RS entrevista José Serra - Ilustração Marcelo Calenda

Entrevista RS José Serra

Por Ricardo Franca Cruz, Pablo Miyazawa, Rodrigo Barros e Fernando Vieira Publicado em 18/10/2010, às 17h16

Ao chegar a seu comitê de campanha na zona oeste de São Paulo, em uma tarde seca de agosto, José Serra contrariou de uma só vez duas das características que normalmente são atribuídas à sua pessoa: foi com evidente bom humor e apenas 30 minutos de atraso que o candidato do PSDB à presidência da República se apresentou para a entrevista para a Rolling Stone Brasil - não sem antes digitar algumas rápidas mensagens em seu Twitter pessoal. Paulistano de 68 anos com longa biografia política, Serra fez questão de ressaltar não crer nas pesquisas que o apontavam naquele momento como segundo colocado nas intenções de voto, atrás da adversária petista. Mantendo uma linha de discurso forçosamente otimista com lampejos nostálgicos, o ex-ministro da Saúde e ex-governador do estado de São Paulo, hoje candidato do PSDB ao maior cargo da nação, demonstrou impaciência somente diante de questões relacionadas a seu ego.

O que o senhor pretende fazer pelo Brasil se eleito?

Fundamentalmente, ampliar oportunidades para as pessoas, que é o que o Brasil mais precisa. Oportunidades, evidentemente, para a juventude, porque é o Brasil do futuro, mas não só para a juventude. Hoje, uma mulher de 40 anos não consegue emprego. Esse é um fenômeno que eu nunca consegui entender como economista e quando fazia análise de mercado de trabalho. Porque a discriminação por idade em relação às mulheres é pior sempre. Então, o importante é a abertura de oportunidades - de vida, para viver melhor , para ter mais cultura, mais lazer, para os brasileiros serem mais felizes. Em termos de cultura, acredito que o desconhecimento trava a liberdade. Ninguém é livre ou mais livre com menos conhecimento. Ninguém é plenamente feliz sem conhecimento. É indiscutível que o conhecimento aumenta as possibilidades nessa área.

Vale a pena abrir mão da sua vida pessoal para ser presidente da República?

Eu não acho que seja abrir mão da minha vida. Para mim, o sentido da vida, tirando os aspectos afetivos que são fortes em mim, é a realização de poder realmente mudar o meu país. Parece uma coisa megalomaníaca, talvez eu seja, mas para mim não é sacrifício. Aliás, eu não acho que política seja sacrifício. Essa é uma mercadoria que se vende e é falsa. Sacriífcio é algo que, primeiro, você só faz se quiser; segundo, quando você faz por algo que não seja dinheiro, ele tende a ser mais prazeroso. Se fizer política por dinheiro, por um partido como corporação, por um agrupamento de interesses, daí talvez canse. Do contrário, não. Não me lembro nos últimos anos de ter tanta energia como nestes meses. Eu fiz muitos anos de análise, então o que tinha que ter aprendido a meu respeito, aprendi do ponto de vista individual. Mas, muito especialmente agora, fica claro para mim que, realmente, a eleição, a campanha, são prazerosas. Nunca tive isso tão claro quanto nessa campanha: com todos os riscos, com toda a dificuldade, é algo prazeroso. E o fato de me dar prazer me dá energia. Tem gente que trabalha naquilo de que mais gosta e isso é uma maravilha porque quase ninguém ama fazer o que está fazendo. Aqueles que conseguem isso vivem melhor. E, nesse sentido, estou vivendo muito bem.

O que a sua experiência política e, particularmente, este momento de campanha lhe ensinaram sobre o Brasil?

Que o Brasil é um país muito complexo e pelo qual vale a pena lutar. Eu não penso como Mussolini, que dizia a respeito da Itália, era uma frase famosa, inclusive: "Não é difícil governar a Itália, é inútil" . Eu penso justamente o contrário.

E o que o senhor aprendeu sobre os brasileiros?

