De um lado, Ideli Salvatti, a mais impulsiva defensora petista; de outro, Arthur Virgílio, o principal inimigo de Lula no Congresso
Gustavo Krieger Publicado em 07/03/2008, às 14h47 - Atualizado em 15/04/2008, às 18h23
Respeitável público, bem-vindos ao ringue de lutas do senado Federal. Aqui, parlamentares do governo e de oposição enfrentam-se diariamente. Sempre com transmissão ao vivo pela emissora de TV da casa e ampla cobertura da grande imprensa brasileira. As armas são discursos, pesquisas, denúncias, dossiês. Boa parte das vezes, a temperatura sobe, para delícia da assistência. Escândalos se transformam em Comissões Parlamentares de Inquéritos. E as CPIs viram novelas, que se estendem por meses.
Dois senadores se destacam nessa briga, pela ferocidade com que entram nos confrontos. Arthur Virgílio (PSDB-AM) é a voz mais afiada da oposição. Pouco depois da posse de Lula, um repórter perguntou a ele qual seria sua postura. Na época ainda estava na moda uma conversa moderada, de oposição responsável. Virgílio cerrou os dentes, fixou o olhar e disparou: "Vou dar o pior de mim!" De lá para cá, vem cumprindo a promessa. O senador é um frasista competente. Molda suas declarações de forma que se encaixem no pouco tempo disponível nos telejornais.
Quando sobe à tribuna, muda de tática. É capaz de passar uma hora falando, especialmente se a votação for complicada e for necessário ganhar tempo para convencer os indecisos.
Ideli Salvatti (PT-SC) é sua correspondente no lado governista. Ela é puro entusiasmo. Atravessa os corredores e salões do Senado a plena velocidade. Sobe na tribuna sempre que se sente provocada. Não foge da briga mesmo quando a causa é impopular.
A Rolling Stone Brasil conversou longamente com ambos. Descobriu dois países diferentes, como se num espelho político. Virgílio vê um Brasil sem governo, atolado na corrupção. Ideli enxerga um país em pleno crescimento, dirigido por um governo que está mudando a vida da população. Os dois discordam em tudo. Ou quase. Foi preciso chegar às questões sobre comportamento para encontrar um ponto em comum. Leia as entrevistas a seguir e decida se o Brasil no qual você vive se parece com o de Ideli Salvatti ou com o de Arthur Virgílio;
"Nós, da Oposição, Somos Arrogantes"
O senador Arthur Virgílio é um tucano de briga, espécie rara na fauna política brasileira. Levou ao Congresso a história de lutador de jiu-jítsu e kickboxing. Na maior parte do tempo, o alvo de seus golpes é o governo Lula. Mas não pensa duas vezes antes de comprar confusões domésticas, dentro do PSDB. No final do ano passado, comandou a resistência que derrubou a CPMF, o famoso imposto do cheque. No processo, bateu Lula, mas também impôs uma derrota a José Serra e Aécio Neves. Os dois governadores mais importantes e candidatos potenciais ao Palácio do Planalto em 2010 defendiam a CPMF. Tinham maioria no partido, mas esbarraram na teimosia de Virgílio. Entusiasmado, decidiu lançar a própria candidatura à sucessão de Lula. Para muitos, um gesto de demagogia ou uma demonstração de maluquice. "Demagogo eu não sou", diz o senador. "Maluco, pode ser."
O senhor se considera o maior inimigo do governo Lula no Congresso?
Eu me esforço para ser. Não sei se ele concorda. Não perdi a noção dos limites éticos. Evito ataques familiares, mas isso não quer dizer que não denuncie gastos espúrios deles no cartão corporativo do governo. Respeito a pessoa do presidente, mas não posso aceitar desmandos. Minha visão é simples: meu partido perdeu a eleição, tenho de fazer oposição. Se o meu partido ganhar as eleições, vou ajudar a governar, sem perder o senso crítico interno. Vou ser o calo interno do PSDB. Evitar os choques para fora, mas brigar por dentro.
O senhor fez uma dura oposição a Lula no primeiro mandato. Veio a eleição, ele ganhou. No seu estado, o Amazonas, Lula teve 86% dos votos. Enquanto isso, o senhor foi candidato a governador e ficou com 5%. Não pensou em mudar de tática?
