Touré Publicado em 22/09/2008, às 17h42
São duas da tarde de uma sexta-feira. fergie Ferg está no Pastis, um bistrô francês situado no charmoso Meatpacking District, a zona dos frigoríficos em Nova York, que foi invadida pelas galerias de arte e restaurantes e virou point. Ela sentou-se na rua, o que é arriscado nessa área em que há sempre celebridades circulando - agorinha mesmo, Penélope Cruz deu uma olhada ao seu redor e sumiu - o que significa... paparazzis à espreita.
Uma estrela sexy, loura, com um hit nas paradas, "London Bridge", que é 1/4 de um dos maiores grupos de hip hop do mundo, o Black Eyed Peas, com um namorado famoso (o ator Josh Duhamel, da série Las Vegas) - tudo isso é um chamariz perfeito para os franco-atiradores da fotografia. Nesse exato momento, há um do outro lado da rua, fotografando Fergie com uma poderosa lente zoom. Mas ela está muito ocupada inventando palavras. "Às vezes, você não entende o que digo porque tenho meu próprio vocabulário, meu próprio dicionário."
Questionada se faz o estilo menininha, responde: "Não sou alguém que se encaixa em apenas uma categoria. Às vezes, até posso ser menina e em outras, sou uma mulher, feminina, sensual. Depende do meu humor. Gosto do equilíbrio entre essas duas Fergies". Essa contradição natural de Stacy Ferguson, 31 anos, explica porque em um momento ela está de moletom e tênis Adidas para, logo em seguida, ser "a Dama", de salto alto, soprando beijinhos e com olhos de Betty Boop que piscam.
Criada em um subúrbio da Califórnia, nos arredores de Los Angeles, ela tinha tanto amigos ratos-de-praia, fãs de Guns N' Roses, como outros que escutavam rock antigo e saíam para azarar ou se aventurar na noite. "Sempre fui bem eclética", garante. Stacy é a mulher dos enigmas. Era boa garota, estudante nota 10, uma pessoa que, assumidamente, "não sabia dizer não" e tornou-se viciada, em agradar e em meta-anfetamina. O piercing que usa na sobrancelha direita é o presente que se deu quando abandonou o vício, há cinco anos. Hoje em dia, não toma drogas pesadas, mas ainda bebe.
Outras contradições: Fergie está num grupo de rap, mas seu primeiro CD solo, The Dutchess, certamente não é um álbum de rap. Aliás, ela nem se considera uma rapper. The Dutchess inclui uma variedade de sabores, do divertido não-rap de "London Bridge" e "Fergalicious", inspirado no Supersonic de J. J. Fad, a baladas de R&B pós-transa, rocks e grooves de coloração reggae. Fergie faz rimas, canta, fala cantando, pára no meio de "Clumsy" e começa a discursar. Ela faz o que quer. Faz porque é inclassificável. "Apenas presto uma homenagem a artistas como Roxanne Shanté, Monie Love, Salt-n-Pepa, J. J. Fad - mulheres que respeito para caramba." Fergie ama hip hop, mas se diz uma outsider. "Eu também já fui fascinada pelo gangsta rap", diz, enquanto beberica uma caipirinha. "Escutava todas aquelas histórias barra-pesada de Los Angeles, vendo tudo de fora. Venho de uma geração assim, é por isso que um monte de gente se identifica comigo: eles também viram aquilo tudo. Assistindo a tudo, mas sem realmente viver aquilo. Então não havia aquela influência negativa, aquela coisa de armas e tudo o mais."
Hoje Fergie está usando óculos imensos, tipo olhos de inseto, veste uma saia bem curta, cinza, shorts de malhação e uma gargantilha com a réplica de um minúsculo soco-inglês. Os longos cabelos louros um pouco abaixo do ombro estão soltos, bagunçados - aquele estilo não-fui-ao-cabeleireiro. Ela examina o cardápio até que seus olhos se detêm no ravióli de cogumelo com sálvia e nozes, na manteiga temperada com vinagre e alcaparras. A Duquesa é uma garota mignon, um manequim 40 que malha todo dia e encomenda as refeições a um serviço de diet-delivery para não se preocupar com o que está comendo. Mesmo assim, é uma briga manter a dieta que, em geral, ela interrompe ou trapaceia. Lambe os lábios e diz, "Manteiga Temperada." Em seguida, pensa em voz alta... "Ferguson, comporte-se"! Pede, enfim, um frango, nada de manteiga de qualquer espécie.
