Pouco conhecido por aqui, Festival Tensamba promove a música brasileira nas distantes Ilhas Canárias
Por Bruna Veloso Publicado em 20/07/2010, às 04h54
Se fosse realmente possível comparar, daria para dizer que o Brasil é tão bem-sucedido na exportação de músicos quanto na de laranjas - sendo que há artistas que nem mesmo são conhecidos por aqui, mas que se sustentam lá fora. Mesmo sendo inegável o alcance da produção e do produto nacional no exterior, ainda existem surpresas: é o caso do Tensamba, um festival dedicado exclusivamente à música brasileira nas Ilhas Canárias, território espanhol no Oceano Atlântico, mas com proximidade geográfica maior ao continente africano (o arquipélago é colado à costa do Marrocos).
Muita gente nem mesmo sabe onde fica o arquipélago, mas a ligação com o Brasil é antiga: La Laguna, em Tenerife, a maior das sete ilhas principais, é a cidade natal do Padre José de Anchieta, um dos fundadores do município de São Paulo. Foi lá que Tomás Lopez Perea Cruz e Antonio Paiz resolveram transformar a paixão pela cultura verde e amarela em um festival, em 2004. "Essa história do Padre Anchieta foi um motivo para os políticos aceitarem o festival", explica Tomás, que começou a maturar a idéia do Tensamba no início dos anos 2000, depois de vir ao Brasil e visitar a casa de Milton Nascimento. Dos cerca de Ð 300 mil (quase R$ 700 mil) gastos na produção, calcula Tomás, boa parte vem de verba pública local. Outra porção vem da TAM, o único patrocinador privado, que fornece passagens aéreas para músicos e organizadores. A companhia, fundada no Brasil, afirma que um patrocínio como esse faz parte de "um projeto de internacionalização" da marca, que também ajuda a bancar turnês internacionais de artistas como Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto e Maria Rita (esta última, uma das atrações do Tensamba em 2010). O evento começou pequeno, com apenas um dia de shows; atualmente, em sua sétima edição, as atividades se estendem por um período de mais de 40 dias, sempre tendo o grosso do calendário em maio. Além de shows, oficinas, exibição de filmes (este ano, o público pôde assistir a Tom Zé - Astronauta Libertado, Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei e Vinicius) e festas gastronômicas nas Ilhas, há eventos isolados em cidades como Madri, Barcelona, Londres e Paris - e agora, pela primeira vez, duas datas no Brasil: no Rio de Janeiro, com Fabiana Cozza, e em São Paulo, com Pedro Lima e Rodrigo Campos, no último mês de abril.
"A relação com o Brasil começou com mais força recentemente. A embaixada sempre teve um apoio institucional, mas o Brasil não conhece o Tensamba", explica o brasileiro Pedro Autuori, coordenador de produção do festival. Se hoje a parceria com o país que fez nascer o evento ainda é rasa, a intenção é fazer com que os laços se estreitem daqui para a frente. A organização acaba de firmar uma parceria com o Fórum da Música de Minas Gerais, que bancou parte das passagens para a ida do instrumentista Pereira da Viola e do veterano do sambarock Marku Ribas ao festival. "Talvez possamos fazer, no futuro, um palco Minas. Mas também tivemos algumas reuniões para ver se conseguimos trazer artistas de outros estados, não só de música, mas de outras manifestações artísticas", completa Autuori.
A concepção de festival do Tensamba é diferente: por ser espalhado por diversos locais, em dias esparsos, não há um sentido de unidade, como em outras grandes maratonas. Em um dia, o público assiste à apresentação de DJs em uma praça de Puerto de La Cruz, uma das principais cidades turísticas de Tenerife; no outro, a atração é o show As Lendas da Bossa Nova (nome dado pelos organizadores à reunião, realizada especialmente para o festival, de Joyce Moreno, Roberto Menescal, Danilo Caymmi, João Donato e Clara Moreno), no nababesco Auditório de Tenerife, na capital da ilha, Santa Cruz, a 40 minutos de Puerto. Por isso, é quase impossível conferir toda a programação, ainda que as atrações se repitam em cidades distintas. Maria Rita, por exemplo, se apresentou em Madri, Barcelona e Londres, mas não foi às Canárias, como fez em 2009.
O nome do arquipélago parece reforçar a proximidade com o Brasil, mas, nesse caso, a ligação não é fundamentada: "Canárias" nada tem a ver com os canários, apesar de o local ser habitat dos pequenos passarinhos amarelos que também servem de apelido para a seleção brasileira de futebol. A palavra, na verdade, vem de "can", "cão" em espanhol, já que os colonizadores se surpreenderam com a quantidade de cachorros selvagens nas Ilhas, que hoje abrigam a raça presa canário. Mas há outros pontos de conexão entreas Ilhas e o país. Em Puerto de La Cruz é possível ver alguma semelhança arquitetônica com as construções do Pelourinho,na Bahia, o que lá são chamadas de "casas canárias": casas de pé-direito alto, com pequenas sacadas e grandes janelas de madeira. O clima - em maio, quando na Europa ainda faz frio, as temperaturas estavam acima dos 20 oC - e a enorme quantidade de turistas (é possível identificar pelo menos um alemão por metro quadrado) também fazem menção a grandes cidades do litoral brasileiro.
Mesmo com tantas semelhanças, até artistas experimentados se surpreendem com a possibilidade de se apresentar nas Ilhas Canárias. "A gente faz muito o chamado circuito de Elizabeth Arden - Roma, Paris, Nova York, Londres -, além de Tóquio, que é um polo de música brasileira incrível. Mas as Ilhas são um lugar completamente fora dos padrões", diz Joyce Moreno, uma diva da bossa nova mais conhecida internacionalmente do que no próprio Brasil. "Isso é uma demonstração da vitalidade da música brasileira. Deixa muito claro que é uma música forte, que influencia músicos no mundo inteiro."
Joyce e seus companheiros, As Lendas da Bossa, fizeram um belíssimo show no Auditório, mas não conseguiram casa cheia. Cerca de 600 pessoas assistiram à apresentação, menos da metade da capacidade total do lugar. "É a entrada mais cara, lá sempre tem o preço meio salgado. É uma pena, a gente luta contra isso, mas eles insistem em cobrar € 25", lamenta Pedro Autuori, concluindo que um ingresso equivalente a R$ 60 é inviável nas Ilhas. Como saída, boa parte da programação do festival é gratuita - cerca de metade de tudo que foi feito até hoje pôde ser conferida de graça pelo público.
Foi o caso dos sets dos DJs brasileiros Tahira, Marcelinho da Lua e Pureza, e do DJ local Ivam, que lotaram a Plaza Del Muelle, banhada pelas águas do Atlântico, em Puerto de la Cruz. Márcio Faraco e Philippe Baden Powell, filho do lendário violonista, também fizeram show gratuito, para uma sala cheia em Santa Cruz. Os dois moram na França, e personificam o exemplo de artistas pouco conhecidos no Brasil que, não conseguindo viver de música no país, buscam oportunidades no exterior.
"No Brasil, o direito autoral é praticamente inexistente, em comparação à França", explica Márcio, gaúcho que se mudou para a Europa na década de 90, pouco depois de ter participado do primeiro disco de Cássia Eller. "A gente sabe quanto cada rádio francesa vai pagar de direito autoral. Lembro que chegou a ter uma rádio que me pagava € 170 quando tocava uma música minha. Cada vez que eu me escutava no rádio, comprava um sapato", ri o cantor, compositor e violonista, que vê o Tensamba como mais uma oportunidade de mostrar a música brasileira para platéias distantes e inexploradas.
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