Não. Eu sabia que era um sacrifício inevitável. Não fiz campanha para valer. Fui a poucos municípios. E as mesmas pesquisas que mostravam que eu seria derrotado para o governo mostravam que me reelegeria senador com muita facilidade. Eu tinha de montar um palanque para o Geraldo Alckmin e não conseguia dar dois passos na campanha sem esbarrar na popularidade do Lula. O sujeito chegava e dizia: "A gente gosta tanto de você, por que precisa estar contra o Lula?". O estado gosta muito dele. Não sou masoquista, mas me submeti de maneira consciente à pancadaria. Como no boxe, tem a hora em que você precisa apanhar. Em 2002, tive a maior votação da história do Amazonas. Quatro anos depois, enfrentei um fiasco numérico. Um round foi meu. No outro, tive de ir para as cordas. Resolvi insistir nisso com base em algumas verdades. Primeiro: o povo do Amazonas encerra minha carreira na hora que quiser. Segundo: não temo o veredicto popular. Já me convidaram a disputar o governo do Rio de Janeiro e eu não aceitei. Ou tento um vôo nacional ou volto ao Amazonas. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Vou provar que este governo é corrupto. Mais do que qualquer outro. Como gosta de dizer o presidente, "nunca antes na história deste pa-ís" se roubou tanto.
O que o senhor acha pior no governo Lula?
É difícil escolher. O mais nocivo no governo é a capacidade que ele tem de distorcer os fatos. Repete o bordão daquele personagem picareta do Chico Anísio: "Sou, mas quem não é?". Ele não consegue aturar uma investigação sem dizer que outros também têm de ser investigados. Isso passa para a opinião pública e o Lula desempenha um papel muito negativo de líder, que é passar a impressão de que nenhum político é honesto. Ao mesmo tempo, se esforça para mostrar que "é um de nós", do povo. As pessoas pensam: "Se alguém tem de se locupletar, que seja alguém pobre, que veio lá de Pernambuco, que sofreu uma mutilação dolorosa, que tem uma história de vida bonita".
O senhor sempre foi um inimigo de Lula?
Não. Nós já tivemos uma ótima relação pessoal. Não tenho nada contra ele no campo pessoal e tudo contra no campo político. Fui o único político do Amazonas que o acompanhou quando ele respondeu a um inquérito no estado pela lei de segurança nacional. Quando ele saiu, absolvido, fomos juntos a um restaurante. Tomamos um porre de sair quase de quatro. Meu problema é com o governo. Ele é inepto, tem um governo de 37 ministros, gasta mal e confunde o público com o privado. Seja quando os filhos dele levam os amigos para fazer a festa na piscina do Palácio da Alvorada, seja quando Lula diz que as agências reguladoras deveriam obedecer ao governo, quando elas foram criadas para ser independentes.
Ele acha que teve milhões de votos e isso o autoriza a qualquer coisa. Por isso, fazem o que fazem com os cartões corporativos. É como um general romano que venceu a guerra e acha que tem direito ao saque, ao estupro, a salgar a terra e torturar os adversários. É uma mentalidade que vem do aparelhamento dos primeiros sindicatos que eles conquistaram, passou pelas prefeituras& Santo André foi isso. Eles fizeram tanta sacanagem na prefeitura de Santo André que desmoralizaram o santo. Daqui a pouco, o santo vai a um terreiro de macumba para recuperar a imagem.
E o que o governo Lula tem de bom?
O compromisso com a inflação baixa e a estabilidade econômica, mesmo que perseguido por meio de um ajuste fiscal de baixa qualidade, com aumento da carga tributária. Lula acertou ao negar o que pregou durante toda a vida sobre economia. Graças a Deus, não cumpriu nada do que defendia. Foi o medo dessas políticas que tumultuou tanto o último ano do governo Fernando Henrique. Lula diz que pegou o Brasil sem reservas, com o dólar lá em cima, mas esquece de dizer que foi o medo do seu governo que causou tudo isso.
E o Bolsa-Família. Não é um bom programa?
Infelizmente, o Brasil precisa de políticas sociais compensatórias. Eu preferia a formulação do presidente Fernando Henrique. Bolsa-Escola para quem fizesse o filho estudar. Vale-gás para quem não tinha como cozinhar. Auxílio-maternidade para as mães pobres. Ele juntou tudo e aumentou a base. Se é verdade que atinge o estômago, também é verdade que perdeu o foco. Há índices altíssimos de evasão escolar nas áreas do Bolsa-Família. Ele não cobra nada do povo. Só o voto. O Brasil precisa de um líder positivo, que tire a bolsa de quem não mantém o filho na escola. Lula não dá porta de saída. Se dependesse dele, ficaria 30 anos no poder e as famílias ganhando a bolsa. É coronelismo. Quer manter a clientela.
