Uma conversa inédita da Rolling Stone com o ícone de Hollywood
Redação
Publicado em 16/06/2011, às 10h34Em 1987, Jonathan Cott, editor-contribuinte da Rolling Stone, sentou-se com Elizabeth Taylor na suíte dela no hotel Plaza Athénée, em Nova York, quando a atriz tinha 55 anos. "Não houve cerimônia, pretensão, nem ataques", lembra Cott. "Ela foi muito direta, espirituosa e destemida." A entrevista, nunca publicada, é apresentada aqui pela primeira vez.
A senhora começou a fazer filmes em Hollywood nos anos 40. Como a indústria cinematográfica mudou desde então?
Era um pecado ser considerado um ator de Hollywood, e ainda pior ser uma estrela - Deus te livre, uma superestrela. Atores de teatro acusavam as pessoas de se vender quando elas iam para Hollywood. Na verdade, acho que tudo isso é besteira, sempre achei. Um ator é um ator, seja em Hollywood, na África, no palco, na TV ou no cinema. A atuação tem de ser gerada de dentro de você.
Como isso acontece para a senhora?
Nunca tive uma aula de atuação na minha vida, mas aprendi, espero, assistindo a atores como Spencer Tracy, Marlon Brando, Montgomery Clift, Jimmy Dean - todos lindamente trabalhados e educados na arte de atuar. Eles foram minha educação. Descobri muito cedo que não podia atuar como uma marionete - haveria algo puxando demais as minhas cordas - e que fazia meu melhor trabalho ao ser guiada, não forçada. E suponho que, realmente, seja a criança em mim - querendo poder crescer e me desenvolver em meu ritmo instintivo. Se você me descrever como atriz, terá de dizer que não fui uma atriz necessariamente notável, porque certamente não tenho uma técnica apurada.
Uma vez alguém disse que antigamente os estúdios de Hollywood eram como uma grande família.
Eram como uma grande fábrica, lamento dizer. Mas, se você gosta de ser sufocado, acho que eram uma família muito produtiva. Eu tinha 9 anos quando fiz os primeiros filmes em Hollywood. Fui usada desde que era criança e utilizada pelo estúdio. Fui promovida para seus bolsos. Nunca senti que era um refúgio. Sempre fui independente. Tive pai e mãe - eles eram minha família, não o maldito estúdio.
Algum incidente em particular se destaca?
Quando eu tinha 15 anos e Louis B. Mayer começou a gritar com a minha mãe e a usar palavrões que eu nunca havia ouvido. "Tirei você e a porra de sua filha da sarjeta." Murmurei meu primeiro palavrão e disse a ele para não ousar falar com minha mãe daquela maneira, e que ele e o estúdio podiam ir para o inferno, e que eu nunca voltaria ao escritório dele. Deixei minha mãe ali com os olhos fechados, acho que ela estava rezando.
O que aconteceu depois?
Saí de lá muito furiosa e em lágrimas, fui ver meu velho amigo e vice-presidente Benny e ele falou: "Você tem de voltar". Outro vicepresidente veio e me encontrou. Eles eram meus amigos, e disseram: "Docinho, você tem de voltar e se desculpar". Respondi: "Por quê? Ele deveria se desculpar com minha mãe, não vou voltar para o escritório. O que falei era verdade e não me importa se vocês me demitirem agora". Não sei onde encontrei essa independência. Saí totalmente sozinha, peguei minha carreira, com total conhecimento e decisão, e joguei pela janela. Não tenho ideia de como L.B. Mayer - um dos maiores ícones da história de Hollywood e um pouco louco, espumando pela boca de raiva - aceitaria isso de uma pirralha, mas não me importava. Eu sabia que ele tinha feito algo muito errado. Só que eles deviam me querer ou precisar de mim, caso contrário não teriam me mantido. Mas isso só me ocorreu agora, ao relembrar.
O estúdio tentou mudar a senhora de outras formas?
Meu Deus, eu tinha cabelo preto - fotografava como preto-azulado de tão escuro - e sobrancelhas grossas e fartas, e meus pais tinham de impedir que tingissem meu cabelo e depilassem minha sobrancelha. O estúdio até quis mudar meu nome para Virginia. Tentaram fazer com que eu criasse uma boca como a da Joan Crawford quando comecei a usar batom, aos 15 anos. Queriam, sabe, Joan Crawford, anos 40 e tudo o mais. Cada estrela de cinema, Lana Turner, todas elas, contornavam lábios, e tenho certeza de que algumas delas tinham lábios bonitos e carnudos - mas sobrancelhas finas eram a moda... e Deus te livre de fazer qualquer coisa diferente ou contra a moda. Mas foi o que fiz, achava que aquilo parecia absurdo, e concordava com meu pai: Deus devia ter algum motivo para me dar sobrancelhas fartas e cabelo preto. Acho que devo ter tido muita certeza de minha noção de identidade. Era eu. Aceitei isso minha vida inteira e não consigo explicar, porque sempre fui muito ciente do eu interno, que não tinha nada a ver com o eu físico.
