Dez dias no encalço do magnata que quer comandar os Estados Unidos como se o país fosse uma de suas empresas
Paul Solotaroff Publicado em 21/10/2015, às 16h45 - Atualizado em 20/01/2017, às 14h19
“Ei, você conseguiu vir, que bom te ver!”, diz Donald Trump ao sair do trono em que está sentado, em seu avião, prestes a levantar voo em Nova York. Ele passa pelo meu assento para me cumprimentar. “Você já deu uma volta por aqui? Não? Mas que coisa! Venha, vou te mostrar.”
Eu o sigo até o salão do Boeing 757, passando por poltronas com as fivelas dos cintos de segurança folheadas a ouro e o brasão da família costurado em cada apoio para a cabeça. “Nada mau, concorda?”, pergunta o empresário e aspirante ao posto de presidente dos Estados Unidos, me levando pelo corredor até a cabine de comando. “Comprei do Paul Allen e o reformei de cima a baixo. É maior que o [avião oficial da presidência] Air Force One. Sabia que ele apareceu no Discovery Channel como o jato mais luxuoso do mundo?” (Na verdade, não é maior que o Air Force One e apareceu no Smithsonian Channel, mas isso mostra que, como em muita coisa que Trump fala, as pinceladas grossas importam mais do que os detalhes.) Depois da decolagem, rumo a Hampton, New Hampshire, eu o vejo no salão, lendo anotações. “Preciso me concentrar”, ele diz. “Depois do comício, teremos muito tempo para conversar.” Parece justo, embora tenhamos passado horas em seu escritório e eu ainda não tenha conseguido fazer nenhuma pergunta sobre política, tendo recebido a garantia de que abordaríamos “todas essas coisas” mais tarde. Sento para assistir à cobertura da campanha e ele me pergunta se sei o que são inversões. “Ahn, não”, respondo, achando que receberei um tutorial sobre padrões de vento a 30 mil pés de altitude. “É quando empresas deixam os Estados Unidos e levam consigo milhares de bons empregos. O que você acha disso, parece justo?” “Bom, não, não parece”, respondo, “mas o que você faria com relação a isso em seus primeiros 100 dias?” “É, preciso me lembrar de falar sobre isso hoje à noite, mas estou ocupado agora! Tenho de me preparar!” Ele afunda em suas anotações, marcando um trecho com caneta. Não se passam nem 60 segundos antes que olhe para mim novamente. “Sabia que New Hampshire tem um problema enorme com heroína? Qual é o motivo, na sua opinião?” Respondo que provavelmente tem a ver com o analgésico controlado OxyContin e estudantes roubando o armário de remédios dos pais. Eles ficam sem comprimidos e descobrem que saquinhos de heroína são mais baratos. “É? Bom, o que é pior para você, heroína ou comprimidos?” Explico que ambos são derivados do ópio, que é horrível de qualquer forma. “Hunh! Interessante. Não sabia disso. Tenho que voltar para minhas anotações!” (Em uma coletiva de imprensa, uma hora depois, o candidato responde a uma pergunta sobre heroína em New Hampshire dizendo que “provavelmente começa com OxyContin, pelo que escutei”.) Ficar frente a frente com Donald Trump é ser cortado e interrompido por seus raciocínios que se desviam ou de repente viram perguntas no meio do caminho. Só que, como aprendo em Hampton, nada disso importará assim que ele subir ao palco. No segundo em que os holofotes o atingem, Trump encontra sua voz de maestro. Além disso, dirá exatamente as mesmas coisas fora do roteiro que falou em Michigan dias antes, tudo de cor, palavra por palavra. Você pode lamentar a mensagem dele, mas jamais conseguirá dissuadi- lo. É como tentar deter um 757.