O senhor falou em 30 anos de poder. Acredita que Lula tem um projeto autoritário ou quer um terceiro mandato?
Ele dizia que não, mas estimulava figuras secundárias a articular. A derrota de Chávez na Venezuela e a derrota da CPMF no Brasil o desestimularam. Acho que hoje Lula pensa em voltar em 2014.
A oposição atrapalha o governo no Congresso, mas não é capaz de levar sua mensagem à sociedade. Os índices de popularidade de Lula estão cada vez mais altos. Onde vocês estão errando?
A oposição no Brasil está distante da sociedade. Não tem base sindical ou estudantil. É como se tivéssemos aceitado a idéia estapafúrdia de que a luta sindical é privilégio dos cutistas. Eles eram onças no governo passado e viraram gatinhos angorás no governo Lula. Toda vez que se fala em uma CPI para investigar a transferência de dinheiro público para os sindicatos, a demanda por remédios para dor de barriga explode nas farmácias do país. Infelizmente, é tanto escândalo que você não consegue apurar todos. Eu proporia ao governo um calendário. Vamos escalonar os escândalos.
Mas por que a oposição não consegue se conectar com o povo?
É um defeito nosso. O Democratas (antigo PFL) tem sido bem-sucedido no parlamento, mas é novo na luta de oposição. O PSDB tem experiência de oposição, mas desenvolvemos um certo "não-me-toques", uma arrogância. Nós desfilamos, não caminhamos. Somos a elite intelectual do país. E dentro dessa minoria que é o PSDB, ainda há uma minoria paulista que se acha mais preparada. A gente se perde nessas luvas de pelica e punhos de renda. Prefiro a briga.
Quando o senhor fala em elite dentro da elite, a imagem que vem à cabeça é a reunião que escolheu Geraldo Alckmin candidato em 2006. José Serra, Fernando Henrique, Tasso Jereissati e Aécio Neves na mesa de um restaurante fino decidindo o destino do partido.
Não faço críticas individuais. Algumas vezes eu estava presente. Tinha seis pessoas na mesa, em vez de quatro. Fico chateado quando sou convidado e os outros não. Mas fico mais chateado quando não me convidam. Só temos uma saída: Tasso Jereissati foi muito feliz quando decidiu fazer prévias para escolher o candidato em 2010. Há quem diga que foi maldade com o Serra. Eu não concordo, tanto que decidi disputar.
Para muitos, a sua candidatura é maldade com o Serra.
Não é. Muita gente vai se surpreender comigo. As primárias acabaram com a escolha de candidato em restaurante caro. Fazem a reunião lá, tomam um bom vinho, a imprensa noticia. Aí o Lula finge que continua a comer em bandejão, o PSDB leva uma surra e não entende o motivo. Minha pré-candidatura vai desmontar alguns mitos. Não vou fazer como todo político que finge que não quer ser candidato. Eu quero. Na votação da CPMF mostrei que sou o único candidato que combate de verdade a carga tributária. A candidatura de Barack Obama, nos Estados Unidos, mostrou que é possível vencer os caciques partidários. Ele propõe uma nova ética. A ética da sinceridade. Ele não finge que é um grande sacrifício disputar. Cobro respeito dos outros candidatos, como Serra e Aécio.
Quando o senhor lançou a candidatura, alguns disseram que era maluquice, outros que era demagogia. O senhor é demagogo ou maluco?
Estou mais para maluco que para demagogo. Nado contra a corrente sempre que preciso. Enfrento a popularidade do presidente Lula no meu estado. Já pensou o que eles me dariam para trocar de lado? Então, demagogo eu não sou de jeito nenhum. Maluco, pode ser.
De pedra no sapato de Lula, o senhor parece disposto a se tornar um calo para José Serra, já que o derrotou na votação da CPMF.
Acho que hoje Serra e os outros governadores já entenderam que seria um descalabro para o PSDB aprovar a CPMF. Não vou negar: respeito Serra, mas não tenho complexo de inferioridade. Em casa, me ensinaram a dizer não. Se nós dois queremos ser o próximo presidente do Brasil, por que ele tem de ser o incomodado e não eu?
O que o senhor faz quando não está batendo no governo?
Gosto muito de cinema, música. E de esportes. Lutei Jiu-jítsu muito tempo. E era bom. Fazia kickboxing também. Mas me lesionei quando me preparava para correr uma São Silvestre. Enquanto me recuperava, descobri o ciclismo. Aprendi a andar de bicicleta direito. Faço 30, 40 quilômetros.
