Célebre ilustrador de quadrinhos, cineasta e também músico fala sobre sua obra e explica por que não se considera um artista
Por J.M. Trevisan Publicado em 10/06/2011, às 15h17
Sinal e Ruído foi lançado pela primeira vez como graphic novel em 92, há quase 20 anos. Ainda assim, tanto história quanto arte não parecem ter envelhecido. Era um trabalho a frente de seu tempo?
Não sei. Foi com certeza parte de um grupo de trabalhos feitos por pessoas, especialmente na Inglaterra, tentando distanciar os quadrinhos da temática exclusiva de super-heróis e histórias de aventuras. Tentávamos construir um corpo de trabalho que não remetesse à juventude nostálgica do leitor, mas que fosse um pouco mais madura. E só nos últimos anos uma nova onda de autores, jovens roteiristas e desenhistas sem interesse nenhum pelos super-heróis da Marvel e da DC e coisas do tipo apareceu e começou a criar este tipo de quadrinho. Então, mesmo com seus 20 anos, Sinal e Ruído se encaixa bem nessa nova onda de obras que agora se tornaram meio que a vanguarda da arte sequencial.
Então você acha que essa tendências dos anos 90 está voltando? Os quadrinhos pintados...
Não é tanto por uma questão da pintura, é a ideia de fazer quadrinhos que se encaixem e tenham ligação com uma ficção mais geral, com romances publicados no momento, com filmes mainstream - não filmes de gênero. De tentar fazer quadrinhos que sejam mesmo para um público adulto. Não para crianças e não exclusivamente voltada para a ficção científica e fantasia.
Na história, o personagem principal diz: "Faço desenhos e pinturas de vez em quando, mas o cinema é uma obsessão". Você considera alguma de atividades artísticas uma obsessão?
Os quadrinhos foram meu primeiro amor, por isso acho que nunca vou parar de fazê-los. Experimento uma porção de outras mídias e ainda gosto de pular de lá pra cá, fazer outras coisas, mas acho que sempre vou acabar voltando. Há algo de muito, muito poderoso no fato de que posso fazê-los sozinho. Não preciso de uma equipe enorme, de um monte de pessoas do meu lado, não preciso de um orçamento muito grande. Só preciso de uma ideia, papel e lápis. E a mídia em si, por ser tão privada, fala com o leitor em particular e faz com que ele ouça as vozes dos personagens em sua cabeça. Há algo realmente poderoso nisso.
No prefácio você diz que a melhor versão de Sinal e Ruído é a radiofônica, gravada pela BBC.
Ao menos por enquanto! É uma história para a qual estamos sempre voltando - ao menos eu volto. Assim, a cada versão ela parece ficar melhor. Acho que eu e Neil [Gaiman] éramos ainda muito jovens quando fizemos Sinal e Ruído, quando a história foi publicada em capítulos na revista The Face. E não sei se entendíamos exatamente sobre o que estávamos escrevendo. Por isso acho que a versão em áudio é melhor. Além disso, ela lida com o aspecto do ruído na vida, porque pudemos usar sons e barulhos propriamente ditos. Se um dia houver uma versão definitiva, será em filme. Já escrevi dez tratamentos do roteiro tentando realizá-lo. Creio que assim conseguiríamos realmente lidar com as ideias contidas na história do melhor modo possível. E ainda posso acabar voltando e fazendo uma outra versão em quadrinhos. Mas há vinte anos certamente não acredito que éramos maduros o bastante para lidar com o tema. Agora temos uma chance muito melhor de acertar.
Então, é uma obra que vai estar sempre em construção.
Acho que sim. É uma ideia para uma história. A questão básica e central do álbum é: "O que você vai fazer no tempo que resta de sua vida?". Todos um dia precisam pensar nisso. E a maioria das pessoas não pensa em um prazo final em particular e talvez por isso não pense nisso como uma questão urgente. Mas se você descobre que lhe resta apenas um certo tempo de vida, ou conforme vai ficando mais velho, você certamente começa a sentir este fim se aproximando. E aí a questão de o que você faz todos os dias, o que é importante e o que é irrelevante, o que você deveria estar fazendo e o que você vem fazendo por razões estúpidas ou sem importância, se torna realmente importante. Assim, acho que vamos sempre voltar para esta questão. Mesmo que eu não continue a explorá-la dentro da ideia de Sinal e Ruído, que é o diretor de filmes escrevendo sua última história, acho que seu ponto central vai acabar se infiltrando de alguma forma em outros de meus trabalhos.
