A Garota do Momento

Por Rich Cohen

Publicado em 17/05/2011, às 10h21
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Quando tinha 12 anos, Jennifer Aniston ficou de castigo por não ser muito interessante. "O meu pai me falou que eu não tinha nada a dizer", conta a atriz, aos 27 anos. "Ele me mandou sair da mesa." A partir desse incidente, ela passou os anos da adolescência com a boca bem fechada, mas com os olhos bem abertos, fixados em telas, grandes e pequenas, em que atores, até aqueles que não têm nada a dizer, recebem falas e emoções. "Eu resolvi que queria ser atriz."

Crescendo em Nova York, Jennifer passou pelos anos de escola e por empregos, por cortes de cabelo e por atitudes. Em um momento, enterrava-se em livros e era muito inteligente; em outro, era coquete e impulsiva. Depois de terminar o ensino médio, ela foi para o oeste e apareceu em um punhado de seriados de televisão que acabaram sendo cancelados ou interrompidos. Mas ela não desistiu até que, há dois anos, conseguiu entrar para Friends, uma sitcom da NBC que se transformou em sucesso monstruoso e fez com que acontecesse aquilo que Jennifer sempre soube que aconteceria: fez dela a pessoa mais fascinante da mesa.

Durante a última semana de 1995, Jennifer estava em Aspen, no Colorado, a Meca das celebridades, rodeada por fãs e fotógrafos. Interessante é uma palavra que parece se ajustar a ela como um suéter coladinho. Hoje, arrastando os esquis na direção do primeiro teleférico do dia, ela tenta entender o que deu certo. "Estou estupefata", ela diz. "Quer dizer, você fica achando que é a pessoa mais desinteressante do mundo, e daí tudo isso acontece, e você tem que se perguntar: 'Será que alguma parte disto é real?'"

Assim como muitos de seus amigos, Jennifer foi moldada pelo divórcio. Quando criança, tudo era plácido em seu lar, um apartamento em Manhattan. Ela morava lá com o meio-irmão, Johnny Melick, a mãe, Nancy Aniston, que obteve um pequeno sucesso como atriz e modelo, e o pai, John Aniston, um ator que passou anos na pele de Victor Kiriakis, um vilão de lábios apertados na novela Days of Our Lives.

Quando tinha 9 anos, o mundo dela começou a se desfazer - seus pais se separaram. "Foi horrível", ela lembra. "Eu me senti absolutamente responsável. É o maior clichê, mas eu realmente achei que era porque eu não era uma boa filha."

Com a separação dos pais, Jennifer encontrou abrigo em sua imaginação. Mas o desejo de se tornar atriz só foi confirmado por um passeio ao teatro. "Fui ver Children of a Lesser God na Broadway", ela lembra. "Estava sentada na segunda ou na terceira fileira, e fiquei tão impressionada que saí de lá dizendo: 'É isso que eu quero fazer'."

Quando estava com 15 anos, Jennifer foi aceita pela High School of Performing Arts de Nova York, a escola em que garotos dançavam nas mesas no filme Fama. Depois de se formar, em 1987, passou cerca de um ano morando na casa da mãe. Fazer faculdade era uma coisa que não combinava com os planos dela. "Acho que eu perdi o lado pessoal da faculdade, como a coisa toda de amadurecer", Jenni fer fala hoje. Em vez disso, ela passava os dias fazendo audições e as noites trabalhando como garçonete. Enquanto Rachel, sua personagem de Friends, anota os pedidos no Central Perk, um café fictício em Downtown, Jennifer trabalhou no Jackson Hole, uma hamburgueria com ares pseudocaseiros no Upper West Side.

Quando completou 20 anos, ela foi para o oeste e se misturou ao tipo de ator que mora nas montanhas ao redor de Los Angeles e trabalha como mensageiro, recepcionista, o que for (Jennifer conseguiu um trabalho em telemarketing, "vendendo a minha alma", afirma).

Depois de um ano, ela se mudou para Laurel Canyon, um vilarejo de atores e roteiristas, onde conheceu muitas das pessoas que são suas amigas hoje. Nas casas de teto baixo que ladeiam o cânion, eles compartilhavam garrafas de vinho, lamentandose dos trabalhos perdidos e das oportunidades que tinham deixado passar. "Naquelas casas moravam todos os nossos amigos. E todo mundo cuidava de todo mundo. Nós nunca saímos da montanha. Nós éramos o povo da montanha."