Vamos falar da sua posição sobre outros temas. Qual sua opinião sobre a descriminação das drogas?
Não tenho preconceito. Quero resultados. Mas não tenho opinião fechada.
E sobre a União Civil de homossexuais?
Sou totalmente a favor. Faço parte do grupo parlamentar do Senado em defesa da livre opção sexual. Considero uma agressão famílias que discriminaram um gay e depois tentam avançar sobre o patrimônio que ele construiu com seu companheiro. Sou hétero, mas quem sou eu para dizer que minha opção é normal e a de outra pessoa não?
E quanto à legalização do aborto?
Sou a favor, quando a mulher decidir que a gravidez não é boa para ela. E digo isso dentro da igreja se for o caso. Assumir claramente essas posições faz parte dessa nova ética que defendo, sem fingimentos. Eu tenho lado. No Amazonas, a população se divide na festa do Boi de Parintins. Metade é Caprichoso, metade Garantido. É coisa séria, mas a maioria dos políticos locais diz que não torce para nenhum. Eu sou Caprichoso. Sou Flamengo doente. Do tipo que muda o humor quando perde, e antivascaíno. Adoro torcer contra o Vasco. Político que diz que não tem time está mentindo. E aumentando a sensação de que político é diferente das pessoas.
"O Brasil é patrimonialista, racista e machista"
No dia em que deu entrevista para a Rolling Stone, a senadora Ideli Salvatti usava dois brincos em forma de estrelas do PT. Vestia um terninho vermelho, cor do partido. Ideli é assim, uma espécie de bandeira viva do PT no Congresso. Ela compra qualquer briga, por mais impopular que pareça. Chegou a integrar três CPIs ao mesmo tempo, sempre na tropa de choque governista. Pagou um preço por isso. Tornou-se alvo de provocações, passou a aparecer nas charges dos jornais e enfrentou resistências até dentro do gabinete. Acha que tudo isso valeu a pena e mostra as pesquisas sobre a popularidade do governo Lula para provar.
A senhora se considera a principal defensora do governo Lula no Congresso?
Não sei, mas quero agradecer pela escolha. Até porque, se contrapor ao senador Arthur Virgílio é algo que qualifica. Ele é um opositor muito contundente.
Sua posição em defesa do governo a transforma em alvo. A senhora apanha muito?
Tem o ônus e o bônus. Eu era uma liderança exclusivamente regional. Nem dentro do PT eu tinha projeção nacional. Foram as posições que assumi que me permitiram no primeiro ano de mandato assumir a liderança da bancada. No terceiro, fui vice-líder do governo. No quarto e no quinto, líder da bancada novamente. E já falam em mais um ano& Há reconhecimento, projeção, portas abertas. A sua palavra ganha peso dentro do governo. É uma via de mão dupla. E a defesa que faço do governo é de convicção. Em primeiro lugar, pelo caráter do nosso governo. Não é uma ruptura e sim a transição. Um governo de coalizão partidária, que exige paciência para dividir espaços dentro dos ministérios. E pelos resultados que o governo tem. Para nós do PT, a principal tarefa era modificar, a partir da eleição do presidente Lula, as condições de vida da maioria da população. E isso nós estamos conseguindo fazer.
As pesquisas de opinião que saíram em fevereiro de 2008 mostram que o governo e o presidente têm a melhor avaliação desde a posse. E os índices de satisfação com o país, emprego, renda, saúde, educação, segurança, melhoraram a avaliação. E a expectativa para o futuro é melhor ainda. Isso significa que nós melhoramos a vida da população.
Essa pesquisa surgiu em meio a um imenso noticiário sobre irregularidades no uso de cartões corporativos do governo. As denúncias não colam no presidente Lula ou a população não leva a questão ética a sério?
Muita gente diz que há um "efeito teflon", que protege o presidente Lula. Eu digo que as coisas só pegam se tiverem sustentabilidade na realidade. A avaliação positiva do presidente se deve ao fato de que a vida das pessoas melhorou. A questão ética não pega porque as pessoas enxergam mudanças também nessa área. Por exemplo, na atuação da Polícia Federal. Ela investiga e prende como não se via antes. No volume, no tipo de crime e nas pessoas que são presas. Em Santa Catarina, a PF prendeu o empresário Fernando Marcondes de Matos, um dos mais importantes do estado. Se me tivessem dito há alguns anos que ele seria preso, eu iria rir. Mas ele foi preso. E isso aconteceu em várias partes do país. O cartão corporativo não foi criado pelo Lula. Nós criamos a transparência no uso dos cartões. As pessoas e a própria imprensa estão obtendo informações no portal da transparência, que o governo criou. O escândalo dos sanguessugas [deputados que recebiam dinheiro de uma quadrilha especializada na venda de ambulâncias para prefeituras com recursos públicos] é outro caso. Não foi descoberto por nenhuma CPI. Apareceu pela investigação da Controladoria Geral da União.
