Com o disco O Passo do Lui, lançado há 30 anos, o Paralamas do Sucesso iniciou uma trajetória destinada ao estrelato. Sem tempo para nostalgia, eles celebram a carreira de olho no futuro
Pedro Antunes Publicado em 11/09/2014, às 14h22 - Atualizado às 14h26
Durante as madrugadas de junho de 1984, um Herbert Vianna de recém-completados 23 anos tentava de todas as maneiras encontrar uma forma de transpor para a guitarra que tocava as texturas criadas por Andy Summers (The Police) e os solos precisos de Eddie Van Halen (Van Halen). A sonoridade descoberta por Vianna a partir dessas experimentações, ao lado do baterista João Barone e do baixista Bi Ribeiro, definiu tudo o que o Paralamas do Sucesso viria a fazer ao longo das três décadas seguintes, trazendo elementos de reggae e ska ao pop rock brasileiro – e fazendo dos três amigos uma das maiores bandas ainda em atividade no território nacional.
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Os versos criados por Vianna naquele período, ao longo dos meses que separaram as gravações de Cinema Mudo (1983), primeiro disco do Paralamas, e O Passo do Lui (1984), marcaram profundamente as gerações seguintes. Se no álbum de estreia o amor aparecia como um tiro de raspão ou ganhava tons jocosos, no segundo, o vocalista e guitarrista aceitou aquilo que ele gosta de chamar de “vômitos emocionais”: compor “sem tentar articular tanto, rasgando o peito e colocando para fora tudo da forma mais cruel e direta”. Das dez músicas do álbum, apenas duas não falavam de amor – e uma delas, a faixa-título, era instrumental. “Era um momento da vida, mesmo”, diz o principal compositor do trio. “Aquela evolução da adolescência para os primeiros passos da juventude, um olhar para as perspectivas da vida.”
Menos de um ano depois das gravações de Cinema Mudo, Vianna, Ribeiro e Barone se viram novamente diante do número 151 da Rua Mena Barreto, no Botafogo, Rio de Janeiro, às portas do complexo de estúdios da extinta gravadora EMI-Odeon. O trio se sentia preparado para fazer uma segunda tentativa, um novo disco que deveria (e precisaria) mudar tudo para eles dali em diante. O primeiro álbum, gravado e lançado em 1983, foi uma decepção para os integrantes do Paralamas do Sucesso. “Iríamos arriscar tudo”, lembra Barone, hoje com 51 anos. “Ou ficaríamos felizes com o resultado ou voltaríamos para a universidade.” Em três semanas, eles saíram de lá com O Passo do Lui, lançado em agosto de 1984 e um estouro em todos os sentidos: em vendas (surpreendentes 250 mil cópias); em número de hits (oito das dez faixas tocaram à exaustão nas rádios: “Óculos”, “Meu Erro”, “Fui Eu”, “Romance Ideal”, “Ska”, “Mensagem de Amor”, “Me Liga” e “Assaltaram a Gramática”); e no ânimo daqueles jovens que estavam prestes a serem aclamados como a melhor banda brasileira de pop rock daquela geração, consagrados após duas históricas apresentações na primeira edição do festival Rock in Rio, realizado em janeiro de 1985.
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Diferentemente daqueles estúdios de 30 anos atrás, o cômodo no qual o trio se encontra semanalmente é quase claustrofóbico de tão pequeno – como o que existia na casa da avó de Ribeiro, dona Ondina, onde foram realizados os primeiros ensaios do Paralamas do Sucesso. Ali, há o espaço para a bateria, um computador para gravações e algumas pessoas em pé. Vianna, Ribeiro e Barone sentam em semicírculo ao redor do gravador posicionado no centro do estúdio, um antigo quarto transformado em local de ensaio e gravações preliminares no mesmo prédio onde mora o baterista, no Jardim Botânico, também no Rio. Na antessala, entre livros e fotos, estão quatro gramofones do Grammy Latino, recebidos entre 2000, com o Acústico MTV, e 2007, quando a banda foi homenageada com um prêmio honorário pela Academia Latina da Gravação.
