Em meio ao renascimento criativo de Hollywood nos anos 1970, Star Wars provocou acalorados debates e dividiu opiniões
Paulo Cavalcanti Publicado em 07/12/2015, às 16h33 - Atualizado às 17h22
O otimismo dos anos 1960 cedeu ao choque de realidade da década seguinte. Os anos 1970 foram pautados por angústia, cinismo e desespero. Havia guerra, a crise do petróleo, a escalada do terrorismo e o caos urbano. Mas o mal-estar que existia dentro da sociedade aguçou a criação artística na música, no teatro e no cinema.
Na tela grande, as sementes para a mudança foram lançadas em Sem Destino, de Dennis Hopper e Peter Fonda, que chegou às telas em julho de 1969. Ele foi chamado de “o filminho que matou os filmões”. Não foi exatamente o que ocorreu, mas o impacto do longa de baixo orçamento que mostrava as desventuras de dois motociclistas rebeldes mudou a indústria. Sem Destino deu o tom ao cinema da década de 1970, que revelou uma notável geração de realizadores. O movimento, batizado de Nova Hollywood, rivalizou com a chamada era de ouro do cinema dos anos 1940.
Antes de os novatos aparecerem, os diretores eram contadores de história autodidatas que refinavam o ofício dentro dos próprios estúdios. Já iconoclastas como Martin Scorsese, George Lucas, Steven Spielberg, Hal Ashby, Bob Rafelson, William Friedkin, Brian de Palma, Michael Cimino, Peter Bogdanovich, Robert Altman, Francis Ford Coppola e Paul Schrader, dentre outros, eram filhos da contracultura, da cultura pop e dos quadrinhos, e formados em faculdades especializadas como a Ucla. Mesmo atrelados aos grandes estúdios, eles mantinham vivo o espírito independente.
No cinema de autor dos anos 1970, a influência de realizadores europeus e orientais tomou conta de Hollywood. Formato, conteúdo e linguagem eram desafiados e virados de cabeça para baixo em obras poderosas. Apenas algumas delas: M.A.S.H, Patton – Rebelde ou Herói?, Cada um Vive como Quer, Ânsia de Amar, Cabaret, O Poderoso Chefão 1 e 2, O Exorcista, Chinatown, A Vida de Brian, Um Dia de Cão, Taxi Driver, Serpico, Laranja Mecânica, Todos os Homens do Presidente, O Expresso da Meia-Noite. Os finais eram, na maior parte das vezes, infelizes. Os cineastas corriam riscos e nenhum tema ou tabu parecia ser sagrado.
Nessa época, ao encarnar de forma cômica o neurótico alienado urbano, Woody Allen produziu os melhores e mais populares filmes de sua carreira. Por outro lado, Clint Eastwood, vivendo o investigador Dirty Harry, “limpava o lixo humano” em Perseguidor Implacável e nas sequências do filme. Um ciclo popular foi o do cinema-catástrofe, caso de Aeroporto, Terremoto, Inferno na Torre e O Destino de Poseidon, dentre outros. Já o cinema blaxploitation radiografava a vida nos guetos e dava poder aos negros. Padrões morais e sexuais eram desafiados em Último Tango em Paris e Pretty Baby: Menina Bonita. Por fim, com Garganta Profunda (1972) o sexo explícito chegava ao mainstream.
No meio disso, no verão norte-americano de 1975, veio Tubarão. A produção se tornou a maior bilheteria do cinema dos Estados Unidos até aquele momento e inaugurou a era dos “filmes de verão”. O diretor era o jovem Steven Spielberg, que já havia mostrado talento em Encurralado (1971), filme feito para a televisão.
O hit de Spielberg, que mostrava um gigantesco tubarão branco aterrorizando uma cidade litorânea, não era uma mera obra escapista. Com habilidade, Spielberg aplicava a fórmula hitchcockiana de suspense. E havia todo um subtexto político na trama, refletindo o estado de espírito pós-Watergate. Mesmo tendo se transformado em um fenômeno pop, Tubarão, em termos de linguagem e apelo, ainda estava fincado nas neuroses e cacoetes dos anos 1970.
Muitos achavam que o fenômeno de Tubarão nunca se repetiria, mas o impacto do thriller foi primordial para um amigo nerd de Spielberg chamado George Lucas. Ele não tinha as aspirações políticas e sociais dos colegas e despontou com Loucuras de Verão (1973), que radiografava com sensibilidade e humor a juventude dos Estados Unidos no começo da década de 1960. Os astros eram Richard Dreyfuss e Ron Howard. Harrison Ford fazia uma ponta. Todos eles iriam partir para coisas maiores e melhores.
A viagem nostálgica de Loucuras de Verão já refletia o mutante estado de espírito dos Estados Unidos. Em 1976, o país comemorava o bicentenário da independência e aqueles cansados de tanta politicagem, pessimismo e do escândalo de Watergate começavam a voltar os olhos para a nostalgia, para valores mais simples e descomplicados. Lucas entendeu o recado. Ele não pretendia desconstruir nada, mas sim resgatar o cinema de pura diversão dos tempos das matinês das décadas de 1940 e 1950. Depois de uma safra em que reinaram filmes complexos e ginal de TV Star Trek já dava provas de que os nerds existiam em enorme quantidade e um dia iriam fazer a diferença. Com Star Wars, a tecnologia era a nova estrela. Para toda uma geração que anos mais tarde seria capturada por videogames, internet e pelos mais diversos tipos de gadgets, aquilo foi o marco zero. A massa agora queria lutas com armas a laser, naves espaciais, robôs e monstrinhos. Se a vida era intolerável nas ruas, então que fosse feliz no hiperespaço. Ao firmar o cinema de fantasia dominado por efeitos especiais, e que lucrava com merchandising, Lucas e Spielberg foram chamados pelos colegas de “contrarrevolucionários”. Foram taxados de arautos do cinema pipoca que antecipava o domínio das cadeias de cinema multiplex sem personalidade. Existia uma corrente de pensamento que ditava que filmes como Star Wars cerebrais, Lucas buscava aplausos e emoções instantâneas. Nada de cinismo ou anti-heróis repletos de ambiguidades morais. O mote era celebrar o triunfo do bem sobre o mal.
