David Bowie: The Last Five Years revela que ele tinha um senso de humor matador
Andy Greene Publicado em 08/01/2018, às 11h25 - Atualizado às 11h26
Em outubro de 2015, David Bowie decidiu encerrar o tratamento contra o câncer quando soube que a doença havia se espalhado irremediavelmente. Na mesma semana, foi até um galpão no Brooklyn, Nova York, para gravar o videoclipe de uma música então nova, “Lazarus”, nome de uma figura bíblica que Jesus trouxe de volta dos mortos. Bowie passou o dia deitado em uma cama hospitalar enquanto câmeras o capturavam com uma gaze envolta na cabeça. “Olhe aqui para cima, estou no céu”, uivou. “Tenho cicatrizes que não podem ser vistas.”
Imagens daquele dia e lembranças de quem estava ali compõem uma das cenas mais cruciais de David Bowie: The Last Five Years, um novo documentário revelador dirigido por Francis Whately – que retratou o período dourado do artista nos anos 1970 em David Bowie: Five Years, de 2013. O filme, que estreia na HBO EUA em janeiro, conta o último capítulo de Bowie, aquele no qual ele emergiu de uma longa pausa para criar dois álbuns brilhantes e um musical off-Broadway – ao mesmo tempo que enfrentou uma doença que lhe tiraria a vida apenas dois dias depois do lançamento de Blackstar, em janeiro de 2016. “Ele queria que seu ato final fosse memorável”, diz Whately. “E uma maneira de lidar com a dor do tratamento e com a consciência do que aconteceria era se manter ocupado.”
O projeto enfrentou vários desafios. Embora Whately tenha conseguido fazer muitas imagens de Bowie para seu primeiro documentário, teve pouquíssimo material para trabalhar enquanto explorava a fase final do cantor, que ficou cada vez mais recluso nesse período, sem dar entrevista alguma ou se apresentar. “Passei muitas noites em claro pensando: ‘Como vou preencher 90 minutos sem imagem alguma?’”, conta. “Fiquei realmente preocupado.”
Ele precisou usar a criatividade. Reuniu as bandas que tocaram em The Next Day, de 2013, e em Blackstar, pedindo que tocassem e compartilhassem suas lembranças das sessões ultrassecretas. Registrou os músicos de Blackstar no 55 Bar, o mesmo clube de jazz no centro de Nova York onde Bowie os viu se apresentar antes de convidá-los para tocar no álbum. O guitarrista Ben Monder diz que não sabia que o cantor estava doente enquanto gravavam. “Mesmo ignorando tudo isso”, conta, “fiquei impressionado com a energia e animação dele.”
Whately também passou um tempo com Tony Visconti, produtor frequente de Bowie de 1969 até Blackstar, que compartilha demos inéditas das últimas sessões. O momento mais arrepiante vem quando ele toca o vocal isolado de “Lazarus”, que permite ouvir cada fôlego que o cantor retomava com dificuldade entre os versos.
“Ele está nesta música... neste momento”, afirma Visconti. “Durante os quatro ou cinco minutos em que cantou, colocou a alma naquilo.”
Cenas de bastidores dos videoclipes de Bowie foram outro baú de tesouros. As imagens são intercaladas com análises de amigos – o diretor de videoclipes Johan Renck discute o significado do astronauta esquelético, personagem que o cantor encomendou para “Blackstar”. “É o Major Tom?”, questiona Whately. “Não tenho como saber, mas ele com certeza queria que você acreditasse que era. É o personagem que lhe trouxe sucesso, então a ideia de um de seus últimos videoclipes ter o Major Tom tinha todo sentido.”
Frequentemente, Whately usa conceitos e referências presentes nas últimas músicas de Bowie como gancho para voltar a momentos anteriores da carreira dele nos quais esses conceitos foram explorados. Ele liga o tema “celebridade” de “The Stars (Are Out Tonight)” à dificuldade que o cantor sentiu a vida inteira com a fama. “Queria olhar para o período final dele através do prisma do passado”, diz. Também há um longo prólogo centrado na turnê Reality, de 2003/2004, que acabou prematuramente quando Bowie sofreu um infarte quase fatal logo após sair do palco em um festival na Alemanha. Cenas de turnê daquela época o mostram brincando com a banda e visitando uma parada de caminhões em Montana, a certa altura competindo com o guitarrista Earl Slick para pegar bichinhos de pelúcia em uma daquelas máquinas com garras. “O senso de humor dele estava a toda”, lembra Slick. “Não era o David que eu havia conhecido no começo.” Em um momento hilário, Bowie vasculha fitas cassete em uma liquidação e encontra uma de seu projeto paralelo Tin Machine, de 1989, e uma de Lodger, de 1979. “Devem ser álbuns que ninguém comprou, então vieram parar aqui”, comenta.
Whately considera o filme um tributo a um artista que encontrou algumas vezes durante sua longa carreira na BBC. Somente após o lançamento de Five Years é que sentiu uma ligação pessoal. “Perto do fim da vida, escreveu querendo saber como eu estava”, conta Whately. “Ele me disse: ‘Estou muito feliz com a vida que tive e com o novo disco. O que mais se pode querer?’ Aquilo realmente mostrou a dignidade dele.”
Tributo Épico
Bandas de Bowie se reúnem para uma turnê emotiva
De todos os shows em homenagem a Bowie que aconteceram após a morte do cantor, nenhum chegou perto de Celebrating David Bowie. Ele reuniu muitos dos melhores músicos de turnê do cantor, incluindo a banda completa de sua última turnê, A Reality Tour, para tocar suas músicas, com um elenco estrelado de convidados, como Sting e Perry Farrell. Com apresentações em apenas cinco cidades do mundo, foi um evento breve, mas comovente, especialmente para os músicos no palco. “Fiquei o tempo inteiro pensando ‘não perca a compostura’”, conta o guitarrista Earl Slick, que tocou com Bowie em vários períodos por quase 40 anos. A turnê foi um sucesso financeiro e volta em fevereiro para passar por 28 cidades com uma escalação que inclui Slick, Adrian Belew, do King Crimson (que tocou em Lodger), e o tecladista do Spiders from Mars, Mike Garson. O produtor Angelo Bundini diz que haverá um novo set list, mais arriscado: “David era famoso por não ser nostálgico. Desta vez, vamos seguir seu comando sendo mais Bowie futuro do que Bowie passado. É o mesmo catálogo amado, mas com uma abordagem totalmente nova.”
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