É muito difícil fazer uma síntese, mas, mais do que uma reflexão intelectual, tenho um sentimento: sinto bem os brasileiros e acredito que eles me sentem bem também. Em qualquer lugar que eu vá noto uma familiaridade, não há barreira de espécie alguma, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Com todos que encontro, sinto que tenho um ponto de identidade. Meu sentimento é de proximidade.

O senhor tem a fama de ser notívago, de trabalhar noite adentro. Ainda é assim?

É, mas cada vez menos. A correria e a necessidade, às vezes, de fazer algo mais cedo, estão encurtando a minha jornada noturna, mas ela ainda existe. Segundo vários astrólogos, a minha melhor hora, o pico da boa disposição e da inteligência é aos 20 para as 2 da madrugada. Eu digo não porque acredite necessariamente, mas por que foram muitos diferentes que disseram a mesma coisa. Umas duas vezes por semana eu durmo bastante. Fundamentalmente de sábado para domingo, especialmente. Eu tentava tirar o domingo para descansar, mas agora já não dá.

O senhor não consegue planejar uma folga do trabalho na campanha?

Recentemente, fui ao Rio Gr ande do Sul visitar um fábrica de sapa tos de criança e o proprietário me deu três sapatinhos para a minha neta, então já estou reservando o próximo domingo para ficar com a minha neta e dar a ela os sapatinhos - já tinham enviado para ela, mas eu mandei voltar porque eu quero que ela saiba que fui eu que dei os sapa tos [risos]. Estar com ela me dá prazer, é uma coisa que me descansa.

Sua saúde já lhe cobrou por todas essas horas de muito trabalho e pouco descanso?

Não, eu não acho que questão de saúde dependa, dentro de limites, claro, da carga de trabalho. Eu tenho uma questão que me incomoda bastante, que é o excesso de voos, porque isso me pega na garganta. Eu sou alérgico, me incomoda. Mas sinto que estou fazendo uma coisa importante, acima de qualquer pequeno problema que possa vir a ter em termos de saúde.

Como é a sua relação com o Twitter?

É boa por que deu certo. Eu devo estar com uns 390 mil seguidores, não me lembro ao certo, mas é um número importante. Infelizmente, não consigo responder a tudo que me perguntam. Por mim, eu disparava respostas! Às vezes eu deixo de responder alguma coisa para não dizerem que eu respondi isso, mas não respondi 30 coisas semelhantes. As pessoas podem se ofender por eu responder a uma e não a outra. Eu, por mim, responderia a todos por que é muito rápido, mas é o problema do transcorrer do tempo. Estou me esforçando par a não transformar o Twitter num boletim de campanha, agora é indiscutível que as pessoas também têm interesse na campanha. Um dia, conversando com o Luciano Hulk, percebi que ele tem uma vantagem sobre mim que é extraordinária: ele consegue twittar num Blackberry, num iPhone. E pra mim isso é muito difícil e penoso.

No que o Twitter e as demais redes sociais ajudam no sentido de aperfeiçoar o seu discurso?

Muita coisa, muitas dicas, você não tem ideia. Por exemplo, existem as baixarias que espalham a meu respeito e agora posso saber delas via Twitter, porque as pessoas me perguntam, me cobram, e assim posso desmentir. Porque tem uma estratégia dos adversários que é inventar uma coisa a seu respeito ligada a um determinado setor. Por exemplo, espalharam que eu era contra concursos públicos. Eu fui descobrindo isso ao longo do tempo, mas a primeira vez foi pelo Twitter. "O senhor é contra os concursos?" Às vezes eu não respondo pra não divulgar de terminada coisa, mas eu anoto e, de fato, fui descobrindo que tinha professores que acreditaram que eu era contra os concursos públicos. Há uma quantidade enorme de gente fazendo cursinhos para concursos no Brasil inteiro, e aumentaram as oportunidades na esfera pública, inclusive para algumas categorias que ganham muito. Por exemplo, quem vai para o Ministério Público ou Judiciário. O salário inicial de um juiz, promotor, procurador é de R$ 19 mil. Então tem muita g ente concorrendo. Eu encontrei uma menina que manifestou a mesma preocupação quando eu fui jantar na casa do [ jogador de futebol ] Ronaldo. Tinha lá umas amigas da mulher dele, a Bia, e uma delas me disse: "E esse negócio de c ursinho, você v ai acabar com isso ?" Eu respondi: " Você é advogada e deve saber que isso é bobagem". Ela estava fazendo concurso para o Ministério Público. Ela disse: "Eu sei, mas fica aquele receio". Porque é o sonho da vida das pessoas em uma determinada área. Combater isso não é fácil, mas as redes sociais ajudam de alguma maneira. Em São Paulo, devo ter feito uns 110 mil concursos. O que eu sou contra é o cabide de empregos, nomeação sem concurso, que se faz par a apadrinhar. Não que não tenha que ter gente nomeada para trabalhar, mas há um abuso nisso e boa parte não trabalha. Mas, então, o Twitter adverte.