Star wars (que chegou aqui como Guerra nas Estrelas) estreou nos Estados Unidos no dia 25 de maio de 1977. A Fox, estúdio que distribuiu a produção, gastou uma boa quantia com publicidade. Mas, no final, o sucesso veio por meio do boca a boca.
A ficção científica nunca foi um estilo cool. Era considerada um gênero B, endereçada a crianças e adolescentes. Ainda mais nos anos 1970, quando se buscava o ultrarrealismo. Mas o impacto da série original de TV Star Trek já dava provas de que os nerds existiam em enorme quantidade e um dia iriam fazer a diferença.
Com Star Wars, a tecnologia era a nova estrela. Para toda uma geração que anos mais tarde seria capturada por videogames, internet e pelos mais diversos tipos de gadgets, aquilo foi o marco zero. A massa agora queria lutas com armas a laser, naves espaciais, robôs e monstrinhos. Se a vida era intolerável nas ruas, então que fosse feliz no hiperespaço.
Ao firmar o cinema de fantasia dominado por efeitos especiais, e que lucrava com merchandising, Lucas e Spielberg foram chamados pelos colegas de “contrarrevolucionários”. Foram taxados de arautos do cinema pipoca que antecipava o domínio das cadeias de cinema multiplex sem personalidade. Existia uma corrente de pensamento que ditava que filmes como Star Wars destruíram o senso crítico, a reflexão e as pretensões intelectuais existentes na comunidade cinematográfica. A influente crítica Pauline Kael achava que Lucas e Spielberg haviam “infantilizado o cinema”. William Friedkin (O Exorcista) afirmou que Star Wars transformou a sétima arte em algo semelhante a uma franquia de fast-food. Já na visão de Paul Schrader, o filme devorava a alma de Hollywood – era, para ele, uma banal história em quadrinhos de enorme orçamento travestida de cinema.
Porém, olhando em retrospecto, é um pensamento simplista afirmar que Lucas matou o cinema de autor. A criatividade e a energia da Nova Hollywood foram diluídas através de obras indulgentes e herméticas sem conexão com o gosto popular. Os diretores, envoltos em uma nuvem de bajulação e poder, pensavam que eram deuses, acreditando que o público iria aceitar qualquer coisa. Mas os ventos já sopravam para outro lado.
Em 1979, Francis Ford Coppola lançou Apocalypse Now, uma distopia sobre o Vietnã que servia de epitáfio tanto para a insanidade chapada dos anos 1960 quanto para a brutalidade realista dos 1970. O diretor sobreviveu ao inferno que foi a filmagem do épico de guerra e o longa se tornou um clássico. Mas ele se enterrou de vez quando seu estúdio, o American Zoetrope (fundado em parceria com Lucas), lançou o malfadado O Fundo do Coração (1981). E, assim como Coppola, a maioria dos grandes cineastas dos anos 1970 não sobreviveu intacta à década seguinte.
O fracasso espetacular de O Portal do Paraíso, de Michael Cimino, em 1980, já sinalizava que os estúdios não iriam mais aceitar bombas pretensiosas, preferindo investir massivamente em produções mais leves e direcionadas aos adolescentes. Naquele mesmo ano, George Lucas e Steven Spielberg se uniram para começar a produzir os filmes da franquia Indiana Jones. Os garotos de ouro dos revolucionários anos 1970 viravam o jogo. Spielberg seguiu como o maior magnata do cinema, posição que mantém até os dias de hoje. Já Lucas virou um milionário frustrado e alienado de seus pares, incapaz de se livrar da sombra de Star Wars. A saga original seguiu com O Império Contra-Ataca (1980) e O Retorno de Jedi (1983). No final da década de 1990, Lucas lançou as três prequels, que, apesar de terem feito muito dinheiro, não foram unanimidade. Agora o sabre de luz está com J.J. Abrams, que vai ter de provar ser digno da Força.
O universo de Star Wars é como a galáxia – infinito. Para aqueles que querem se aprofundar mais, é possível mergulhar em alguns títulos que acabaram de chegar às livrarias. A trajetória do homem por trás da jornada espacial é contada em George Lucas – Skywalking – A Vida e a Obra do Criador de Star Wars (3.5 estrelas, Evora), de Dale Pollock. A edição brasileira conta com a revisão técnica e a atualização de Hamilton Rosa Jr., crítico de cinema e colaborador da Rolling Stone Brasil. Paralelamente, o título de Como Star Wars Conquistou o Mundo (3.5 estrelas, Aleph) já diz tudo. O autor, Chris Taylor, procura explicar por que a cultura pop se divide em antes e depois da aparição de Luke Skywalker, Darth Vader e companhia.
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