Stacy nasceu e cresceu em Whittier (Califórnia) e, aos 4, 5 anos adorava dançar e representar na frente do espelho. "Ela estava sempre dançando para todos", diz a mãe, Terri Jackson. "Nós íamos a festas e ela, de repente, improvisava um palco e começava a cantar, dançar e fazer poses." Taboo, parceiro no Black Eyed Peas, conta: "No hotel, Fergie dança sozinha, sempre. Falo com ela, que responde: 'Estou dançando !' Com quem? 'Comigo, cara!' E continua seus movimentos por pura diversão".
Aos 6 anos, Stacy descobriu os shows. "Assisti Tina Turner na segunda fileira, com o meu pai. Ela apontou para mim! Foi demais! Adoro a energia crua de Tina. Essas primeiras impressões logo te dão a pista de como as coisas devem ser. Peguei muito disso para mim, no estilo." Aos 7, ela descobriu o que mais queria na vida: "Eu ia gravar um disco e pronto", lembra. "Contei para a minha mãe. Ela disse: 'OK, desde que você tenha boas notas'."
Ainda criança, Fergie fez comerciais para TV, foi a voz de Sally e depois de Lucy em vários especiais do Charlie Brown e Snoopy, participou de episódios da série Married with Children (Um Amor de Família) e, aos 8 anos, começou a fazer um show de variedades, o Kids Incorporated. "Lá estava eu, atrás do microfone, aprendendo técnicas vocais. Era uma pequena adulta. Tinha de ser muito profissional no estúdio, não podia ter chilique. Fazia cara de que tudo estava sob controle e não deixava ninguém saber quando algo me incomodava de verdade."
Aos 20 anos, ela e duas garotas do Kids formaram uma banda, a Wild Orchid, e lançaram dois álbuns pela RCA que de-ram em nada. Ela queria gravar um disco solo, mas não sabia como falar isso para as garotas, porque a mania de querer ser legal com todos marcou a ferro a personalidade de Fergie. Num dos últimos shows do Wild Orchid, elas abriram para o Black Eyed Peas."Tomei coragem, entrei no camarim e me aproximei do Will.i.am, dizendo: 'Logo vou sair desta banda e gravar meu próprio disco, pode anotar'."
A semente estava lançada, mas enquanto a Orchid ia morrendo, Fergie entrou em depressão e se refugiou na cena clubber. Tomava um pouco de ecstasy. Depois, montes. "Começou apenas no fim de semana, mas me especializei em usar o tempo todo", lembra. "Minhas amigas e eu nos arrumávamos, saíamos para os clubes, voltávamos para casa, vestíamos casacos de peles fake e óculos, alugávamos limusines - usando nossas economias - e íamos para o clube Garage, que abria às seis da manhã. E então, dançávamos até meio-dia. Aí, me 'graduei' em anfetamina e a coisa mudou: ia para a balada às quatro da matina e, quando voltava para casa, estava ligadona. Foi uma época terrível." A mãe viu que Fergie emagrecia à medida que o vício ia dominando-a. "Ela perdeu muito peso", recorda. "Mas eu pensava: 'Bom pra você. Quisera eu emagrecer assim'. A coisa não parou e eu perguntava se ela estava bem."
Uma noite, Fergie parou o carro no meio da rua e em minutos escreveu uma canção chamada "Losing My Ground" ("Perdendo Meu Chão"). "Mostrei para as garotas do WO, elas ficaram perturbadas. Arranjei a explicação mais rápida que pude inventar: bulimia. Todos à minha volta sabiam o que acontecia, mas eu não dava a mínima. Só não queria perguntas. Tornei-me cada vez mais isolada e a coisa foi piorando. Um dia, já não sabia mais quem eu era e havia uma pequena voz dentro de mim - Deus ou minha consciência - me interrogando: 'Ou você vai por esse caminho ou pelo outro. Qual deles quer escolher?'"
Fergie chamou sua mãe e disse: "Estou com problemas. Preciso sair daqui". Durante duas semanas ela foi morar com um ex-namorado que a ajudou a desintoxicar-se. Aos 25 anos, voltou para a casa dos pais. "De cara limpa, com tudo e com todos, para começar uma vida nova." Depois de um ano de abuso de drogas e decadência, Stacy estava com várias agências de cobrança atrás dela. "O fundo de investimentos que consegui fazer como atriz infantil usei para saldar as dívidas dos cartões de crédito."