Quais são os livros que mais o inspiraram ao longo da sua vida?

Eu não vou fazer teoria literária e dizer por que, mas, entre os livros que me marcaram mesmo, um deles é Crime e Castigo e o trio do Machado de Assis - Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Li tudo isso e na adolescência, até os 16, 17 anos. Li todo o Machado de Assis. Um terço ou metade do que eu li na minha vida foi até os 20 anos. Eu tinha um prazer enorme de ler e tenho até hoje na leitura.

E, na música, quais as canções ou artistas que o marcaram?

Aí temos as vertentes. Eu, na juventude e até o exílio, era especialista em música popular brasileira. Era um grande conhecedor do Orlando Silva, era a minha maior especialidade. Não pelos discos, porque nunca tivemos toca-discos em casa. Tinha na casa de uma tia e eu ficava lá ouvindo. Depois vieram Elvis Presley e o rock, eu gostava, mas me reprimia, porque era politicamente incorreto, já que eu era nacionalista, anti-imperialista e via com desdém o pessoal cantando música em inglês. N a mesma época ha via The Platters, que apesar de todo o meu preconceito, eu acabava aprendendo as letras. E depois os Beatles, que talvez em música popular internacional são o que mais gostei até hoje. Os Beatles são atuais e modernos até hoje. Tenho um episódio com os Beatles que eu não me perdoo e pior é que não tem conserto.

Qual?

Quando eu saí exilado do Brasil, em julho de 1964, fui para a Bolívia e fiquei lá batalhando para conseguir sair e ir para a França, onde eu tinha uma bolsa de estudos oferecida pelos padres dominicanos, vários deles, depois presos, me tidos na guerrilha, isso já na metade dos anos 60. Finalmente eu consegui o visto, porque o grande problema para ir era não ter passaporte, o Itamaraty nunca deu passaporte a exilado, coisa que o Pinochet deu aos exilados chilenos, mas o Brasil não dava. Eu tinha um documento de viagem boliviano que era tão precário que a fotografia não tinha carimbo e fui o único brasileiro que conseguiu, por que ninguém tinha uma bolsa naquelas condições. Daí fui viajar. Para viajar tinha que ir a Lima, pegar um avião pinga-pinga e numa das pingadas subiram os Beatles no voo. Não me pergunte quando isso aconteceu exatamente, mas que eram os Beatles eram. Só que eles subiram e desceram, não me lembro direito onde eles subiram, mas desceram antes de ir para a Europa. E eu não dei muita bola, porque ainda tinha um pouco do preconceito anti-imperialista. Imagine se fosse agora, chegar per to de um beatle, pedir autógrafo. O que eu me arrependo até hoje!

A classe artística se mostra distante destas eleições, o senhor concorda?

Isso já vem das eleições passadas também. O fato é que, par a mim, psicologicamente, gosto do apoio de um bom artista do teatro, do cinema, da música, da literatura, mas do ponto de vis ta eleitoral não é um fator que pese muito. O caso clássico foi em 1978, no bojo da redemocratização, que estava em marcha, quando o Fernando Henrique foi candidato e houve uma grande mobilização. Acho que com a redemocratização, e você tendo acesso a outras formas de comunicação mais objetivas, deixou de ter a importância que tinha antes - se bem que, reafirmo, não sei se tinha importância do ponto de vista eleitoral. Conforta- me o fato de ter apoio de grandes artistas, mesmo que seja discretamente. Por exemplo, em Porto Alegre fundaram um comitê suprapartidário para me apoiar e a Lya Luft leu o manifesto. Fiquei muito agradado de Lya Luft ter se dado ao trabalho de ir até lá e ter feito a leitura do manifesto. Isso ganha eleição? Não, mas melhora, e muito!, o astral da campanha.