Foi durante esses anos que a atriz conheceu o futuro colega Matthew Perry. Quando questionado a respeito do que o tempo lhe tinha ensinado a respeito da amiga, Perry aperta os olhos e brinca: "Que ela é a pior motorista da história dos motoristas. Quando sei que ela vai a algum lugar, fico em casa".

De vez em quando, as representantes femininas do povo da montanha iam para a floresta e faziam um círculo, que enchiam com velas e recordações pessoais, davam-se as mãos e conversavam. "As mulheres têm que ser mais legais umas com as outras", acredita Jennifer. "Tem tanta briguinha idiota que rola, e eu e as minhas amigas simplesmente começamos a fazer esse círculo. Eu me lembro de que, na primeira vez em que fizemos, tinha uma menina que ficou quieta o tempo todo e daí, no fim, ela só ficou lá chorando. Ela teve um tipo de experiência de uma iluminação enorme por estar com aquelas mulheres, e foi, tipo, as mulheres são fantásticas, principalmente quando estão juntas em um grupo, é muito bom, aconchegante e maravilhoso."

Durante todo esse tempo, Jennifer estava se esforçando para ser contratada como integrante regular de elenco em um punhado de programas e séries de TV mais ou menos, em que ela quase sempre interpretava a irmã chata. Nenhum programa vingou.

Olhando para trás, para o tempo em que ela vivia em anonimato entre anônimos, Jennifer fala do fracasso quase como se fosse uma coisa romântica, como algo que é necessário suportar - como uma ressaca. "A gente sempre sente falta de partes do passado", ela afirma hoje. "Naquela época, era uma coisa conhecida e segura, e agora não dá para saber o que vai aparecer na próxima esquina."

À medida que os meses foram passando, ela foi se transformando. A certa altura, Jennifer engordou - e foi da maneira que todo mundo engorda: sem ir a lugar nenhum, assistindo à televisão, comendo qualquer coisa, enfiando a colher no pote. "Eu comia sanduíches de maionese demais", Jennifer suspira. "Maionese com pão branco - a coisa mais deliciosa do mundo."

Um dia, pediram que ela comparecesse a um retorno de audição usando calça fusô e meia-calça. Antes da hora marcada, ela se encontrou com seu agente. Passando a mão pelas curvas roliças, brincou: "Bom, acho que isto aqui vai estragar tudo".

"E o meu agente disse: 'É, eu queria mesmo falar sobre isso com você'", ela conta. Durante os vários minutos seguintes, Jennifer ouviu seu corpo sendo discutido da maneira abstrata que as pessoas conversam sobre carros. "O meu agente foi muito direto", ela diz. "Foi a melhor coisa que ele fez. Era o lado nojento de Hollywood - eu não estava conseguindo muito trabalho porque era gorda demais."

Ao longo dos meses seguintes, a garota de Nova York deixou de lado a maionese e os lanchinhos antes das refeições. Depois de usar o NutriSystem, ela deu um testemunho no programa The Howard Stern Show. Acabou perdendo quase 15 quilos. "Foi surpreendente ver esta coisa aparecer", ela celebra, olhando para o peito. "Eu nunca soube que tinha este corpo dentro de mim."

Algo que foi oferecido à Jennifer Aniston magra e que provavelmente a Jennifer Aniston gorda nunca conseguiria era uma chance na nova comédia da NBC: no mundo arrumadinho e desejável de Friends, não há lugar para uma gorda. "Aconteceu tão rápido", ela relembra. "Eu entrei, li o roteiro, dei um monte de risada, fui para casa e, uma hora depois, tinha conseguido o papel."

Jennifer Aniston viajou a Aspen com todo um contingente de amigos. Não são os amigos do programa de TV, mas podiam muito bem ser. Eles são bonitos e simpáticos e vivem perguntando se você está bem. Eles somam 12, entre atores e escritores, hospedados em camas e sacos de dormir em uma casa nos limites da cidade.