Desde o início, seu estilo sempre foi muito particular. Quais artistas o influenciaram na época e quais são suas influências hoje?
Muitos pintores, mas não só pintores. Sir Francis Bacon, por exemplo. Há alguns poucos desenhistas de quadrinhos que eu gostava muito. Quando eu estava estudando artes, Bill Sienkwicz era um deles. Gostava de tudo o que ele fazia na época, mas o interessante é ele sofria influências de pessoas que eu realmente gostava. Ilustradores como Ralph Steadman e pintores como Gustav Klimt, você sabe, alguns dos artistas da pop art. Mas hoje sou influenciado por tudo e todos, mesmo. Não acho que exista uma pessoa em particular que eu possa apontar como uma influência principal. Espero que todas as coisas que eu vi e pessoas cujo trabalho apreciei tenham se mesclado na minha corrente sanguínea ao ponto de não ser mais possível isolar uma única fonte. Virou simplesmente meu estilo. A pessoa mais significativa para mim nos últimos anos foi o quadrinhista italiano Lorenzo Mattotti. Sua obra me ensinou muitas coisas sobre composição, cor e a ligação muito, muito maravilhosa entre a narrativa expressiva, os quadrinhos e as marcas que ele deixa na página. Para mim é o melhor atualmente.
Alguns especialistas dividem os quadrinhos em três ramificações de estilo: o europeu, os comics norte-americanos e o mangá. Mas os autores britânicos não parecem se enquadrar em nada disso. Por quê?
Bem, não temos uma indústria de quadrinhos forte, uma identidade. Os Estados Unidos já tinham, começando com as histórias de animais falantes e então super-heróis, ambos tipicamente americanos. O mangá é obviamente japonês em seu estilo. Na França, toda a energia que a Inglaterra empregou na música pop nos anos 60 foi usada nos quadrinhos. Por isso a música pop francesa é horrível e os quadrinhos deles são incríveis. Na verdade, os roteiros e desenhos franceses são bem comuns, mas os tipos de histórias que eles são capazes de desenvolver são ilimitados, então as pessoas interessadas em fazer quadrinhos na Inglaterra tiveram que procurar suas influências em outros lugares. E aí pegamos o que havia de interessante no que era produzido nos Estados Unidos, onde com frequência os gêneros de HQ mainstream são limitados e, portanto, você é obrigado a pensar de maneira inovadora. Por isso tivemos Alan Moore escrevendo aquelas histórias. Uma vez que era obrigado a conviver com a limitação de fazer quadrinhos de super-heróis, Alan teve que procurar meios cada vez mais interessantes e barrocos de alterá-los. No fim, temos o melhor de cada um na Inglaterra. Podemos extrair elementos do quadrinho europeu, dos Estados Unidos, do mangá e de outros lugares do mundo.
Você conhece algum quadrinho ou artista brasileiro?
Creio que não. Acho que conheço alguns artistas sul-americanos. Não tenho certeza de onde eles são. A maioria deve ser da Argentina, como Carlos Nine e artistas que foram publicados nas revistas Creep e Eerie. Creio que havia uma série de ilustradores sul-americanos que fizeram trabalhos para eles. Mas não sei a respeito de quadrinhistas brasileiros. O mercado é grande no Brasil?
Na verdade, não muito. A maioria trabalha para os Estados Unidos.
É, tive essa impressão.
Vi o vídeo de uma palestra sua em que você diz sobre Asilo Arkham, graphic novel que fez com Grant Morrison: "Nunca entendi o Batman, com suas orelhas pontudas. Por isso o transformei em um monstro". Nitidamente você não é fã de super-heróis. Por quê?