Uma biografia não autorizada sua (Elizabeth Taylor: A Última Estrela), de Kitty Kelley, acabou de ser publicada. A tese dela é a de que a senhora foi nutrida pelo estúdio, que não tinha vida própria além dele e que viveu os papéis que representou e que representou os papéis que viveu.
Isso é absolutamente ridículo! Tive meu próprio mundo, meus pais eram suficientemente sensíveis comigo e estava fazendo algo de maneira bastante natural e instintiva. E eles estimularam minha relação com os animais. Na Inglaterra, onde morei até os 8 anos, havia um certo horário formal para mamãe e papai, mas, além disso, as babás estruturavam sua vida. Não gostava nada desse tipo de existência. Minha família, sendo norte-americana nesta espécie de sociedade formal, era muito mais liberal para sua época do que a maioria dos pais ingleses, mas, quanto a babás, não tive a chamada infância de "classe média alta". Eu me rebelei contra isso e percebi que a natureza era o único lugar onde podia fazer o que quisesse e podia delirar, literalmente, quando criança.
A senhora não era solitária?
Havia todas essas viagens naturais fantásticas. Por que seria solitária?
A senhora parece se rebelar contra qualquer figura autoritária - L.B. Mayer, sua babá...
Esse tipo, sim. Minha babá, por exemplo, era horrível! O nome dela era Frieda Edith Gill - é tão onomatopeico: Frieda Edith Gill, Frieda Edith Gill. Acredito que provavelmente ela era muito doce, e fui grosseira em minha rebelião, mas eu tinha minha própria identidade e provavelmente fui a maior manipuladora de todos os tempos. Conseguia o que queria de forma tão astuta, porque posso ver isso na minha filha, em mim mesma. É, provavelmente fui a maior manipuladora que já existiu! Não pensava nisso há séculos, mas posso ver aquela garotinha subindo no cavalo, e indo na viagem que queria, e conseguindo, embora às vezes demorasse horas até começar a viagem. Minha pônei fugia e eu tinha que esperá-la voltar ou ir buscá-la. Às vezes eu ficava o dia inteiro fora. Sabia que, se voltasse só à noite, estava encrencada, então, sabe, eu voltava de um jeito ou de outro. Mas é estranho, está se tornando uma entrevista sobre animais! [risos]
A senhora está escrevendo atualmente um livro de autoajuda baseado nas dificuldades que enfrentou. Como foi esse período?
Tudo está totalmente fora de ordem. É mais do que gordura e obesidade, é mais simplesmente não me importar com minha aparência. Está em cada ruga no meu rosto, até na textura do meu cabelo. O principal motivo para fazer esse livro é que eu esperava poder tocar alguém, mesmo se fosse só uma pessoa. Perder peso, ganhar peso, isso tem algo a ver com você mesma. Solidão profunda, depressão, falta de autoestima causam comer em excesso, beber, tomar remédios, o que seja - a muleta necessária. As pessoas inventam desculpas. Eu pensava que beber ajudaria na minha timidez, mas só exagerou todas as qualidades negativas. A bebida e as pílulas só amorteceram meu entusiasmo natural. Tudo o que você tem de fazer é ver uma foto minha daquela época para saber. Infelizmente, não tenho um bom registro fotográfico meu daquele período. Não há ninguém à minha volta com câmeras, porque, para mim, é como a guerra.
Imagino que paparazzi no mundo inteiro possam montar alguns álbuns com a senhora.
Eles não são fotógrafos! Não são pessoas! [risos]
De que espécie são?
São baratas... mas, de fato, tiram fotos reveladoras.
Acho que a senhora não pensa o mesmo de suas biografias não autorizadas.
Não as leio, e nunca li a de Kitty Kelley, porque sei que não há nada que posso fazer sobre isso. Por que me irritar? Ouvi dizer que está cheia de mentiras. Fabricações. E coisas reais, sujas, maliciosas. Mas por que me irritar quando sei que, legalmente, não há nada que posso fazer? Ouvi que ela disse algo como: "Bom, Elizabeth Taylor não me processou, então você sabe que eu disse a verdade". Explodi. Liguei para meu advogado e ele me disse que eu tinha de ler o livro e processá-la por cada inverdade. Isso significaria não apenas gastar dinheiro, mas também tocar no assunto. Significaria mais irritação. Então, tenho de deixar a vadia dizer: "Bom, Elizabeth Taylor leu isso e não me processou, então deve ser verdade".