E então, a Duquesa precisou ralar como nunca. "Comecei a viver do seguro-desemprego e de bicos, batalhando adoidado aqui e ali, procurando trabalho com compositores, estúdios caseiros... Onde eu pudesse fazer alguma coisa, superdisposta." Um ano depois, encontrou-se novamente com os Black Eyed Peas. O terceiro CD da banda, Elephunk, estava quase pronto. O gênio por trás do grupo, Will.i.am, precisava finalizar uma canção chamada "Shut Up". "Eu estava procurando uma garota com um vocal sólido, com uma energia crua tipo Pat Benatar." Um amigo sugeriu Stacy Ferguson. Will lembrou-se dela "vendendo" seu disco solo para ele e convidou-a para ir ao estúdio. "Ela cantou, e eu, tipo: 'Isso foi demais'. Quer botar uma harmonia nisso? E ela: 'Você quer uma terça ou uma quinta?' E eu: 'Você tá sabendo das coisas, caramba! Por que não põe uma terça agora e a gente põe uma quinta mais tarde... O som vai ficar bem dissonante'. E ela me diz: 'Bem... poderia pôr uma quinta no compasso dois e o compasso três ficaria bem uníssono'. Fiquei tipo: 'Estou com você até o fim, gata!'", conta o produtor. Aos poucos, Stacy tornou-se grande amiga dos Peas. "Ficávamos no estúdio até de madrugada", ela lembra, "e saíamos para dançar. Acabamos nos tornando essa família."
A sintonia não podia ter sido melhor. Elephunk (2003) - puxado pelo single "Where Is the Love?" - vendeu mais de oito milhões de cópias e os Peas deram a volta ao mundo várias vezes antes de produzir o ainda mais bem-sucedido Monkey Business (2005). O BEP é uma dos grupos mais populares de hip hop do mundo - neste ano eles se apresentaram para 150 mil pessoas na Praça Vermelha de Moscou - mas na América, essa mistura de hype com lugar-comum os torna uma paixão para muitos e ao mesmo tempo, uma chateação para outros. Todos os integrantes tiveram vidas enroladas e duras, mas a música deles não é sobre luta, resistência ou exclusão social. Em vez disso, abraçaram o pop. Will tem noção de que, por essa escolha, muitas pessoas questionam suas raízes. Já Fergie se recusa a dar atenção a quem a despreza. "No meu CD há uma canção chamada 'Pedestal', que é minha resposta a esse povo que não faz nada da vida a não ser ficar horas na internet para falar merda sobre mim. Você senta a bunda na frente do computador e me rasga em pedacinhos, mas aposto que não sabia que fui até o inferno e voltei. Aposto que não sabia disso. Então pergunto a eles: 'O que vocês estão fazendo da sua vida?'"
Fergie e Will finalmente fizeram o CD dela em 2005. A maior parte de The Dutchess (A Duquesa) foi gravada na estrada, num ônibus-estúdio - "Will adora sair do palco e ir direto para o ônibus trabalhar em canções enquanto a energia e o feedback da multidão ainda estão quentes nele."
No começo do ano, eles tiraram dois meses de férias, nada de shows - algo incomum na vida dos Peas - e alugaram uma casa com estúdio, em Malibu. "Havia cavalos na casa", diz Fergie. "É bem diferente da vida de turnês. É sereno e pacífico e eu podia ficar só e chegar ao feeling íntimo que consegui expressar no disco." Ela retomou "Losing My Ground" e retrabalhou a canção.
Quando a gravação estava quase finalizada e "London Bridge" chegava ao topo das paradas, o peso de tudo que aconteceu - o sonho de infância quase destruído para sempre e então... reconquistado, a banda que desmoronou e a banda que a ajudou a ter êxito, todo o trabalho, suor e lágrimas de uma estrela infantil que vira um fracasso adulto e depois vira uma estrela adulta - tudo caiu sobre Fergie de uma vez só. "Estava na Califórnia, na casa de Josh e vi uma mensagem no meu telefone: 'Você está em primeiro lugar...' Primeiro entre as 100 mais da Bilboard!" Os olhos de Fergie se fecham e as lágrimas rolam ao lembrar daquele momento. "Chegar ao primeiro lugar na Bilboard foi um sonho durante um longo tempo. Comecei a chorar. Na verdade, comecei a gritar. Era um choro feliz, me senti com 7 anos de novo. Comecei a pensar na minha vida, todos os altos e baixos, tudo aquilo pelo que trabalhei. E agora isso..." Ela enxuga uma lágrima e se desculpa. Sem problemas, você está em casa "Fergielícia" (uma das tantas palavras do "Dicionário Fergie").
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