Por quê? Porque não acho que eles sejam muito interessantes. Personagens arquetípicos mais antigos, como Drácula e Frankenstein, são incríveis, porque parecem incorporar coisas realmente primitivas. A ideia do homem brincando de Deus ou de uma sociedade secreta agindo como predadora são temas amplos. Você pode falar sobre a crise bancária usando vampiros. Pode abordar a epidemia de Aids usando vampiros. Mas super-heróis são tão específicos! Eles têm que usar aqueles uniformes ridículos, identidades secretas e capas. Você é obrigado a fazer histórias estúpidas, estreitas e pobres. No fim, me parecem uma espécie de fantasia a respeito de pessoas com poderes sobre outras pessoas, ou sobre países com poderes sobre outros países. E acho isso realmente horrível. Se o gênero ocupasse cinco por cento de todos os quadrinhos publicados, eu nem ligaria. Mas pelo fato de constituírem noventa por cento do que é lançado, ao menos nos Estados Unidos, os odeio ainda mais, porque dominam esmagadoramente esta mídia que eu amo, distorcendo-a, transformando-a nesta versão deplorável de si mesma. E agora que os super-heróis tomaram conta do cinema e meio que estragaram essa indústria também, tenho mais razão para odiá-los! Hoje, desprezo todos eles.
Mas as coisas melhoraram, não? Há mais espaço para se publicar quadrinhos independentes nos Estados Unidos hoje em dia.
Este é definitivamente o fato a que me apego. Acho que os quadrinhos estão passando por um tipo de Era de Ouro, e acho mesmo que isso não tem nada a ver com Marvel, DC, Superman, Batman ou Homem-Aranha. Tem a ver com toda uma nova geração de pessoas que vêem as HQs como uma linda mídia para contar suas próprias histórias, que vêm do mundo todo. Há uma série de roteiros documentais, da vida real. Há muitos desenhos que não têm relação nenhuma com o que foi produzido no passado. E há escritores e artistas já estabelecidos de olho nesta nova safra e pensando: "Bem, talvez eu possa fazer isso também". Isso é fantástico. Há uma porção de trabalhos extraordinários e espero que isso continue. Espero que as lojas especializadas e as editoras continuem a apoiá-los. Os leitores estão aí.
Na época das capas de Sandman, lembro de ter lido que você ainda relutava em fazer todo o trabalho digitalmente. Como é seu processo hoje?
Na verdade, fiz uma grande quantidade de trabalhos digitais na época. Ainda amo o Photoshop e passava tudo pelo programa. O que foi ótimo, porque aprendi o que pude sobre ele e consegui aproximar o resultado final do que havia imaginado em minha cabeça. Hoje, por haver tantas imagens digitais por aí, tantas capas de livros e de CDs que não chegam nem a ser produzidas por ilustradores (os diretores de arte simplesmente jogam umas coisas no Photoshop e chamam de capa), voltei a pintar, porque há algo no ato físico de marcar a página. Ainda jogo as imagens no Photoshop eventualmente para limpar, adicionar camadas ou fazer alguns ajustes, mas a maior parte é desenho ou pintura produzido manualmente mesmo.
Sandman obviamente explorava imagens oníricas e surreais, mas é fácil notar que este é um tema recorrente em todas as suas obras. Já houve algum sonho ou pesadelo que o inspirou diretamente?
Não. Boa parte do meu trabalho tem essa aparência de sonho porque é assim que vejo o mundo. Gosto de muitos filmes e livros que são realistas e lidam com o dia a dia, mas eu, pessoalmente, não consigo contar minhas histórias com facilidade deste jeito. Gosto de olhar para os acontecimentos e coisas da vida real através de uma lente que leva em conta o que as pessoas estão pensando, ou como interpretam o mundo à sua volta, e isso leva a imagens oníricas. Creio que é para isso que a arte existe. Vejo a arte, principalmente o cinema, como um sonho, uma versão alternativa do mundo real, mas totalmente fabricada, criada por mentes humanas. E neste mundo tudo pode acontecer, e tudo pode tocar e se relacionar com todo o resto. Só que dentro disso há a matéria prima, que é a realidade, nossos medos, esperanças, amores e vidas reais.