O que lhe permitiu se afastar disso?
Você sempre pode evitar se jogar na frente de um trem. Há algo que simplesmente te afasta - e me afastou, porque ainda não estou morta - à beira do impacto. Algumas vezes o trem me pegou de raspão.
O mundo, a imprensa e as pessoas sempre gostaram de fazer isso, é a natureza das coisas. Você cria uma ideia, uma estrela. Elas são suas, você criou esse monstro, então, o que fazer? Isso fica tedioso a não ser que você o desconstrua. Estive nesse ioiô a minha vida inteira, exceto nas vezes em que quase me perdi. Mas não me perdi de fato, certo? Algo sempre fez com que eu me salvasse - o Centro Betty Ford ou subir ao palco para atuar no teatro quando muitos acreditavam que não conseguiria fazer isso, aquilo, não importa.
Quero dizer, fui pronunciada morta, pelo amor de Deus, há 20 anos. Estava no hospital em um respirador, e eles tiraram essa substância sangrenta, meio emborrachada dos meus pulmões. Parei de respirar por cinco minutos, e tive uma espécie de experiência quase-morte da qual não se falava na época porque as pessoas achariam que você era louca. É impressionante que não sofri nenhum dano cerebral permanente (não ouse fazer piada!). Tive até a chance de ler meus óbitos, e foram as melhores críticas que já recebi! [risos]
Por que Marilyn Monroe não se salvou?
Não acho que Marilyn tenha cometido suicídio, não acho que tenha sido assassinada. Acredito que foi um acidente, mas ela estava brincando com fogo. Não acredito que ela estava tão imensamente ciente disso quanto alguns de meus outros amigos autodestrutivos.
Em Assim Caminha a Humanidade, de 1956, os dois atores principais são James Dean e Rock Hudson - o primeiro representando o tipo selvagem, o segundo, o tipo conformista, e seu personagem paira e faz mediação entre eles. Como foi trabalhar com esses dois atores nesse filme?
É engraçado: eu me liguei muito a Rock e Jimmy, mas eles não tinham nenhuma conexão pessoal. Era muito conectada a eles - mas era como no lado esquerdo e direito. Um de cada lado. Eu estava no meio, e era apenas uma questão de trocar o peso. Ia de um para outro com facilidade total, e fico feliz por isso aparecer no filme, não tinha nem pensado dessa forma. Faz muito tempo que não assisto ao filme. Não vejo filmes antigos meus, nem os novos, mas amei Jimmy e amei Rock. E fui a última pessoa com quem Jimmy esteve antes de dirigir para a morte... mas esse foi um momento pessoal e particular.
A senhora tem saudade da época de ouro das estrelas de cinema?
Hoje um "nome" não sustenta mais um filme. As pessoas iam ao cinema para ver um "filme do John Wayne", e isso não acontece agora, exceto no mundo do rock, que tirou o evento dos filmes. O "evento" é onde a "estrela" está, e ela está no show. Acho que isso tem a ver com o ritmo das coisas e com "apertar botões" em vez de se arrumar, entrar no carro e fazer com que ir ao cinema seja um evento. As superestrelas estão no show e acho que, por isso, pouquíssimas delas fizeram uma transição bem-sucedida para o cinema. Pouquíssimas. Amo David Bowie, acho que ele é um ator brilhante, no palco, e amo seus filmes, mas acredito que ele não tenha recebido controle artístico nos filmes. Mas acho que ele tem um bom gosto, ótimo.
E a Madonna?
Ainda não assisti a seus filmes, então não posso fazer um comentário, mas acho que seus fãs devem amá-la tanto que pode não haver "eventos" especiais suficientes para eles. Ela é muito dotada, muito abençoada. É bonita, é sexy, é carismática. Adoro ouvir suas músicas. É uma estrela de sua arte, mas não acho que o público realmente a queira como uma estrela de cinema.
A senhora é fã de rock?
Amo ir a shows de rock, aliás. Adoro me perder na onda vasta do ritmo e do calor corporal e entrar na mesma vibração. E os garotos dizem "Oi, Liz", e digo "oi" para eles. Eu me divirto tremendamente nos shows.
A senhora não está pensando em formar uma banda, está?
Não se preocupe, prometo. Tentei e ouvi minha voz cantando, e prometi a mim mesma que sou um ser humano generoso demais para fazer isso com as pessoas [risos]. Ninguém pode soar como eu, pode acreditar.
Tradução: Ligia Fonseca