30 anos sem Elvis

Um olhar sobre o derradeiro auge do artista que, com sua imagem e genialidade, modificou para sempre a cultura mundial

Odair Braz Junior Publicado em 17/08/2007, às 16h05 - Atualizado às 16h30

O REI ESTAVA MORTO, anunciava um já grisalho cid moreira no jornal Nacional. "Elvis Presley foi encontrado morto por seu empresário. Com 42 anos, muito mais gordo e um casamento acabado, vivia sozinho em sua mansão do Presley Boulevard, em Memphis. Na solidão, sempre assistia ao filme que contava a história dele, Elvis Era Assim. Distante das glórias, dos palcos e das fãs, ele revivia os tempos em que era o Rei do Rock'n'Roll."

O tom dava a entender que não se ouvia falar de Elvis no Brasil há anos, como se o cantor tivesse sumido, como se seu último disco houvesse sido lançado décadas antes, como se não fizesse mais shows. Num tempo em que a internet não existia, era difícil encontrar informações precisas sobre qualquer coisa do exterior - ainda mais sobre um artista que não dava entrevistas e que não fazia apresentações fora dos Estados Unidos. A imagem que se tinha de Elvis, na cabeça dos brasileiros, era a de seus filmes dos anos 60, quando ainda estava bem fisicamente. Com sua morte, cenas de shows foram veiculadas e um cantor gordo, suado, vestido com macacões esdrúxulos, chocou e ficou gravado nos olhos e mentes do país.

Desde aquele 16 de agosto de 1977, quando foi encontrado morto no banheiro de sua casa, em Memphis (Tennessee), muita coisa mudou a respeito de Elvis Presley. Ele foi vilipendiado, idolatrado, materiais inéditos saíram e é o único artista do mundo homenageado com uma procissão à luz de velas.

"Memphis não liga muito para o Elvis. Acho que a cidade poderia se envolver muito mais com as comemorações, deveria estar inteira forrada com cartazes e coisas assim", é o que me diz Tad, o guia mais rock'n'roll que alguém poderia ter em Memphis. E a impressão é esta: andando pelo centro de Memphis, nota-se que nada acontece na semana das celebrações em torno da morte do Rei do Rock, a Semana Elvis. Na rua Beale, famosa e cheia de bares, há apenas cartazes afixados em algumas portas dando as boas-vindas aos seguidores presleyanos, só com a intenção de vender umas cervejas a mais.

Tad, por volta de 40 e poucos anos, fã de rockabilly, em seu Cadillac 1955 e com óculos lembrando os de Buddy Holly, vai me guiando e mostrando pontos que não são vistos por turistas desavisados que saem em excursões tradicionais. Me apresenta ao possível lugar onde Elvis teria perdido a virgindade, um prédio pequeno hoje abandonado na região central e que nos anos 40 e 50 funcionava como um bordel. A casa onde Johnny Cash viveu antes de fazer sucesso, o estúdio Stax, o lugar onde foi o estúdio American - palco de gravações históricas de Elvis -, uma das ex-moradas de Jerry Lee Lewis. Pura história do rock e altamente ilustrada. Vagar pelas ruas de Memphis é pisar em solo sagrado, um encontro constante com as origens de tudo o que se ouve hoje em dia, um tropeço atrás do outro em momentos e lugares que estão cravados para sempre nessa área que é o grande berço do rock'n'roll.

Ao longo da semana, os fãs disputam a tapa fotos ao lado de quem quer que tenha tido contato com o Rei. Linda Thompson, ex-namorada de Elvis que viveu com ele até 1976, hoje é uma senhora de 57 anos bem cuidada que escreve músicas para cantoras como Celine Dion e, volta e meia, faz pontas em seriados de TV. "Elvis era muito especial e sempre fazia de tudo para me agradar. Era muito mimado, mas não dava para resistir quando ele abria um sorriso com aquela boca maravilhosa", diz em sua palestra. Num espaço reservado para subcelebridades presleyanas, encontro June Juanico, ex-namorada dos tempos em que Elvis estava apenas começando a carreira de cantor. Assanhada, a senhora cumprimentava os fãs com selinhos.

No entanto, uma das sessões de autógrafos mais concorridas é a de Alfred Wertheimer. Fotógrafo responsável por algumas das imagens mais belas de toda a carreira de Elvis, ele acompanhou o astro em 1956 durante o auge de sua popularidade e o fotografou como ninguém jamais voltaria a fazer. Totalmente acessível, era só perguntar que o senhor contava com orgulho as suas experiências. Dias depois, lá estava ele, fotografando a procissão dos fãs.