É rara uma parceria tão duradoura quanto a sua com Neil Gaiman. Que fatores foram determinantes para que isso acontecesse?
Bem, gostamos um do outro e isso ajuda bastante. Gostamos dos trabalhos um do outro, temos uma confiança mútua e adoramos nos desafiar. Atingimos um ponto de nossas carreiras em que não nos sentimos obrigados a fazer todos os nossos projetos juntos. Podemos passar alguns anos sem retomar a parceria, embora sempre saibamos que um dia voltaremos a nos reunir. Ambos temos carreiras separadas saudáveis, trabalhando com outras pessoas ou em projetos solo. Somos pessoas bem diferentes. Vidas, prioridades e gostos diferentes, mas há uma intersecção nesse meio. E aí quando voltamos a nos reunir trazemos tudo o que andamos experimentando e observando, e isso acrescenta um tempero novo à nossa parceria. Não somos do tipo que fica reciclando as mesmas ideias o tempo todo. Tentamos sempre encarar novos desafios.
Já houve algum projeto que vocês idealizaram, mas que não pôde ser executado?
Houve várias coisas que falamos em fazer ou planejamos pela metade ou tentamos tocar, mas não aconteceram. Filmes são sempre muito mais difíceis que qualquer outra coisa, por causa da quantidade de dinheiro envolvida. Nós dois adoraríamos fazer algo no teatro ou algo que fosse ao vivo - algum evento circense ou musical - e botar em prática algo assim é bem mais complicado que elaborar um livro. Mas acho que quando formos trabalhar juntos da próxima vez pode ser que seja em algo deste tipo.
Gaiman está entrando no mundo da música com a esposa dele, a cantora Amanda Palmer. Vocês pretendem estender a parceria para este campo também?
Há chances sim! Tenho escrito músicas usando textos de Neil há alguns anos e, como eu disse, sempre quisemos montar um evento ao vivo com música e performance. Então, sim, claro.
Há alguma conexão entre música e som e seu estilo de pintura e desenho? Porque seus trabalhos me parecem ter um elemento de improviso, algo quase jazzístico.
A música é muito importante para mim. Ouço o tempo todo enquanto trabalho, e toco também o tempo todo. E isso tem um efeito na arte que produzo. Em quase tudo o que faço, mesmo o roteiro de um quadrinho, e definitivamente o roteiro de um filme, se consigo ouvir, imaginar as músicas que tocariam em sua trilha sonora, consigo cristalizar o clima, as cores que vou usar. Encontrar músicas que realmente se encaixam no trabalho me ajuda a visualizar as imagens que se encaixam na atmosfera da história.
Na produção de HQs há o roteiro como base. E no caso das capas de CDs? A inspiração vem das próprias faixas?
Quase sempre. Muito raramente a banda ainda não tem as músicas prontas e fico sem ter o que ouvir, mas normalmente consigo alguma coisa, nem que seja uma ou duas. A inspiração vem daí. Não tenho interesse em ser muito literal nas capas que faço. Prefiro a reação crua que parece capturar a música. E mesmo que seja o tipo de gênero que normalmente não ouço, não importa muito, porque há um canal de resposta emocional direto. Por isso fico até feliz em passar o dia ouvindo coisas a que não estou acostumado, reagindo a isso e criando trabalhos que normalmente não faria.
Há alguma regra na hora de escolher qual capa fazer? Você tem preferência por bandas das quais gosta ou é só mais um trabalho?
Na verdade não tenho regras. Felizmente tenho feito capas para bandas que realmente adoro. Acho que só teria problemas em fazer algo para algum grupo realmente pop, como uma boy band ou algo assim. Nem saberia o que fazer, porque a minha reação nesse caso é nula. Mas amo jazz, folk, eletrônica, esotérica, músicas do resto do mundo. Adoro fazer capas para todas essas coisas.
Você é dono de uma gravadora, a Feral, e também toca piano. De onde vem esta afinidade com a música?
