<b>Groove e Suor</b><br> Um retrato de um dos bailes black que aconteciam no Rio de Janeiro na década de 1970 - Almir Veiga/ Divulgação

Em Meio à Pulsação Funk

O movimento black brasileiro da década de 1970 ressurge em livro, bailes e documentário

Paulo Cavalcanti Publicado em 22/02/2017, às 16h04 - Atualizado em 17/03/2017, às 16h50

No final da década de 1960, os Estados Unidos foram sacudidos pelo surgimento do movimento negro – ou Black Power, como ficou mundialmente conhecido. Nesse panorama, era possível encontrar ativismo político e social, moda, arte e, especialmente, música. Nomes como James Brown e Sly and the Family Stone turbinavam a soul music tradicional, dando origem ao estilo que seria chamado de funk. Ostentando cabelos afro, adereços e roupas com inspirações africanas, a juventude negra dançava ao som desses artistas, mas também saía às ruas e repetia o lema “Sou negro e me orgulho disso”, lançado na música “Say It Loud – I’m Black and I’m Proud”, gravada em 1968 por James Brown. A expressão Black Is Beautiful (Negro É Lindo) virou palavra de ordem.

No Brasil, a influência norte-americana também foi assimilada, com ênfase na música. Hoje, existe um grande interesse pela black music brasileira da década de 1970. Os vinis são comercializados por altas quantias em lojas especializadas e na internet. Além disso, os bailes estão sendo recriados pelo país, principalmente no Rio de Janeiro. E finalmente toda essa história está sendo contada com os detalhes que merece. O livro 1976 – Movimento Black Rio (Editora José Olympio, com apoio da Natura Musical), escrito por Zé Octavio Sebadelhe e Luiz Felipe de Lima Peixoto, é o pontapé para uma série de eventos planejados para celebrar a era de ouro do movimento black nacional. A obra é fruto de uma profunda pesquisa por parte dos autores e apresenta depoimentos daqueles que criaram e viveram a cena, além de um vasto material fotográfico.

“Este é um projeto que nós tínhamos há mais de 20 anos”, conta Sebadelhe. “Quando há muito tempo eu vi uma reportagem histórica sobre o assunto no Jornal do Brasil, escrita em 1976 por Lena Frias e com fotos sensacionais de Almir Veiga, achei que algo teria que ser feito. Então, elaboramos o livro, que é um dossiê completo sobre o assunto.” Sebadelhe, que além de jornalista é produtor cultural e DJ especializado em funk-soul, também conhecia vários nomes do movimento. Um dos amigos dele é Asfilófio o de Oliveira Filho, o Dom Filó, um dos fundadores da equipe de baile Soul Grand Prix. “Ele é uma espécie de fio condutor do livro”, explica o autor.

Para este ano, a dupla de escritores está organizando eventos comemorativos, com a participação da Banda Black Rio e de outros expoentes do gênero. Em novembro do ano passado foi inaugurada uma exposição fotográfica sobre o assunto no Imperator – Centro Cultural João Nogueira, localizado no Meier, bairro da zona norte carioca onde foram realizados alguns dos principais bailes. A mostra vai até o dia 19 deste mês e deverá rodar outras partes do Brasil. O icônico Dom Filó também está envolvido em um documentário sobre o tema. Com o título Black Rio, por Onde Andas?, o filme deverá ter imagens raras e depoimentos dos protagonistas daquele importante momento da história cultural brasileira.

Hoje, em retrospecto, é possível afirmar que o impacto causado por Tim Maia a partir de 1970, quando lançou seu autointitulado álbum de estreia, abriu as portas para o som black nacional. Naquele mesmo ano, Tony Tornado apresentava, com imenso sucesso, a canção “BR-3” no V Festival Internacional da Canção Popular. Imponente e orgulhoso, Tornado foi considerado uma das primeiras manifestações visuais do novo negro brasileiro.

Naquele tempo, ainda não havia aqui a militância política explícita dos Panteras Negras norte-americanos, mas o orgulho negro não deixava de se manifestar. Tudo convergiu no Rio de Janeiro. Nos finais de semana, os subúrbios eram sacudidos pelos bailes. Equipes de som e DJs como Ademir Lemos e Big Boy levavam aos jovens as novidades da música black internacional e também da crescente produção nacional. As gravadoras lançavam álbuns de nomes como Cassiano, Hyldon e da Banda Black Rio. A música black também se juntava ao samba e a produção musical ia se expandindo. Esse universo florescia, com códigos, expressões e posturas próprias. Para a grande mídia e parte da sociedade branca, aquilo tudo era apenas uma manifestação underground. Essa parcela do público não se dava conta de que os bailes realizados na Baixada Fluminense, em Niterói e outras regiões atingiam toda uma comunidade. “Eles movimentavam mais de 1 milhão de pessoas no estado”, relata Sebadelhe. “Integraram as zonas norte e sul do Rio e marcaram o começo da verdadeira consciência negra no Brasil.”

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