A Vigília à Luz de Velas é um dos pontos altos de toda a Semana Elvis. A procissão acontece todos os anos, sempre na virada do dia 15 para o 16 de agosto. Fãs começam a chegar e as manifestações de carinho vão surgindo por todos os cantos na Elvis Presley Boulevard. Por volta das 21h30, os portões da mansão são abertos e a longa fila é formada, com as velas se acendendo umas nas outras. As pessoas parecem experimentar diferentes emoções. Alguns choram copiosamente, outras têm o sentimento do dever cumprido por fazer uma homenagem ao ídolo.

Embora pensem o contrário, Elvis Presley não nasceu em Memphis, mas em Tupelo, a uma hora e meia da cidade "oficial". A estrada até a pequena e sossegada cidade é cercada por árvores dos dois lados e, de vez em quando, aparecem algumas placas dizendo que ali nasceu Elvis Presley. Por lá, até hoje vivem parentes distantes do cantor. Um primo com alguns graus de distância, que era o xerife local, morreu há três anos num tiroteio. Mas ninguém ali fala muito da história e os Presleys não são de ficar conversando sobre o parente famoso.

Estão em Tupelo a primeira escola que Elvis freqüentou, um pequeno museu com peças raras e o casebre em que o cantor nasceu e viveu alguns anos com seus pais. Obviamente, a casinha branca de madeira já passou por várias reformas para se manter em pé como está hoje, mas as características originais foram mantidas. Uma velhinha com sotaque sulista carregado e que sempre morou em Tupelo é a guia da visita pela moradia que tem apenas dois cômodos. Pouco mais velha do que Elvis seria hoje, ela diz se lembrar das crianças que brincavam por ali: "Certamente, Elvis deveria estar entre elas, correndo para cima e para baixo. Eu devo tê-lo visto por aqui, mas não sabia quem era ele".

No Brasil, a imagem que prevalece de Elvis é a do cantor inchado, que esquecia as letras e balbuciava palavras sem sentido nas turnês de 1976 e 77. No final da vida, aos 42 anos, o rei experimentava os primeiros sinais da decadência, do acaso e do esquecimento que ele tanto temia. Mas quase ninguém no Brasil tomou conhecimento do que o cantor havia provocado no final dos anos 60. Oito anos antes de sua morte, ele reapareceria, reinventado, com um frescor que não se via em seus olhos desde os anos 50.

O ano era 1968. a revolução hippie estava no auge, Beatles, Stones, Dylan ditavam as regras. Elvis era passado. A juventude já não queria saber do sujeito que levou o rock para o mundo no meio dos anos 50. Era obsoleto demais. Algo precisava ser feito para devolver o trono ao seu rei. A saída foi criar um especial de TV que hoje é conhecido como 1968 Comeback Special. Coronel Parker, empresário de Elvis, queria fazê-lo apenas com músicas natalinas. Felizmente, na produção do programa havia Steve Binder, um diretor conectado com o que acontecia na cena musical da época. Binder mostrou as várias faces de Elvis e o colocou novamente na trilha do rock e das performances ao vivo, coisa que não acontecia havia oito anos. Totalmente vestido de couro preto, com uma forma física invejável e cantando com incrível prazer, Elvis mostrava uma vez mais por que era quem era. Nada mais de filmes, trilhas sonoras fracas, distanciamento do público. Elvis renasceu com uma vibração e energia que já pareciam ter desaparecido.

O especial resgatou canções do passado e mostrou os rumos que o artista tomaria a seguir. Ver Elvis interpretando-as com energia e vigor traz uma sensação demolidora capaz de afastar qualquer tipo de preconceito gerado pela grande leva de filmes ao longo dos anos 60. Mas um dos momentos mais prazerosos do especial é vê-lo reunido, também num pequeno palco, com alguns músicos para uma sessão acústica. Entre os convidados estavam o guitarrista Scotty Moore e o baterista D.J. Fontana, que já acompanhavam o cantor desde os anos 50. Ali, despido de qualquer produção, sem uma grande banda por trás, a essência do rock se fez presente de maneira palpável, sólida e indiscutível. Entre uma brincadeira e outra, sons, melodias, vibrações surgem da garganta e do violão de um jeito que o próprio Elvis já havia se esquecido ser capaz de produzir. É bem possível que o cantor tenha se surpreendido com o resultado que surgiu naquele dia, em um estúdio de Burbank, na Califórnia. Afinal, ele próprio, momentos antes de entrar para uma das gravações ao vivo do especial, declarou que queria desistir de tudo.

No dia 3 de dezembro, a rede NBC levou ao ar o programa, que conseguiu estupendos 42% de audiência. Com críticas positivas vindas de todos os lados, era mais do que evidente que Elvis estava de volta à ativa. Pronto para uma nova década que mais uma vez desafiaria a realeza do rock.

