Flora Matos, Karol Conka, Lurdez da Luz e outras rappers estão mudando a cara do hip-hop nacional
Aline Oliveira Publicado em 19/03/2015, às 16h20 - Atualizado em 25/08/2015, às 18h01
Elas versam sobre sentimentos em canções. Vestem-se como bem entendem, sem se importar com opiniões alheias. Expõem desejos sexuais e de consumo. É assim que a atual geração de rappers brasileiras está se apresentando no hip-hop: como protagonista.
Parece óbvio e natural, mas não é. Até pouco tempo atrás, a voz feminina no rap quase não ressoava por aqui. Ainda não é comum escutar o nome daquelas que são consideradas precursoras no país – como a MC Dina Di –, ao passo que, no universo musical do hip-hop, sempre se ouviu o que os homens tinham a dizer sobre o sexo oposto.
“Foram construídos arquétipos da mulher no rap”, acredita a rapper Lurdez da Luz. “Quando falam bem, ela é a santa, aquela que dá à luz e merece respeito. Ou então não se pode confiar em mulher, porque ela só quer dinheiro. A gente está além disso”, defende.
Lurdez lançou o primeiro trabalho solo, homônimo, em 2010, mesmo ano em que Dina Di morreu. A MC ainda hoje é considerada uma referência. Integrou o grupo Visão de Rua, no início dos anos 1990, e é lembrada por muita gente como “a primeira e a maior de todas”, como define Flora Matos, que tinha 1 ano de idade quando Dina Di iniciou sua carreira, em 1989. “A cena era, certamente, muito mais carente de mulher e ela já trazia um discurso muito verdadeiro, corajoso, carregado de atitude e força.”
É de autoria de Flora, em parceria com a rapper Karol de Souza, a música “Tem Quem Queira”. Contundente, a letra fala sobre a liberdade da mulher nas relações amorosas. “Nossa intenção naquele momento era traduzir o que a gente achava e o que não achava saudável em uma relação, contrariando alguns padrões. Era o momento de gritar que a gente é livre”, afirma Flora.
Composições afiadas também são facilmente encontradas nas canções de Karol Conka. Na música “Sandália”, por exemplo, há versos como “hoje ela não vai voltar, nem a espere pra jantar/Deixa ela, deixa!”. “Acho que existe uma jaula na cabeça da gente, das mulheres, e precisamos nos libertar disso cada vez mais”, opina Karol. “A mulher sempre teve vontade de falar as coisas que estão hoje nas letras de rap. E acho que é essa a nossa força, de mostrar que ela não precisa se importar muito, que pode chegar de batom e saia, fazendo rap-pop ou gangsta.”
Chegar de batom e saia também é uma conquista recente para as mulheres no cenário do hip-hop. Nos anos 1980 e 1990, via-se muitas mulheres vestidas de forma masculinizada – não porque queriam, mas por pressões externas. “Antigamente, a gente ia no rap e não usava short, saia... Iam todas disfarçadas de mano, todo mundo de calça larga. Era estranho ver uma mulher no rap de saia. Hoje em dia, não: vai todo mundo de salto. Todas lindas, divas, maravilhosas, Beyoncé”, observa a rapper Bárbara Sweet.
Bárbara protagonizou, em 2014, um dos momentos mais memoráveis da Batalha do Santa Cruz, tradicional rinha de MCs que ocorre em São Paulo. A resposta dela a um MC que tentou desvalorizá-la pelo fato de ser mulher ganhou muita repercussão. O vídeo tem mais de 700 mil visualizações no YouTube e a rapper conta que até ouvintes de outros países chegaram a entrar em contato.
Para ela, um dos motivos do sucesso das imagens foi a identificação. “Quantas mulheres já não ouviram esse tipo de xingamento sobre o feminismo, sobre a feminilidade delas? Nem precisa ser no contexto da batalha, mas no dia a dia, na vida. E quantas tiveram a oportunidade de responder, e responder com força, com poder?”, questiona a rapper, cujo discurso é, conscientemente, feminista. Quanto mais mulheres a gente vê empoderadas, fazendo aquilo que a gente acredita que deve ser fazendo aquilo que a gente acredita que deve ser feito, mais força teremos”, completa.
O empoderamento feminino passa pela questão da representatividade. “Você traduz um sentimento”, diz Bárbara Sweet. “Eu amo Racionais. O último disco eu escutei, durante muito tempo, quase todos os dias. Mas quando eu ouço, por exemplo, a Flora, a Karol Conká, a Karol Souza, a Lívia Cruz e tantas outras minas, eu me sinto representada. Sinto que sou eu ali também, é diferente. É outro contexto.”
Por mais que nem todas as letras das rappers tragam, claramente, um discurso panfletário sobre o tema, o fato de elas exporem ideias e sentimentos sem ressalvas e com total liberdade repercute de forma positiva no público feminino.
“A gente pode cantar o que quiser, quando está com raiva, quando está apaixonada, indignada com o preconceito. E isso está fazendo a diferença”, completa Mariana Feitosa, integrante do Pearls Negras, trio que despontou no ano passado com a música “Pensando em Você”.
“Há muitas letras que escrevo que são apaixonadas, são letras de amor. E acho que era isso que faltava, a visão da mulher”, diz Lurdez da Luz. “Antes, a gente estava como coadjuvante. Agora, somos protagonistas.”
Andrea Bocelli ganha documentário sobre carreira e vida pessoal
Janis Joplin no Brasil: Apenas uma Beatnik de Volta à Estrada
Bonecos colecionáveis: 13 opções incríveis para presentear no Natal
Adicionados recentemente: 5 produções para assistir no Prime Video
As últimas confissões de Kurt Cobain [Arquivo RS]
Violões, ukuleles, guitarras e baixos: 12 instrumentos musicais que vão te conquistar