O Paralamas do Sucesso segue até o final do ano com a turnê 30 Anos, iniciada em 2013 e comemorada com o recente lançamento do CD e DVD Multishow ao Vivo – Os Paralamas do Sucesso 30 Anos. O show percorre a carreira da banda desde Cinema Mudo, mas isso não faz a banda gostar mais do primeiro álbum. “Quando falam ‘o seu álbum de estreia, O Passo do Lui...’, eu penso: ‘Ainda bem, ninguém lembra do primeiro disco”, ri Barone. Foi o ímpeto de “apagar” o trabalho que fez com que a banda voltasse ao estúdio em junho de 1984. Para o segundo disco, os garotos conseguiram um espaço no estúdio A, o principal do complexo da EMI-Odeon, mas em um horário ingrato: das 21h às 6h. Algumas das faixas que seriam registradas ali, como “Meu Erro” e “Óculos”, haviam sido executadas em shows da primeira turnê, mas vinham dessa segunda safra de composições nascida da cabeça de Vianna. “Foi muito rápido”, relembra Barone. “O Herbert veio com essas músicas ótimas, que têm início, meio e fim, sabe? Como os primeiros discos dos Beatles.”
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Se em Cinema Mudo a interferência da gravadora era evidente – e importuna, de acordo com integrantes –, as gravações do segundo álbum fluíram com extrema liberdade, quase como um reflexo do momento de transformação, esperança e euforia pelo qual passava o país após os anos negros da ditadura militar. Dois meses antes, a cidade de São Paulo havia testemunhado a maior passeata do movimento Diretas Já, com 1,5 milhão de pessoas nas ruas. Dentro do estúdio, a banda podia fazer o que bem entendesse, como usar as tapadeiras que isolavam o som da bateria para criar uma espécie de rede de vôlei. “Marcávamos a quadra com fita crepe”, diverte-se Ribeiro. “Também jogávamos futebol com uma bola criada com jornal amassado”, completa Barone. Vianna sorri ao lembrar das partidas. E era possível jogar apenas com três pessoas? “Não, em duplas”, ele responde, deixando despontar um sorriso jovem no rosto de 53 anos. “Sempre tinha algum amigo ou até gente da diretoria da gravadora que ligava e avisava que passaria à noite para jogar”, Barone explica. “Era uma anarquia.”
Ali, no mesmo estúdio em que, quase 10 anos mais tarde, o Nirvana gravaria o embrião do disco In Utero (1993), o Paralamas criou um clássico em três semanas. Barone diz que a banda nunca gostou de ficar “enrolando” em estúdio. Como consequência disso, explica o baterista, existem poucas sobras e gravações não aproveitadas pelo grupo, algo que os atrapalhou quando procuraram reunir material para os extras da caixa com a discografia completa deles, que deverá chegar ao mercado até o final do ano pela Universal Music.
Dos três integrantes, Herbert Vianna é o menos falante – uma das consequências do grave acidente de ultraleve que sofreu em Mangaratiba, há 13 anos, no qual morreu a esposa dele, Lucy Needham Vianna. Quieto, mas não menos intenso. É ele quem traz o nome de Lucy à tona, por duas vezes, durante o encontro. Em uma delas, os três integrantes faziam o exercício de recordar a profissão que, quando crianças, sonhavam ter – Ribeiro se imaginava veterinário, enquanto Barone variava entre arqueólogo, biólogo e tenista. Vianna queria ser piloto. “Eu posso começar”, fala o cantor, ao tomar a palavra para si. “Como decorrência de o meu pai ser oficial militar e, mais do que tudo, piloto, voei desde moleque em vários aviões e equipamentos diferentes, dependendo da base onde vivíamos.” No quarto de infância, não havia um pôster do Elvis Presley ou outro artista, mas sim uma coleção de aviões em miniatura das duas guerras mundiais. “Era completamente obcecado com isso. Até que em um determinado momento, e aí existe um paradoxo, quando eu pensava em prestar o exame para o curso científico de pilotagem em Barbacena [Minas Gerais], me dei conta de que precisava usar óculos”, continua o vocalista. “Tu queria ser aviador, mas não conseguiu por causa da lupa?”, indaga Barone, sobre os acessórios que deram origem a um dos principais hits de O Passo do Lui, “Óculos”. “Rendeu, por outro lado, o fato de eu, quando pude começar a voar, ter perdido o amor da minha vida, mãe dos meus três filhotes.” O corpo pode não responder da mesma forma que antes – Vianna perdeu o movimento das pernas e parte da massa encefálica –, mas os olhos são ávidos e observam os detalhes com atenção. Ele se interessa em saber detalhes da discografia dos Beatles que será relançada em vinil, com áudio em mono, e menciona Renato Russo e o auxílio dado por ele na divulgação do rock de Brasília.