Ela e seus amigos são como você e seus amigos gostariam de ser. Em uma situação em que você e seus amigos bebem cerveja, eles bebem vinho; em que vocês dirigem carros normais, eles dirigem utilitários 4X4. E a própria vida que eles levam - as audições, as leituras, as exibições - parece ter um brilho azulado, como um globo com uma luz dentro. Ouvindo a conversa casual deles, sendo que a madeira na lareira deles parece queimar com mais brilho do que qualquer madeira que já queimou, é difícil não imaginar que você está no cenário de um programa de TV, alguma das diversas imitações de Friends, digamos, em que não existe problema que não possa ser resolvido em 30 minutos. "Nós temos um problema", um dos amigos de Jennifer me diz. "O vinho está quente. Mas não se preocupe. Colocamos para gelar. Vai ficar bom daqui a uns 30 minutos."

Em Aspen, o grupo se reúne todas as tardes em um restaurante no meio da montanha. Eles almoçam, fazem piadas, conversam sobre a vida. Depois do almoço, todos pegam os esquis. Com casaco de esqui, calça stretch preta, gorro com pele e óculos de esqui, Jennifer dispara em um emaranhado de braços e bastões.

Quando ela desce a encosta, é extremamente agradável olhá-la. Os olhos dela, calorosos e alertas, parecem sempre prestes a identificar um velho conhecido. Mas ela não é assim tão simpática quanto seus olhos: eles lhe prestam um grande favor. O cabelo dela tem um tom castanho avermelhado e, apesar de não ser muito alta, ela tem a graça altiva e pernas longas de uma candidata a Miss Estados Unidos.

Em muitos aspectos, a viagem a Aspen é o debute de Jennifer como celebridade - suas primeiras férias como estrela indiscutível da cultura pop. Enquanto embarca no teleférico, é seguida por cochichos e sorrisos. Apesar de ser nova na turma das celebridades, ela já mostra o mal humor satisfeito de um veterano pronto para dar um pau nos paparazzi. "Tem gente com umas porras de umas câmeras no sopé da colina ou quando você sai de um restaurante", ela se enraivece. "Inacreditável. Outro dia, eu estava fazendo compras de Natal e, no fim de um longo dia, parei em um café para tomar um frapê", ela narra. "Estava pronta para entrar no carro, e parei. Dei a volta no carro bem devagar e um fotógrafo, é claro, se afastou. E eu disse: 'O que você está fazendo?' Ele respondeu: 'O meu trabalho'. Eu disse: 'Como assim, o seu trabalho?'", ela prossegue. "Eu compreendo que esse é o seu trabalho, mas você não faz ideia de como isso invade a minha vida. Na verdade, me deixa sem vontade de fazer o que eu faço. Quer dizer, nós vamos para o trabalho, nós adoramos o que fazemos, e fazemos isso para você, fazemos para que as pessoas se divirtam. Mas se essa é a repercussão... no meu dia de folga eu tenho que ver você com essa câmera na minha cara? Eu sei que é o seu trabalho, mas você realmente precisa pensar em como ele afeta as pessoas, porque realmente dá o maior desânimo."

Mais tarde no mesmo dia, depois de esquiar, Jennifer e seus amigos vão para casa para tomar uns drinques. Jennifer sai do quarto vestindo algo mais confortável. Está com uma camisa branca justa, em que seus mamilos se destacam como os picos de um mapa em relevo. Logo acima do peito, há um Mickey Mouse piscando - uma espécie de brincadeira de desenho animado.

A atriz se serve de uma taça de vinho e me conduz até o quarto dela, senta na beirada da cama e começa a falar. Então discorre sobre as pessoas e como realmente não sabem lidar com celebridades. "São intocáveis", ela diz, bebendo seu vinho. "Estão na tela, na revista, no cartaz, e é só fantasia - não é real. É tudo criado - quer dizer, até esta entrevista, é só oba-oba da mídia. Durante um tempo, eu aparecia nos tablóides o tempo todo, namorando esta ou aquela pessoa. Se a minha vida romântica fosse tão animada quanto eles diziam, eu bem que ia ficar feliz."

Jennifer faz uma pausa para pegar um cigarro. Da sala, dá para ouvir o som de copos tilintando. Ela acende um fósforo e a chama ilumina seu rosto. Pouco depois, algo me surpreende na nossa conversa. Parece que já tinha acontecido antes, e que estamos seguindo uma rota fixa. Talvez Jennifer já tenha aprendido o truque das celebridades de fazer com que todas as perguntas sejam a mesma pergunta, que todos os entrevistadores sejam o mesmo entrevistador, em que se entra no espaço de entregar a resposta como se fossem bombas desarmadas, fragmentos de nostalgia que têm o intuito de causar o menor dano possível.