Mas não é desconfortável lidar com essa agenda o tempo todo? É um escândalo depois do outro.
É muito desgastante. Obviamente incomoda. Ocupa o nosso tempo. Você fica voltado para isso. Muitas vezes, me sinto desperdiçando tempo e capacidade. Mas é obrigatório. A oposição está no papel dela, criticando, denunciando. Quando nós fomos oposição, fizemos a mesma coisa. Eu fui oito anos deputada de oposição e era das piores. Não deixava passar uma vírgula. Mas gostaria de ocupar meu tempo de modo mais efetivo. No ano passado, a melhor coisa que eu fiz como senadora foi coordenar o grupo de trabalho que coordenou a mudança do Código Civil e do Código Penal. Foi um trabalho importante, mas não teve muita repercussão. Eu gostaria de fazer mais isso, em vez de ficar administrando delegacia de polícia, que é no que o Senado se transformou. Até porque no Senado a correlação entre governo e oposição é mais tênue.
E qual foi o seu pior momento?
O meu pior momento foi quando estávamos com três CPIs ao mesmo tempo. A do "fim do mundo" [apelido da CPI dos Bingos], a do Mensalão e a dos Correios. E eu era das três.
Nesse momento, a senhora fez uma opção política arriscada. Tornou-se a cara do governo, quando o governo estava cercado. Em algum momento lhe pareceu que seria uma aposta errada? Não apareceram resistências na sua base?
Apareceram resistências não só na minha base mas até na minha assessoria. Principalmente no meu estado. Eu dizia o tempo todo aos meus assessores: "Tenho uma vida inteira dedicada ao PT, a esse projeto. Estou compartilhando o poder. Nunca tive outro partido e nem pretendo". Apostei demais na minha vida para isso não dar certo. Se isso não der certo, se não conseguirmos alcançar o objetivo de mudar a vida da população, não quero mais fazer política. A vida da gente é curta. Eu dizia: "Não quero voltar a ser parlamentar de oposição. Quero ser parlamentar de governo". Quero continuar agindo. Apesar de ter enfrentado resistências, persisti e acho que valeu a pena. Os resultados estão aí. Aposto no projeto do PT. Dediquei minha vida a isso e não poderia vacilar no Senado. Tenho absoluta clareza do que está em jogo. Levei à tribuna dados de uma pesquisa do professor Marcos Cintra, da Fundação Getúlio Vargas. Ele pesquisou quanto a CPMF representava na composição de preços de cada setor. Quanto os preços deveriam ter baixado com o fim do tributo. E o quanto, ao invés de baixar, esses preços subiram. O fim da CPMF foi uma reforma tributária "Robin Hood" às avessas. Retirou R$ 40 bilhões aplicados na população mais pobre do país, através dos investimentos na Saúde, Previdência e Assistência Social, para ampliar a lucratividade das empresas, porque tudo foi absorvido como lucro.
Na sua opinião, a oposição sabia o que estava fazendo?
Sabia. Muito bem. E a população sabe avaliar isso. Quando se pergunta nas pesquisas qual o partido que mais defende os ricos, a população não tem dúvidas: é o PFL, que mudou de nome e hoje se chama DEM. A campanha "Xô, CPMF" foi lançada pelo deputado Paulo Born-hausen (DEM-SC). Está muito claro o que eles fizeram. O que está em jogo é uma disputa de classes. Nós estamos numa guerra de classes. O governo do presidente Lula é um governo que tem lado. Busca transferir renda e fazer com que parcelas significativas da população possam se integrar a um mínimo de civilidade. Aquilo que nós chamamos de direitos humanos.
E o que o governo Lula tem de ruim?
Sou uma pessoa muito impulsiva, movida por paixão. Uma boa parte dos meus erros se deve a isso. Querer fazer tudo rápido demais. Talvez até por conta desse meu lado afoito, apaixonado, às vezes fico brava com o ritmo do governo Lula. Gostaria que algumas coisas acontecessem mais rapidamente. Não tenho dúvidas do rumo. Defendo, porque acredito nele. Mas que eu gostaria de mais velocidade, gostaria.