Foi a grande escolha que precisei fazer na vida. Quando eu era adolescente, tocava em bandas de jazz e rock o tempo todo, fazendo shows pelo sul da Inglaterra. E então tive que escolher se seguiria a carreira de músico ou me encaminharia para as artes. Uma vez que eu não sabia ler partituras - toco jazz e só de ouvido, jamais seria um pianista clássico - achei que seria melhor entrar na escola de artes e continuar tocando com as bandas ocasionalmente. Tentei isso por um tempo, mas os desenhos e ilustrações passaram a me tomar tanto tempo que não tinha mais como continuar. Por isso a música acabou se tornando algo como um passatempo pessoal. Minha ocupação na vida é a de ilustrador.
Frequentemente você descreve a produção de Máscara da Ilusão (2005), seu filme com Gaiman, como um verdadeiro pesadelo. O que houve?
[Risos] Foi muito difícil, porque tínhamos pouquíssimo dinheiro e muitas sequências de animação 3D para fazer. E eu não tinha experiência, era meu primeiro filme. Achávamos que a pós-produção levaria oito meses, mas levou quase dezoito. Fazer apenas isso, compor as imagens e trabalhar nas cenas quadro a quadro por todo este período, seis dias por semana, das dez da manhã até cerca de quatro da madrugada foi mesmo um pesadelo. Tornou-se uma tarefa ridiculamente interminável. Havia sequências que eu realmente adorava. A atriz Stephanie Leonidas foi maravilhosa e todos nós nos dedicamos muito, mas eu basicamente perdi minha fé no filme. Não achava que o roteiro era sólido o suficiente. Não achava que a história tinha força e me dei conta que não havia como encobrir estas falhas com uma porção de imagens lindas. Por conta de tudo isso, Máscara da Ilusão permanece sendo um grande desapontamento na minha carreira. Nunca mais vi o filme. E certamente não quero vê-lo de novo. Na época, houve pequenos momentos maravilhosos em que as coisas funcionavam e as animações tomavam vida, mas eles tendem a se dissipar e tudo o que me lembro de verdade é o longo e exaustivo pesadelo de tentar terminar o filme e os vários equívocos e problemas do resultado final, sobre os quais não posso fazer mais nada a respeito.
Mas você não vê isso como a consequência de uma primeira tentativa?
Há uma porção de probleminhas nele com os quais eu meio que conseguiria conviver, porque é normal cometer erros, e o tempo é sempre uma fator de pressão, não há como voltar e filmar as coisas de novo quando o orçamento é baixo. Mas o principal defeito é o roteiro. E para se fazer um roteiro, o certo é levar o tempo que for necessário para que fique bom. Não era caro, era só eu e Neil em uma sala. O problema é que houve um tempo limite, uma janela para apresentarmos o roteiro à Sony Pcitures para conseguirmos a verba que estava disponível como parte de um contrato de dois filmes feito pelo estúdio com a Jim Henson Company. Por isso tivemos que correr. Então entregamos a primeira versão, e o que eles deviam ter dito era: "Muito bom, Neil. Tem ideias muito legais aqui, mas vá embora, trabalhe nelas mais um pouco e volte com uma segunda ou uma terceira versão revisada". Mas não foi o que aconteceu. A Sony disse: "Legal. Aqui está o dinheiro, vão fazer o filme!". Na época achamos fantástico, mas devíamos mesmo ter trabalhado mais na história e tornado-a mais sólida. Não há desculpa para isso.
Você está com um filme novo, Luna, certo?