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Vianna está sempre compondo e, segundo Barone e Ribeiro, novas músicas devem começar a aparecer ainda em 2014. Eles não sabem em qual formato serão lançadas – disco, EP, single –, mas é certo que em breve estarão nos shows. A ideia, conta Barone, é testá-las ao vivo. “Já estamos burilando. Temos material inédito do Herbert e estamos nessa fase embrionária.” Fora isso, o formato da apresentação deve seguir sem muitas alterações. “Vamos continuar com a mesma coisa, tirando o nome 30 anos, porque não vai dar para parar. Já entendemos que não vai”, revela o baixista. Atualmente, o show costuma ter no set list seis músicas de O Passo do Lui.
Apesar de toda a maré de sucesso desencadeada pelo segundo álbum da carreira, o lema do Paralamas do Sucesso, repetido à exaustão, é estar “mais próximo dos 80 anos do que dos anos 1980”. E pretendem continuar assim. “Derramar melancolia não seria, de maneira alguma, a nossa intenção”, diz Vianna. “Nós ficamos alegres de ter coisas impressas na memória e no emocional das pessoas, mas a melancolia está fora.” A longevidade do Paralamas do Sucesso surpreende, embora não devesse. Não há grandes conflitos internos na banda, explicam eles. “A gente sempre teve os nossos papéis e egos muito bem resolvidos”, analisa Ribeiro. Existe uma cumplicidade que emana do trio, muito provavelmente intensificada após o acidente de Vianna. “Se a gente conseguiu chegar até aqui, está tudo lindo”, diz Barone, que fez vigília ao lado da cama do hospital do companheiro
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Enquanto Vianna e Ribeiro eram amigos dos tempos em que moravam em Brasília, Barone chegou à banda depois. “Eu conheci os dois ao mesmo tempo”, diz ele. “Já tinha visto o Bi na universidade. Ele tinha aquele cabelão enorme, meio hippie. E o Herbert era um nerd que parecia ter saído de uma sitcom norte-americana, com uma camiseta do Mickey e aqueles óculos pretos. Mas foi o melhor cara que eu havia visto tocando guitarra.” Barone e Ribeiro entram em um fluxo contínuo de lembranças sobre as peripécias da adolescência, de como o baterista substituiu Vital (aquele que, depois de ter comprado uma moto, “passou a se sentir total”) e os acasos que colocaram os três juntos, como irmãos de vida. Vianna interrompe, com os olhos marejados. “Essa nostalgia doce. E essa leveza...”, diz ele, a com voz embargada por um novo vômito emocional que não escolhe hora ou lugar. A banda não quer saber de olhar para trás e busca deixar a melancolia longe, como diz Vianna, e os palcos sempre perto. Mas, quando se tem mais de três décadas de convivência, é difícil fugir das memórias. “Elas me fazem aumentar a umidade relativa do ar local.
Passando a borracha
Ao gravar O Passo do Lui, o Paralamas do Sucesso quis esquecer o primeiro disco da carreira
Em abril de 1983, o Paralamas do Sucesso assinava o primeiro contrato profissional com a gravadora EMI-Odeon, após a fita demo da banda com a versão embrionária de “Vital e Sua Moto” passar a tocar na rádio Fluminense FM, no Rio de Janeiro. Naquele mesmo ano, sairia o disco de estreia do grupo, meio às pressas, com o título de Cinema Mudo. O resultado, contudo, não agradou ao trio. “Não tínhamos experiência nem rodado o suficiente para ter convicção de qual rota a gente queria percorrer”, diz Herbert Vianna. Ainda jovens e recém-contratados, os três se arrependem das cessões às pressões dos executivos da gravadora. “Falavam para colocar isso ou aquilo, um refrão em ‘Vital’. A gente não queria, mas acabamos fazendo”, conta Bi Ribeiro. O ambiente impessoal no estúdio também acuou os então garotos, que sequer podiam mexer nas mesas de gravação. Com o relativo sucesso comercial, com 90 mil cópias vendidas e mudanças na direção artística da gravadora, eles puderam voltar ao complexo de estúdios em menos de um ano. “A gente estava com uma ressaca desse primeiro disco”, confessa o baixista. O Passo do Lui, lançado em 1984, trouxe menos ecos e teclados do que a estreia, algo que enfim satisfez o trio. “Queríamos gravações com maior frescor, mais imediatas, e com menos harmonização”, lembra Vianna.
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