Quem assiste às brigas entre o governo e a oposição pela TV Senado acredita que o clima é quase de guerra entre os parlamentares. É assim mesmo ou há muito jogo de cena?
Quem assiste à TV Senado acha que estamos em outro país. Tem um pouco de jogo de cena, mas o clima no Senado é muito intenso. Pela primeira vez em cinco anos de mandato, eu tirei férias. Quando você se afasta daqui, percebe o quanto esse clima é irreal. Mas você se envolve nesse clima de fim de mundo e isso contamina. Aqui tem jogo. Uma boa parte das pessoas que se destemperam aqui faz isso há décadas. Eu, quando fico brava, fico brava mesmo. E algumas pessoas da oposição se aproveitam disso para "inticar", como dizem na minha terra. Cutucam com vara curta porque sabem que eu reajo.
A senhora acredita que essa diferença entre mundo real e mundo político também contamina a imprensa?
Se o que a maior parte da mídia publica fosse verdade, o governo Lula já tinha caído e o Brasil tinha acabado. A mídia pega esse espírito aqui do Senado. Mas existe a vida real. E uma das coisas que eu aprendi foi que não dá para brigar com a realidade.
Uma avaliação comum é que a boa imagem do governo é resultado do carisma do presidente.
Não há carisma que resista a um ataque tão contundente como os que o presidente Lula suportou ao longo destes anos. O mais importante nas pesquisas não são os índices de avaliação do governo e do presidente, mas como a população se revela satisfeita com seu cotidiano. Melhorou a renda, o emprego, a saúde, a educação. Se isso não fosse real, não haveria carisma que sustentasse. O presidente Lula só teve refresco em 2003. Em 2004 foi paulada; 2005, paulada; 2006, paulada; e 2007, novamente, paulada.
A senhora achava que seria tão difícil ser governo?
Sabia que não seria simples. O Brasil, apesar de ter superado uma série de problemas e as instituições terem se fortalecido, ainda é um país patrimonialista, racista e machista. A eleição do presidente Lula tem uma simbologia de que alguém do povo pode chegar lá. Pode substituir e, no caso do presidente Lula, fazer ainda melhor do que os que estavam lá e tinham todas as condições para fazer e não fizeram. Essa simbologia é uma ruptura profunda. Fica cada vez mais difícil ser governo nessas condições. A elite que sempre governou o Brasil se acha imprescindível. E não é. Alguém que não veio dela, que ela combateu, consegue fazer melhor para a maioria da população.
Na próxima eleição o PT não terá Lula como candidato. O que acontecerá com o partido?
Vamos ter dificuldades. Não temos outra pessoa no PT com a mesma simbologia que Lula. E ele se elegeu depois de participar de várias campanhas. Mas a continuidade do projeto político vai ter peso na hora da eleição. As pessoas vão decidir se querem que o país continue nesse rumo.
A senhora vê intenções golpistas na oposição? Vontade de derrubar o governo?
Da mesma forma que não há condições objetivas para um terceiro mandato de Lula, não há condições para um golpe. Porque se houvesse& A coceirinha no dedo da rapaziada do lado de lá é grande. É como no boxe: se você não pode dar um golpe direto no queixo, fica fustigando. Mas a atuação da oposição vem sendo a mesma desde 2004 e não deu resultado.
O que a senhora faz quando não está defendendo o governo?
Gosto de dançar. Tiro algum tempo para namorar, porque faz bem à saúde. Adoro música, especialmente samba. Brinco Carnaval. Todo dia 2 de dezembro, faço uma homenagem ao Dia do Samba e canto na tribuna.
Quero saber sua posição sobre algumas questões polêmicas. Qual sua opinião sobre a descriminação das drogas?
Não tenho posição. Acho que isso merece um debate muito franco e desarmado. É claro que é complicado. Já tivemos essa experiência com outras questões tabu, como o aborto e a união civil de pessoas do mesmo sexo.
Como a senhora se posiciona sobre esses dois assuntos?
Sou plenamente a favor da União Civil. Faço parte da frente parlamentar em defesa da liberdade de opção sexual. Sou contrária ao aborto como forma de controle da natalidade. Mas me preocupo com a quantidade de mulheres que morrem em condições desumanas em decorrências de aborto. Temos que discutir como uma questão de saúde pública. Se você é contra o aborto em defesa da vida do feto, não pode esquecer a defesa da vida das mulheres.
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