A classe política está muito desacreditada com a juventude. Ao mesmo tempo que há uma participação, parece que há certo receio do jovem médio de se envolver de uma forma mais profunda nas campanhas. O senhor concorda com essa afirmação?

Acho que posso explicar isso parcialmente, ou pelo menos ilustrar algum aspecto, fazendo um par alelo com o período em que eu era líder estudantil. Primeiramente, a UNE era uma entidade forte, mas se tinha no Brasil uns 120, 130 mil estudantes universitários, a maioria inclusive em escola pública. Eu sou capaz de dizer, de memória, onde era particular o ensino aqui em São Paulo. Conhecia todas as faculdades particulares, você imagina como tinha pouco ensino superior privado no Brasil. Hoje, deve ter no Brasil uns 3 milhões de estudantes universitários. N a época, a UNE era uma entidade forte, de massas, politizada, era movimento social puro nesse aspecto. E o que aconteceu ao longo destas décadas? O ensino superior se multiplicou por 30 vezes, num país muito heterogêneo por todo lado. O próprio perfil dos estudantes tornou-se heterogêneo. Por exemplo, faculdade noturna não era uma prática tão generalizada como hoje, em que esses estudantes muito heterogêneos, a maioria trabalhando par a pagar a faculdade, não têm disponibilidade de tempo para se dedicar a uma atividade extrauniversitária, ou têm uma capacidade muito limitada. Ou seja, se tem situações estruturais muito diferentes que dificultam no plano nacional uma participação política mais ativa. O segundo ponto é o aparelhamento: as entidades foram aparelhadas na época da ditadura por que tinham que ser clandestinas. Hoje, a UNE é totalmente aparelhada, produzindo uma eleição totalmente aparelhada que neste momento é manipulada pelo governo. Acabou, é uma entidade que não representa os estudantes porque os estudantes não querem ser manipulados - mesmo quem não é politizado não quer ser objeto de manipulação. Finalmente, se tem um terceiro aspecto: de alguma maneira o PT aparecia para a juventude como a utopia. O Lindberg Farias foi presidente da UNE na época do Collor? Hoje ele está num governo que apoia o Collor para governador e que pediu desculpas ao Collor pela marcação que fez em cima dele na época que ele foi deposto. Eu não estou pondo a culpa no Lindberg, estou dizendo o seguinte: ele era presidente da UNE e hoje o par tido dele, o PT, pediu desculpa e apoia o Collor. Isso para um jovem é pouco charmoso, perdeu-se aquela utopia que o P T poderia representar para a juventude. Tudo isso são fatores de desestímulo.

O que o senhor acha que substitui a utopia que, segundo o senhor, o PT representava?

Era uma utopia de grande transformação, como foi para a minha geração a Revolução Cubana, que parecia que a revolução estava na virada, parecia a chegada do PT ao poder. Mas, quando chegou, quem governou foi outro P T: conservador em matéria de política econômico-financeira, não tem nada de esquerda, não confundir corporação e agrupamento de interesses com isso, então tem déficit de utopia no mundo político em relação à juventude.

E o que mudaria efetivamente para os jovens num eventual governo seu?

