Ray Kurzweil, profeta da euforia tecnológica, acredita que até 2045 os computadores irão nos ultrapassar em inteligência, o universo se tornará consciente e os humanos viverão para sempre
Por David Kushner Publicado em 22/04/2009, às 12h26 - Atualizado em 20/02/2013, às 16h17
O futurista mais radical do planeta se afunda em uma grande poltrona negra em um dos cantos de seu abarrotado escritório sentindo o jet-lag. Ele está pálido, o amarelo doentio de sua pele contrasta com o azul-escuro de seu amassado terno. Seu olhar cansado está fixo no chão e seus largos óculos de aro preto se agarram desesperadamente ao proeminente nariz. A coleção de estátuas de gatos - mais de 300 - ocupa cada superfície disponível na sala. Debruçado sobre a escrivaninha, cercado por seus felinos, ele parece mais um incomodado e esquisito contador do que o homem que tem sido aclamado como o verdadeiro herdeiro do criador da lâmpada elétrica, Thomas Edison.
Nas últimas quatro décadas, Ray Kurzweil se estabeleceu como um dos mais influentes inventores do mundo. Sua especialidade é o reconhecimento de padrões - ensinar máquinas a classificar e aprender informações. Ele criou o primeiro computador capaz de ler - à base do escaneamento moderno - e o primeiro programa capaz de transformar texto em fala. Stevie Wonder, amigo do cientista, costuma dizer que esta última criação mudou sua vida. Em 1983, com a ajuda de Wonder como conselheiro, nasceu o Kurzweil250 - um sintetizador que revolucionou o mundo da música com suas recriações absurdamente realistas de instrumentos acústicos de orquestra. Por suas contribuições no campo da inteligência artificial, Kurzweil entrou para o Hall da Fama dos Inventores e recebeu honrarias da Casa Branca das mãos de três presidentes - incluindo o maior prêmio de sua área, a Medalha Nacional de Tecnologia.
Mas nenhum de seus feitos abalou tanto a comunidade científica quanto sua última previsão. O estudioso acredita que, em um futuro não tão distante, as máquinas não irão apenas superar a humanidade em inteligência - irão também alterar irrevogavelmente o sentido do que significa "ser humano". Robôs de proporções celulares irão exterminar doenças de nossa corrente sanguínea. Dispositivos nano tecnológicos, operando em escala molecular, exterminarão a poluição de nossa atmosfera. Nossa mente, nossas habilidades, nossa memória e até nossa consciência serão arquivadas em computadores - permitindo que, em essência, vivamos para sempre, graças às informações salvas. "Hoje em dia achamos irresponsável não fazermos backup de nossos PCs", argumenta Kurzweil. "Mas, aos poucos, começaremos a fazer backup de nossos cérebros. As pessoas ficarão surpresas ao saber que ainda não podíamos fazer isso em 2010."
Kurzweil é muito específico no que diz respeito à data em que essa mudança de proporções épicas ocorrerá. Até 2045 máquinas e humanos irão se fundir, redefinindo a vida como a conhecemos. Esse momento é chamado de Singularidade, em referência ao termo usado na astrofísica para descrever o ponto dentro de um buraco negro onde as leis comuns da física não mais se aplicam. A fim de preparar a si mesmo e o resto do mundo para a era das máquinas conscientes, Kurzweil se tornou o principal profeta da vindoura Techno Rapture (uma espécie de versão tecnológica do "Arrebatamento", pregado por algumas vertentes do cristianismo). Ele viaja o mundo para se reunir com cientistas importantes, promove o Singularity Summit, encontro que atrai líderes de organizações como Google e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e desenvolve sua própria linha de suplementos nutricionais para estender a vida das pessoas até que chegue o dia em que a existência possa ser eternamente preservada pela tecnologia. Aos 61 anos, Kurzweil toma 150 de suas próprias pílulas todos os dias, determinado a viver tempo suficiente para estar presente no dia em que, graças às máquinas, deixará de envelhecer.
Dizer que sua previsão é controversa é minimizar o furor científico gerado por ela. Mesmo um pragmático como Bill Gates é capaz de se derramar em louvores à visão de Kurzweil, chamando-o de "a pessoa mais capacitada na previsão do futuro da inteligência artificial que conheço". Mas, para outros pensadores de vanguarda, Kurzweil foi longe demais, mergulhando em um fervor quase messiânico com suas promessas de vida eterna. "A Singularidade é uma nova religião - e do tipo bem maluco", salienta Jaron-Lanier, cientista de ponta da computação, pioneiro no ramo da realidade virtual. "A Singularidade é a chegada do Messias, o céu na Terra, o Armagedom, o fim dos tempos. E todo fanático acha que vai viver o suficiente para ver o mundo acabar.
Você lê esta matéria na íntegra na edição 31, abril/2009
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