Em junho, Donald John Trump desceu a escada rolante do átrio de cinco andares em mármore rosa do reluzente prédio Trump Tower, em Manhattan, para declarar sua candidatura à presidência dos Estados Unidos. Desde então, tem sido zombado e criticado, adorado e adulado e, até muito recentemente, desconsiderado como um sonho febril do segmento mais conservador do Partido Republicano. Subindo ao palco da extrema direita com um discurso inflamado e irracional – segundo ele, as pessoas que atravessam a fronteira do país são “estupradores” e “assassinos” que rotineiramente cometem “um número enorme de crimes” –, Trump domina a corrida presidencial. Mas é preciso lembrar: cerca de um terço dos republicanos registrados que provavelmente votarão no ano que vem diz que nunca o apoiaria. No meio de toda a histeria, o que frequentemente se ignora são as qualidades que fi - zeram Trump chegar até aqui. Ele dominou o mercado imobiliário de Nova York durante décadas, construiu os próximos grandes paraísos para os super-ricos no litoral de Dubai e Istambul e liderou a audiência de TV no horário nobre por mais de dez anos com o reality show The Apprentice. Ao longo de dez dias e vários encontros, consegui espiar por trás das cortinas de sua bravata e imagem e enxergar o homem muito bem. O que vi foi sufi ciente para levá-lo a sério. Se você está esperando que Trump exploda em um zepelim de gafes e discursos de ódio, pode tirar o cavalinho da chuva. Donald Trump está aqui para ficar – e ganhando força e impulso a cada momento. Quando aterrissamos em New Hampshire e entramos em um colégio de Hampton em sua carreata de limusines SUV, ele é abordado por repórteres ávidos por respostas. Trump ignora as perguntas – Iraque, Rússia, imigrantes – para falar às centenas de pessoas espremidas do lado de fora, que não conseguiram entrar, mas ouvem pelos alto-falantes, e para as outras milhares sentadas no saguão. “Construí um patrimônio de mais de US$ 10 bilhões. Sou um homem de negócios... É desse pensamento que nosso país precisa. Pegar nossos empregos de volta da China e do Japão e do México... Olhem para a China... Devemos US$ 1,4 trilhão para eles... porque somos comandados por gente que não faz a mínima ideia. Honestamente, acho que somos liderados por estúpidos.” Ali, nessas palavras, está a campanha dele. Sou forte; os políticos são fracos. Falo a verdade e nunca volto atrás; eles mentem e acenam a bandeira branca para nossos inimigos. Eles nos despiram de tudo; eu vou nos reconstruir e fazer este país ser temido no mundo inteiro. Tudo o que ele balbucia é uma versão disso, com uma roupagem ou uma referência diferente – e Trump diz essas coisas ao povo, sua “maioria silenciosa”, que deseja ouvir palavras assim desde Richard Nixon. “Ele transmite uma mensagem de poder e coragem sem qualquer prova dos fatos – ou seja, sem [ligar para] política”, afirma Steve Schmidt, o sábio e experiente republicano que observa Trump com fascínio crescente. Cerca de uma semana antes do comício em Hampton, fui convocado para ir ao escritório do empresário na Trump Tower. Ele me oferece uma cadeira perto da mesa de mogno que ocupa. Atrás do homem há um busto de Ronald Reagan. Em um encontro anterior, ele desconversou quando tentei arrancar algum fato sobre seu passado. Como inúmeros jornalistas antes de mim descobriram, não há um jogo de perguntas e respostas com ele. Em vez disso, você faz uma pergunta, dá um passo para trás e o vê começar, esperando que, no monólogo que se segue, Trump aborde ao menos obliquamente seu tópico. Desta vez, ele se abriu sobre seu pai, falando bastante e com sentimento. Fred Trump, o segundo de uma linhagem de magnatas que se fizeram sozinhos (o pai dele, Friedrich, ficou rico na corrida do ouro em Klondike, vendendo alojamento, comida, bebida e, possivelmente, mulheres para hordas de mineradores), tinha o dom peculiar da família: podia ver o futuro e derrotar todo mundo ao persegui-lo. “Quando o carro foi lançado, as casas não tinham garagens”, conta Donald Trump. “Meu pai percorreu todo o Queens, construindo garagens nos anos 1930, e fez isso como ninguém. Tinha muita energia e visão, trabalhava sete dias por semana e gostava disso, foi feliz na vida. Vi gente tirar férias e se sentir péssima. Ele fi cava duas horas na praia conosco aos domingos e voltava ao trabalho.” Ele prossegue, animado. “Aí vai uma história que nunca contei. Quando eu estava construindo a Trump Tower, meu pai fi cou do outro lado da rua e disse: ‘Não use vidro e bronze, use tijolo. É melhor, mais barato e ninguém se importa com a parte externa. As pessoas só querem saber do tamanho dos armários!’” Trump ri e balança a cabeça em um espanto sarcástico. Aliás, ele já contou essa história muitas vezes, segundo Gwenda Blair, autora da biografia Donald Trump: Master Apprentice. “É parte do que faz”, diz Gwenda, “ficar se gabando e repetindo: é o que se chama de construção de marca, e ele é incansável nisso”.