"Tenho a sensação de que esta conversa já aconteceu", eu digo. "Eu estou fazendo as perguntas e você está dando as respostas, mas poderia ser qualquer jornalista e qualquer atriz."

"Isso é que é o mais fascinante", Jennifer fala e apaga o cigarro. "É quase um alucinógeno - você hipnotiza as pessoas com imagens, com o status de celebridade, com a fascinação que as pessoas têm pelas celebridades."

Ela se levanta, bebe o vinho que sobrou na taça e caminha até a janela. As montanhas estão desaparecendo na escuridão, como uma luz com dimmer. Ela olha para as montanhas, mas talvez esteja com medo de enxergar algo mais além - talvez um vislumbre de sua própria forma descendo a montanha, finalmente comprovando que sua desconfiança está correta, que em algum lugar lá fora, entre as lojinhas e os restaurantes baratos, esteja a pessoa que ela já teve medo de ser - a garota que não tinha nada a dizer.

Um mês se passou. Jennifer Aniston retornou à velha vida: a Califórnia, o trânsito, os calafrios antes das gravações. No cenário da sala falsa de Manhattan que ficou famosa em Friends, ela, David Schwimmer e Courteney Cox trabalham em uma cena que envolve pouco diálogo e muita movimentação. Do outro lado da parede da sala, no cenário do Central Perk, Matt Lauer, da NBC, entrevista integrantes do elenco para edições futuras do programa Today Show. Jennifer se aproxima e se junta aos colegas que esperam a vez para falar com Lauer.

Quando não estão ensaiando, os integrantes do elenco não se largam. Jennifer passa os dedos pelo cabelo de Matt LeBlanc enquanto Matthew Perry lhe dá um abraço por trás; então ela senta no colo de Perry e LeBlanc massageia seus ombros; então abraçada pelos dois lados, ela é ensanduichada entre Perry e LeBlanc.

"Ei", eu pergunto, "que negócio é esse de vocês ficarem se agarrando?"

"O que eu posso dizer?", Jennifer responde. "Nós simplesmente nos amamos."

Enquanto ela espera para ser entrevistada, o set está a toda de tanta atividade. Por todos os lados, pessoas se movimentam de maneira fluida. A cabeleireira do programa chegou de Manhattan, então todos, até os contrarregras e os assistentes de produção, estão lindos. As pessoas abordam Jennifer com perguntas. Ela responde maravilhosamente, como se estivesse mais interessada nas necessidades delas do que nas suas próprias. Nessas ocasiões, o interesse que uma estrela demonstra por um assistente se parece menos com bondade humana e mais com um tipo de atuação mais sofisticado, uma demonstração convincente de humildade, uma doação de atenção. "Eu simplesmente adoro este lugar", ela diz, olhando ao redor.

Alguns minutos depois, quando chega a vez de Jennifer falar com Lauer, ele pergunta de cara sobre o famoso corte de cabelo dela. Ela faz uma careta e diz: "Por que você quer saber do meu corte de cabelo?"

Ao lidar com essas coisas - ensaios, assistentes, Lauer -, a artista parece relaxada, mais de férias no trabalho do que estava em Aspen. Lá, ela parecia pressionada, como se estivesse se esforçando para se divertir. Aqui, ela se mostra quase exaltada, como se estar na TV realmente fosse a coisa mais divertida de todas. E é por isso que é tão difícil julgar sua capacidade de atuação. Em Friends, muito do que se vê não é criação do ator, uma coleção de motivações e técnicas, mas, sim, Jennifer Aniston de férias na frente da câmera.

Do outro lado da parede, os extras ainda estão repassando a cena, reproduzindo as ações de Jennifer, Courteney e Schwimmer. Da arquibancada vazia da audiência do estúdio, onde eu estou sentado, dá para ver os dois cenários ao mesmo tempo, como um diorama de museu, uma cruza de algum mundo estranho.

Enquanto isso, Jennifer Aniston termina com Lauer. "O que é isto?", ela pergunta quando vê a mão de Perry em seu ombro. Ela sorri, coloca a mão dele mais uma vez em seu ombro e acaricia o joelho dele. Ele esbugalha os olhos e dá risada.

Então ela se levanta e se afasta, e é deslumbrante de olhar.

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