na TV, Walter White (Bryan Cranston), da ilustre Breaking Bad.
Correndo por fora, de repente a Netflix e outros serviços de streaming não eram mais meros retransmissores, mas produtores de conteúdo de qualidade que não tinham que agradar a patrocinadores, fazer restrições comportamentais ou obedecer a uma grade de programação que limitasse a duração de cada temporada ou episódio. A TV aberta norte-americana teve que repensar tudo para competir, e tem se esforçado (30 Rock, Community e Modern Family são apenas três em uma lista de dezenas). A meta não é mais necessariamente jogar com o time que estava ganhando, mas sim encontrar novos jogadores para segurar a melhor equipe na disputa lá na frente.