Donald Trump se levanta da cadeira em seu escritório e me chama para ir até as janelas que vão do chão ao teto. Enquanto estamos ali, centenas de metros acima das ruas de Nova York, olhando para os turistas minúsculos, penso em perguntar: como, a partir deste ponto de vista, ele enxergou os corações de homens brancos mal empregados? Como soube que eles ficavam indignados com o livre comércio, imigrantes e republicanos gordos que os enganaram durante décadas? Como adivinhou que tinham misturado em suas mentes essas insatisfações para explicar a queda nas vagas na indústria, e que tudo o que realmente queriam, além da volta desses empregos, era que alguém esmurrasse os amadores que representam o partido – como Jeb Bush e Scott Walker e Karl Rove? “A ferida em que colocou o dedo”, digo, “é que o povo vê esses políticos e diz: ‘Este é de propriedade de David Koch, este é do Sheldon Adelson’, e aí olham para você...” “Meu dono é o povo!”, Trump brada. “Sabe, vou te dizer, não sou nenhum anjo, mas vou cumprir o que prometo!” Só que a resposta à minha pergunta paira no ar – especificamente, no sotaque de Trump. Ele conviveu com operários e aprendeu a falar como eles ao acompanhar o pai até canteiros de obra. Tem as mesmas construções de frase de gente simples e elaborou sua mensagem expressamente para o ouvido dessas pessoas. Em Hampton, vi a multidão imensa ferver quando ele atacou a ganância corporativa. “Quando o chefe da Ford me ligar e falar: ‘Senhor presidente, realmente queremos construir esta fábrica no México’, responderei: ‘Vou cobrar de você 35% de imposto sobre cada carro e caminhão e peça que for importada!’ ‘Você não pooode fazer isso, presidente!’ Confie em mim, posso – e o que acontece é que, até o fi m do dia, eles provavelmente cederão.” Não importa que o cenário de sonhos tenha sido alterado na fala de Trump, que omite que só o Congresso pode definir novos impostos: o lugar inteiro balança como se estivesse sobre patins. É essa a postura que permite a ele exibir sua riqueza e vendê-la como prova de que está do lado do povo.
Na primeira vez em que nos encontramos, Trump me levou a entender que sua candidatura havia custado pouquíssimo até aquele momento. Algumas despesas com combustível do avião e salário para as equipes dos eventos, mas nenhum gasto com publicidade ou voos fretados. “Achei que gastaria US$ 10 milhões em anúncios, mas até agora não paguei nada por isso”, diz. “Apareço tanto na TV que seria estúpido fazer comerciais. Além disso, os programas são mais eficazes do que os anúncios.” Ainda assim: Barack Obama gastara cerca de US$ 1,6 milhão por dia em sua primeira corrida presencial, em 2007, na fase da campanha que Trump está prestes a vivenciar. O preço pode ter duplicado nestes últimos oito anos, embora Trump tenha reduções de despesa (avião próprio, sem gastos com publicidade), então talvez só desembolse US$ 1 milhão por dia. Só que Obama arrecadava dinheiro com a mesma velocidade que gastava, enquanto Trump mal levantou um dedo (no último relatório, havia recebido US$ 100 mil para a campanha, ou cerca de 5% do que já gastou). Ele realmente está preparado para desembolsar US$ 30 milhões por mês, e mais ainda quando a campanha avançar? A política é uma empreitada de risco máximo e baixo retorno, na qual US$ 5 bilhões serão gastos no total neste ciclo das campanhas, a maior parte dessa quantia por candidatos com chances ínfimas. Trump entrará pra valer em sua aposta consigo mesmo ou recorrerá, em algum momento, às pessoas que denuncia – o pessoal dos fundos de investimento e influenciadores que financiam os supercomitês de ação política de seus rivais – e silenciosamente fará as pazes com elas? Aqui está o dilema que Trump enfrenta enquanto se prepara para uma disputa longa e árdua. Ele fez sua marca como a exceção a cada regra: o contador de verdades sombrias, o homem rico demais para ser subornado. Qualquer desvio, qualquer vacilo lhe custará muito mais do que custaria a, digamos, Bush ou Ted Cruz. Por quê? Porque a principal alegação de Trump é a de não ser essas pessoas. No dia em que seus apoiadores duvidarem disso, ele começará a se desfazer.
