<b>Beatle Revelado</b><br> John Lennon foi a “estrela guia” da <i>Rolling Stone</i> e suas entrevistas à revista norte-americana correram o mundo - Reprodução

Beatle Revelado

John Lennon foi a “estrela guia” da Rolling Stone e suas entrevistas à revista norte-americana correram o mundo

Andy Greene Publicado em 15/07/2017, às 16h18 - Atualizado às 16h30

Em 8 de dezembro de 1980, Annie Leibovitz chegou ao prédio onde John Lennon e Yoko Ono moravam em Nova York para fotografar o casal para uma capa da Rolling Stone. Pediu para os dois tirassem a roupa, um flashback da primeira capa deles para a revista, em 1968, quando apareceram nus para promover o álbum Two Virgins. Yoko recusou, mas Lennon aceitou e se despiu antes de deitar no chão perto da cama do casal e se aconchegar em posição fetal ao lado da mulher que chamava de “Mãe”. “Lembro que peguei a polaroid e Lennon ficou olhando para a foto dizendo: ‘É isto. Esta é nossa relação’”, Annie Leibovitz contou. Horas mais tarde, Lennon foi assassinado a tiros na frente do edifício.

A imagem (que em 2005 foi eleita a melhor capa de revista em 40 anos pela Sociedade Americana de Editores de Revistas) apareceu na capa da edição da Rolling Stone de 22 de janeiro de 1981. Foi o final doloroso de uma relação de 13 anos entre Lennon e a revista. Em suas entrevistas para a RS ao longo dos anos, ele foi incrivelmente aberto. Explicou o rompimento dos Beatles para o mundo, lutou contra as tentativas do presidente Richard Nixon de deportá-lo, compartilhou as histórias por trás de suas músicas e falou sobre tudo, da dieta macrobiótica que seguia à terapia do grito primal. Na Rolling Stone, Lennon viu uma revista que tinha suas mesmas paixões e visão de mundo; em troca, ele deu destaque à jovem publicação. “John, mais puramente do que qualquer outra pessoa na época, simbolizava o rock and roll”, afirma Jann S. Wenner, editor e publisher da Rolling Stone. “Era o herdeiro mais natural de Elvis. Tudo o que John e Yoko faziam para apoiar a RS tinha o brilho natural deles. Isso nos deu credibilidade e autoridade.”

O relacionamento começou com a primeira edição da Rolling Stone. Quando Wenner precisava de uma imagem para a capa da RS 1 (9 de novembro de 1967), viu uma foto publicitária de Lennon como o soldado Gripweed no filme Como Eu Ganhei a Guerra, de Richard Lester. “Era o dia anterior ao fechamento”, conta Wenner. “Era a melhor coisa que tínhamos à mão. Foi incrivelmente fortuito, simbólico e profético.”

Um ano depois, Wenner ouviu dizer que lojas de disco estavam vendendo Two Virgins dentro de um envelope marrom comum, comum, já que Lennon e Ono apareciam nus na capa do álbum. O editor emérito da Rolling Stone Ralph Gleason sugeriu que a revista entrasse em contato com o assessor de imprensa dos Beatles, Derek Taylor, e pedisse para ver as imagens da sessão. “Eles deram o ok e mandaram”, diz Wenner. “Foi simples assim.”

A capa – acompanhada por uma entrevista feita por Jonathan Cott – causou escândalo nacional. Mostrando Lennon e Yoko nus de costas (as imagens de nu frontal estavam nas páginas internas), chegou às bancas em 23 de novembro de 1968. O chefe dos correios de Nova Jersey impediu que exemplares chegassem a assinantes da Costa Leste. O funcionário de uma banca de São Francisco foi preso por vender o que foi chamado de material obsceno (“Beatle nu ameaça SF”, declarou uma manchete do jornal San Francisco Chronicle pouco depois). Wenner ficou exultante. “O negócio é o seguinte: publique um prepúcio famoso e o mundo baterá à sua porta”, escreveu na edição seguinte.

Lennon percebeu que a Rolling Stone era o veículo perfeito para se comunicar com os fãs. Escreveu uma narrativa do caos em torno do concerto pela paz que pretendia fazer em 1970, em Toronto, e, quando fez com Yoko Ono o Bed-in pela paz em Montreal, em 1969, o redator da RS Ritchie Yorke estava ao lado deles. “Era o início da relação entre John e Yoko e ele estava ansioso para fazer a própria declaração”, lembrou Yorke, que morreu em fevereiro. “Fiquei muito impressionado com o que ele estava tentando dizer.”

Um ano depois do Bed-in, Lennon e Yoko foram para a Califórnia para estudar a terapia do grito primal com o doutor Arthur Janov. Decidiram passar na redação da Rolling Stone, um loft minúsculo em cima de uma gráfica em São Francisco. “A redação ficou totalmente empolgada”, conta Wenner. “Os Beatles eram como deuses distantes. As pessoas não os encontravam por aí.”