O poder de reinvenção foi um ponto crucial e pouco abordado da carreira de Elvis. O cantor passou por algumas grandes reinvenções, sendo a primeira delas quando adentrou a Sun Records, em Memphis, na avenida hoje conhecida como Sam Phillips Avenue, em homenagem ao dono da gravadora e um dos descobridores de Elvis.

Naquela exata calçada está a empresa que ajudou a construir e a gerar a história do rock. Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Johnny Cash, B.B. King, Carl Perkins, Roy Orbison, entre outros, estiveram ali, naquele local. Tiveram a coragem de entrar e mostrar ao curioso Phillips que tinham talento o suficiente para terem suas vozes registradas e colocadas num vinil para serem vendidas e tocadas nas rádios.

Oguia turístico da sun records e suas explicações me conduzem por uma minitour. Há equipamentos de época, instrumentos e roupas dos artistas que por ali passaram. Logo depois da porta que dá acesso à rua, ficava sentada Marion Keisker, a secretária de Sam Phillips, que pode ser considerada a pessoa que realmente descobriu Elvis. Foi Marion que marcou o rosto do jovem rapaz que em 1953 entrou para gravar "That's When Your Heartaches Begin" e "My Happiness".

Após a entrada principal e da sala onde Marion trabalhava, está a sala de gravação onde tudo acontecia. Extremamente simples, as paredes e o piso são os mesmos da época em que todas aquelas lendas ali estiveram. O microfone, o representante do estúdio conta que Sam Phillips garantia ser o mesmo utilizado por Elvis, Cash, Jerry Lee, entre outros. "Só, por favor, não o lambam como muita gente faz", pediu.

Ali, Elvis se transformou de um motorista de caminhão de uma empresa de eletricidade no primeiro grande ícone da cultura pop do século 20. Foi um passo abrupto feito para uma pessoa que não estava inteiramente preparada para o que viria a seguir. Esse primeiro impulso artístico, por assim dizer, acaba em 1958, quando ele entra no exército e retorna dois anos mais tarde. Em 1960, se dá a primeira reinvenção de Elvis diante dos olhos do público. De (involuntário) rebelde, revolucionário e transgressor, o cantor passa a ser um bem-comportado jovem adulto astro de filmes que, em geral, serviam apenas como veículos para divulgação de suas trilhas. As exceções exigem olhos e ouvidos atentos para serem encontradas.

O dinheiro fácil dos estúdios hollywoodianos e a venda garantida dos discos fizeram Elvis se acomodar por um tempo. Mas o espírito inquieto que comandava suas ações nos anos 50 decidiu que não era mais isso que queria. E 1968 foi o ano que marcou a virada. O show televisivo foi encerrado com a música "If I Can Dream", uma canção de protesto que pedia a paz entre os homens e, a partir daquele momento, Elvis jurou para si mesmo jamais gravar uma música na qual não acreditasse.

De 1969 em diante, ele expandiu seus limites e foi muito além do que se viu no especial de TV do ano anterior. Numa decisão controversa, o empresário Coronel Parker decidiu que o mais seguro seria colocar Elvis nos palcos de Las Vegas, a cidade dos cassinos onde estavam as pessoas endinheiradas. O cantor já não atingia mais um público jovem como antigamente, seus fãs haviam envelhecido e quem o acompanhava desde os anos 50 agora era quem tinha melhores condições para gastar com o ídolo.

A apresentação de retorno aconteceu no International Hotel, em Vegas, no dia 31 de julho de 1969. Vestido com uma roupa que lembrava um quimono de caratê, Presley subiu ao palco para uma apresentação como nunca havia feito. Requebrados, rebolados e passos espasmódicos do meio dos anos 50 não mais existiam. O cantor mudou seu jeito de cantar, sua postura de palco e a maneira de encarar o público. Era um novo artista quem estava ali, engraçado, sexy, bufão, encantador, energético, que sabia rir de si mesmo e que espalhava eletricidade pelo ar. Elvis simplesmente atraía todos os olhares com uma postura única, uma movimentação de palco inédita.

Muita gente acredita que o cantor adentrou os anos 70 já gordo e debilitado, o que é um tremendo engano. Nesse retorno aos shows, Elvis estava em plena forma, magro, elegante e saudável, uma exigência do ritmo puxado de shows, por vezes mais de um por dia. O repertório era composto por clássicos repaginados, como "Blue Suede Shoes", "Love Me Tender" e "Hound Dog", e novos sucessos, como "Suspicious Minds", com quatro minutos e meio de duração e que, ao vivo, chegava ao dobro disso. "In the Ghetto", uma das poucas canções de protesto gravadas por Elvis, também comparecia. Era um show novo para um Elvis que havia ressurgido das próprias cinzas para gritar ao mundo que seu trono não estava vago. A primeira temporada de Elvis em Las Vegas se mostrou um êxito estupendo, que o fez voltar todos os anos à cidade e lhe rendia US$ 1 milhão ao ano por apenas oito semanas de show.