Depois do comício em hampton, Donald Trump está exultante. De volta ao avião, ele se senta à mesa de jantar no centro da grande cabine, olha para a imensa televisão de 57 polegadas sintonizada na Fox News e vê notícias do comício que acabou de fazer enquanto devora o jantar. Com a gravata azul afrouxada, ele relaxa para comentar o noticiário. Na TV, cortaram para um trecho com Scott Walker, o governador do Wisconsin que parece um robô antiquado. Walker é elogiado pelo âncora por seu estilo “lento, mas constante”, enquanto Trump rebate: “É, é lento mesmo! É isso o que já temos: leeento”. Os funcionários à mesa de reunião gritam e riem; o chefe, no entanto, só está esquentando os motores. Quando o âncora pergunta a Carly Fiorina sua reação a Trump, a expressão dele vira uma carranca de criança descontente enquanto a câmera dá um close na candidata. “Olha a cara dela!”, ele grita. “Alguém votaria nisso? Dá para imaginar uma coisa dessa sendo o rosto de nossa próxima presidente?!” A risada diminui atrás dele. “Quer dizer, ela é uma mulher e eu não deveria dizer nada ruim, mas qual é, pessoal. Isso é sério?” Aí, em resumo, está a benção e a maldição de Trump: ele parece não saber parar enquanto está ganhando. Os instintos que o levaram a liderar as pesquisas e o mantêm muito acima dos outros são os mesmos que o deixaram em maus lençóis com ex-esposas, parceiros de negócios, canais de TV, supermodelos e muitas outras mulheres famosas. Enquanto isso, você pode dizer o seguinte sobre o homem: ele cumpre uma promessa de campanha, pelo menos na sobremesa. Depois do jantar no avião, Trump caminha até a cozinha para pegar um doce. Vasculha o armário, onde seus amados biscoitos Oreo ficam – ele havia dito que não os comeria mais desde que o fabricante resolveu transferir uma planta de produção dos Estados Unidos para o México. Pega o pacote de biscoitos, olha com carinho por um momento e o devolve à prateleira, inteiro. Voltando à poltrona com alguns biscoitos de outra marca, ele me flagra olhando e resmunga: “É sério: chega de Oreo para o Trump! E você pode escrever que falei isso, se quiser”.
O ataque aos maus ricos, aos usurpadores e exportadores de empregos é um dos golpes de mestre da campanha de Donald Trump. “Existem senadores voando de Washington para Nova York e fi z contribuições [financeiras] a todos”, afirma o empresário. “Por quê? Porque eram negócios: quando os visitei, foram gentis. Se eu tivesse dito ‘não’, depois retomasse contato e alegasse que precisava de ajuda em um código fiscal – nem pensar. Isso não é bom para nosso país, mas é o sistema, e o público o entende melhor do que ninguém.” Suas heresias não param por aí. Trump pediu aumentos de impostos para os ultrarricos como ele mesmo e uma ampliação típica de tempos de guerra no orçamento do Departamento de Defesa. Como, no entanto, ele aprovaria essas propostas em um Congresso comandado pelo próprio partido que está traindo? Por enquanto, o “como” não importa. Se nada mais resultar de sua campanha, ele terá feito aos eleitores norte-americanos um favor, mostrando à direita raivosa que o Partido Republicano é comandado somente por e para os muito ricos.
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