Wenner e a então esposa, Jane, queriam mostrar a cidade ao famoso casal. O filme Let It Be, que narra as difíceis sessões em estúdio dos Beatles em 1969, estava passando em um cinema. Por acaso, nenhum dos quatro tinha visto o filme. “O funcionário da bilheteria olhou desconfiado”, conta Jane. “Quando Paul cantou ‘Let It Be’, John começou a chorar, então Yoko começou a chorar. Logo, todos estávamos chorando. Eles estavam muito sensíveis depois da terapia do grito primal.”

Nessa época, Wenner estava gentilmente insistindo para Lennon aceitar dar uma entrevista. Finalmente, no final de 1970 – oito meses depois de Paul McCartney anunciar o fim dos Beatles em um comunicado à imprensa –, Lennon decidiu que era hora de falar. Wenner foi chamado para ir a Nova York, onde Lennon e Yoko conversaram com ele durante quatro horas no escritório do empresário dos Beatles, Allen Klein. “Meu objetivo era conseguir a história dos Beatles do ponto de vista dele”, afirma Wenner. “A história do rompimento da banda não tinha sido contada ainda.”

O que ele conseguiu foi uma das entrevistas mais reveladoras da história do rock. Lennon mostrou lados de sua personalidade que o público nunca havia visto: adulto, claro e até um pouco amargo. Admitiu ter usado heroína, detonou o “mito” utópico dos Beatles e descreveu a separação da banda em detalhes chocantes: “Aquele filme [Let It Be] foi armado pelo Paul para o Paul. Esse é um dos principais motivos para o fim dos Beatles. Não posso falar pelo George, mas sei muito bem que ficamos cheios de ser coadjuvantes do Paul”.

A entrevista de 36 mil palavras, dividida em duas matérias de capa no início de 1971, foi notícia de primeira página em todo o mundo. O New York Times dedicou um grande espaço às frases mais explosivas, publicadas ao lado de um desenho surreal de Lennon tirando uma bola e uma corrente da cabeça. “Foi a primeira vez em que realmente tivemos um furo de reportagem”, lembra Wenner. “Foi a catapulta que nos fez grandes.”

A entrevista capturou Wenner e Lennon em momentos cruciais de suas vidas. “Eu tinha apenas 25 anos”, diz Wenner. “Ele tinha acabado de fazer 30. Estar nos Beatles não é uma experiência que você pode assimilar e compreender e colocar em perspectiva quando é tão jovem e ela simplesmente acaba. Paralelamente, eu ainda era um moleque aprendendo a fazer jornalismo.”

Nos anos seguintes, a revista ficou lado a lado com Lennon em sua nova causa: combater as tentativas do governo Nixon de deportá-lo por seus esforços antiguerra. A Rolling Stone publicou editoriais e cobriu a batalha legal detalhadamente. Em 1975, o pedido de deportação de Lennon foi revertido. “Não conseguiríamos ter feito isso sem vocês”, Lennon e Yoko escreveram para a revista em outubro de 1975. “Obrigado a todos que torceram e mandaram cartões, telegramas, presentes, etc., pelo grande evento triplo (decisão dos juízes/ bebê Sean/ no aniversário de JL)!!!”

No final de 1980, depois que Lennon tinha se afastado dos holofotes por meia década para criar o filho Sean, houve rumores de que ele e Yoko tinham concluído Double Fantasy e aceitariam dar uma entrevista no edifício Dakota. Wenner novamente deu a história a Cott. Lennon foi otimista e franco durante a entrevista, cheio de entusiasmo e opiniões fortes. “[A imprensa] só gosta das pessoas quando estão ladeira acima, mas quando chegam ao topo não tem nada mais a fazer a não ser cagar nelas”, afirmou Lennon. “Não posso ir ladeira acima novamente. O que querem são heróis mortos, como Sid Vicious e James Dean. Não estou interessado em ser a porra de um herói morto.”

Cott acompanhou Lennon e Yoko até o estúdio de gravação enquanto o casal trabalhou em uma remixagem de “Walking on Thin Ice”. Eles a concluiriam três noites depois, minutos antes de Lennon ser assassinado. “Na noite em que se conheceram, fizeram Two Virgins”, Cott lembra. “O primeiro e o último encontro deles foram colaborações musicais. Acho isso extraordinário.”

Como boa parte dos Estados Unidos, Wenner ficou sabendo da morte de Lennon pelo anúncio feito por Howard Cosell no programa de TV Monday Night Football. Ele atravessou em transe o Central Park para chegar ao Dakota e se juntar a uma multidão que lamentava o fato. “Houve alguma cantoria e gente segurando velas”, diz. “As pessoas genuinamente não sabiam o que fazer.”

Na manhã seguinte, a equipe da Rolling Stone começou a trabalhar em uma edição de tributo celebrando a vida de Lennon. “Estavam montando fotos [de capa] com retratos de John”, contou Annie Leibovitz. “Eu disse: ‘Jann, prometi a John que a capa seria com ele e Yoko’, e ele me apoiou. Falei que era a última promessa.” Nos anos seguintes, Wenner ficou próximo de Yoko e a Rolling Stone se tornou uma voz dominante na campanha contra armas de fogo. Mesmo após sua morte, Lennon ainda é uma parte importante da publicação. “Ele deu a benção a esta revista”, afirma Wenner. “E continua sendo uma estrela guia para nós.”

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