No início de 1969, antes ainda de sua reestréia nos palcos, Elvis fez uma sessão de gravação histórica no estúdio American, em Memphis. As músicas que saíram dessa sessão compuseram o álbum From Elvis in Memphis, que não chegou a ser um estouro (vendeu 500 mil cópias), mas é um dos melhores trabalhos do cantor. Em agosto de 1969, "Suspicious Minds" atingia o primeiro lugar na Billboard com mais de 1,2 milhão de cópias vendidas, seu primeiro número 1 nos Estados Unidos desde 1962 (com "Good Luck Charm").

Para registrar o ótimo momento, gravou-se em 1970 o documentário chamado That's the Way It Is (Elvis É Assim), que mostrava a grandiosidade, a energia e a empolgação do astro nos shows em Las Vegas. Mas Presley não fazia apenas concertos em cassinos. Por todos os EUA, suas turnês nesse início de anos 70 foram vitoriosas. Prova inconteste foi o que ele fez em 1972, no Madison Square Garden, templo da Nova York cosmopolita, um teste de fogo para o cantor que nunca pertenceu a nenhum clublinho de artistas, nunca fez parte de uma "intelligentsia" norte-americana e que, muitas vezes, era considerado um caipirão ultrapassado. Os ingressos para os três shows se esgotaram rapidamente, o que fez com que fosse agendado um show extra. De 9 a 11 de junho de 1972, o público assistiu a quatro concertos, sendo que no dia 10 o cantor fez dois. Na platéia, nomes como Elton John e David Bowie.

A fase certeira foi coroada em 1973, quando o ídolo fez o Aloha from Hawaii, o primeiro show ao vivo transmitido via satélite para mais de 1 bilhão de pessoas. Foi um novo auge alcançado pelo artista. Em 1956 ele era o grande catalisador da música jovem, um estopim que geraria uma explosão incontrolável. Agora, no início dos anos 70, lá estava ele novamente mostrando que, às vezes, a história se repete de uma maneira inesperada.

O que mais o destino reservava a Elvis? Ele já havia experimentado os limites da fama, do dinheiro e da glória. Com a vida pessoal em frangalhos após o divórcio com Priscilla Presley, ele voltou a enfrentar um incansável inimigo chamado tédio. Com vendas de discos em declínio e uma vida cada vez mais reclusa, o ídolo ainda fazia shows lotados e, com muito esforço, lutava para entregar apresentações dignas de sua fama. Mas a decadência física, aliada a momentos psicológicos instáveis, acabaria levando Presley à morte em 16 de agosto de 1977. Morte que lhe garantiria a permanência no imaginário como uma lenda eterna.

Em memphis, a elvis presley enterprises (EPE), empresa que cuida do espólio do cantor, empurra o fã para o consumo em lojas especializadas em quinquilharias temáticas com o nome de Elvis impresso. Mas a verdadeira essência de uma viagem a Memphis está do outro lado da rua, em Graceland.

Tudo é kitsch dentro da mansão. O próprio Elvis caminhava por esta linha tênue que separa o cool do exagerado, o visceral do grotesco, o genial do mediano. Cada cômodo ali dentro exala Elvis ainda hoje. Paredes e tetos com carpete, sala de jogos com tecido forrando teto e paredes, outra sala com temática africana, entre outras excentricidades, podem parecer exageradas e até bregas. A casa é um retrato fiel de um modo de vida, de um jeito de ser. Andar pelos corredores deixa transparecer como Presley enxergava o mundo, as cores com as quais observava as coisas ao seu redor.

Se em cada cômodo vislumbra-se um pouco da personalidade contraditória, estranha e simpática de Presley, em sua vasta e densa obra musical percebe-se o resultado explícito da capacidade de um gênio criativo. Poucos artistas tiveram a chance de produzir material tão amplo e significativo que permaneça atual por tanto tempo. Certamente, há falhas e elementos passíveis de discussão, mas o que Elvis Presley realizou e conquistou de 1954 a 1977 são marcas do século 20 que se perpetuarão para sempre na cultura mundial. Definitivamente, não é pouca coisa para um caipirão.

O jornalista Odair Braz Junior escreveu o livro Elvis (2004, Editora Abril) e atualmente produz um documentário sobre os covers brasileiros do Rei do Rock.

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