Tenho dois filmes, na verdade. Luna tem sido um pesadelo também, mas por um motivo diferente. Estou muito contente com o roteiro que foi filmado e com a edição, mas a parte financeira tem sido um pesadelo. A companhia que deveria ter bancado não conseguiu cumprir o acordo e por isso tivemos que fazer várias pausas na produção enquanto tentávamos arrumar mais dinheiro para avançar mais um pouco. No momento está tudo filmado e editado. Há algumas poucas sequências animadas, nada muito complexo, mas elas precisam ser feitas e estamos tentando viabilizar. Por conta disso, vem levando um longo tempo e provavelmente ainda vai levar mais um ano até que fique totalmente pronto. Mas cada vez que trabalho em Luna acho que fica ainda melhor, e estou muito contente com isso. Tenho muito mais confiança neste filme do que tive ou tenho em Máscara da Ilusão. Há um outro filme, meu terceiro, que acabamos de rodar. Tem financiamento, temos um prazo até o fim do ano, e provavelmente vai ficar pronto primeiro. Se chama The Gospel of Us, e é como uma estranha e contemporânea Paixão de Cristo, em que Michael Sheen interpreta um personagem meio como Jesus, no País de Gales. Com sorte teremos tudo pronto no fim do ano para o lançamento na próxima Páscoa.
Quais cineastas o inspiram?
[Risos] Minha maior inspiração é passar por tudo isso e tentar sair vivo! Existem vários cineastas que eu adoro, mas ainda me sinto um principiante e acho que seria muita presunção dizer que este ou aquele diretor me influencia. Mas há montes de cineastas que adoro. E filmes diferentes foram influenciados por pessoas diferentes. Sou um grande fã de Woody Allen, e embora Luna não seja uma comédia, acho que todo o amor que tenho por sua obra foi parar lá. The Gospel of Us vai ser um filme muito mais experimental e expressionista, então puxa para o lado de caras como Andrei Sakharov e Michel Gondry. Mas não acho que The Gospel of Us vá se parecer com qualquer outro filme, porque foi filmado em três dias, como um evento teatral ao vivo. Por isso, em parte ele documenta esse estranho espetáculo teatral acontecendo em uma cidade, com seis mil pessoas assistindo. É parte filme e parte algo completamente diferente. Acho que vai ser um filme bem estranho.
A esta altura de sua carreira, acredito que você possa escolher com quem quer trabalhar. Há algum escritor que você admire e com quem gostaria de fazer um livro ou álbum em quadrinhos?
Claro, vários! Tive muita sorte de já ter trabalhado com alguns. Fiz um livro com um chef de cozinha incrível chamado Heston Blumenthal, um dos grandes chefs de vanguarda do mundo. Também terminei recentemente um livro com o biólogo Richard Dawkins, de quem sou um grande fã. Além disso, tem sido incrível trabalhar com Michael Sheen. Nos encontramos para fazer um livro juntos, e ainda vamos fazê-lo, mas The Gospel of Us surgiu e adiamos. Ainda há muitas pessoas, muitos novelistas com quem gostaria de trabalhar. Adoraria fazer algo com Paul Auster, que sempre foi um dos meus favoritos. Seria ótimo fazer uma história com ele.
Você diz que não se considera um artista. Como você vê a si mesmo e sua obra?
Bem, eu tento evitar o termo, de verdade. O problema com a palavra "artista" é que não sei mais o que ela significa. A única definição que parece atingir algum consenso é, "se seu trabalho é vendido por muito dinheiro em uma galeria, você é um artista". Mas há um monte de coisas horríveis por aí que eu não chamaria de arte de maneira nenhuma. É um tipo estranho de comércio, mas que não chega a ser arte, até onde me diz respeito. Por isso não tenho convicção nessa definição. E há uma outra que diz que qualquer coisa que alguém faz sem relação direta com se alimentar, procurar abrigo ou reprodução sexual é arte. Mas esta parece relativizar todo o significado do termo, por isso também não concordo com ela. Assim, o que faço e faz sentido para mim, é reservar o termo "artista" para aqueles que trabalharam em áreas criativas e foram absolutamente inovadores, criando a própria linguagem da arte, como Picasso e Miles Davis. Não é o que eu faço. Uso linguagens já estabelecidas para criar meus próprios livros e filmes. Por isso já fico feliz de ser chamado de ilustrador, pintor, fotógrafo, o que seja. Mas "artista" soa presunçoso demais. E desconfio de qualquer um que chegue se apresentando dizendo "Olá, sou um artista". É como se alguém dissesse "Oi, sou um gênio, prazer!".
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