O combate à manipulação me parece uma questão essencial. Não é o governo que cria utopias, são os partidos que fazem isso; o governo tem que executar e fazer acontecer . P ara os jovens irá melhor ar pela abertura de oportunidades de formação profissional, que pode por sua vez fortalecer o ensino técnico. Nós fizemos essa experiência aqui em São Paulo na prática. O aumento imenso de ensino técnico, mais do que dobrando o número de vagas, havia 70 mil vagas e v amos ter 1 70 mil até o final do ano. Nós fizemos paralelamente o aumento do ensino médio dentro das escolas técnicas, na mesma unidade. E se vê de maneira palpável como isso melhor a. Nós v amos fazer um grande programa massificado nacional de ensino técnico. Acho que essa é uma coisa essencial. Outra é o combate ao crack, que é um fator hoje corrosivo para a juventude e para as famílias. Fora o combate à entrada da cocaína e aos traficantes. Duas coisas são essenciais. Primeiro, a educação que não tem no Brasil. Eu não tenho uma fórmula pronta, isso tem a ver com psicólogos, pedagogos, com especialistas, como é que se vai fazer esse trabalho educacional, a partir de que ano. Segundo, o tratamento e a recuperação dos dependentes químicos, coisa que também não existe no Brasil. As tentativas que nós fizemos aqui em São Paulo de criar clínicas para tratamento de dependentes não têm apoio federal porque faz parte de ideologia do P T, no caso, de que não se deve ter clínicas separadas para tratamento. Nós fizemos algumas e a taxa de sucesso é enorme. Nós temos que fazer isso para a sociedade. Deixar ao alcance de todos que precisam. Por outro lado, você tem as questões relacionadas com a cultura e o esporte. Se você olhar aqui em São Paulo, no meu governo a área em que mais se expandiram gastos foi a da cultura, em que o orçamento aumentou três vezes em quatro anos. A diversidade de ações e realizações na área cultural foi muito grande. Criamos a escola e o São Paulo Companhia de Ballet, a escola de dança v ai demorar um pouco ainda, mas está a caminho. Serão 5 mil jovens diariamente, com ensino de graça de balé e música. O Projeto Guri para a garotada aprender a tocar instrumentos nós passamos para as freiras marcelinas, que são parceiras também na saúde. Expandiu muito inclusive na região da grande São Paulo, porque antes era só interior . A s fábricas de cultura são uma coisa extraordinária para a juventude da periferia. Enfim, fizemos a escola de teatro que também tem bolsas par a estudantes mais carentes, e não é escola só de dramaturgia ou de interpretação, mas de trabalhos relacionados com o teatro, iluminação, som e outras especialidades. E a questão esportiva também. Nós criamos o incentivo ao esporte aqui em São Paulo e vai ter uns R$ 60 milhões por ano, for a os programas que já são desenvolvidos para fomentar esportes que não sejam somente o futebol. A cultura e o esporte aumentam a autoestima da juventude. Do ponto de vis ta da juventude, nós vamos fazer uma virada importante, porque isso tem efeito sis temático e não como instrumento de propaganda, de publicidade, de marketing.

Com relação à legalização da maconha, senhor é contra ou a favor?

Eu sou contra, por que, na prática, nas condições do Brasil hoje abre um caminho par a outras areas de relações. Não sou contra que se debata, mas não está nos meus planos tomar nenhuma iniciativa nesse sentido. Os países que tentaram esse caminho não deram certo, nem a experiência da Holanda tem dado certo. Nenhum país tem encontrado uma solução isoladamente. Não tenho dúvidas de que qualquer mudança nessa área terá que ser em escala internacional. Ou se tem uma coisa, em geral, mais internacionalizada, ou não se consegue.

São oito anos de governo Fernando Henrique seguidos de oito anos de governo Lula. O senhor acredita que o próximo governo terá condições de se unir em torno d o que é principal para o país, como reforma política, reforma tributária? Teremos uma agenda positiva?

Eu acho que essa é uma questão que está aí no dia a dia. O Brasil avançou muito nos últimos 25 anos, do Tancredo [Neves], da redemocratização para cá. Eu já falei disso mais de uma vez. A própria redemocratização, a nova Constituição que no trâmite da democracia e das liberdades é bastante avançada, deu base para uma democracia de massas no Brasil, criou o SUS, que a meu ver é o melhor sistema que o Brasil pode ter para a saúde pública. Precisa funcionar melhor, mas isso depende dos governos. Está lá na Constituição. Questões como seguro-desemprego foram resolvidas definitivamente, eu criei o Fundo de Amparo ao Trabalhador quando deputado e na Constituinte através de lei. Tivemos depois o Plano Real, tivemos a remoção de um presidente pela primeira vez na história, pelo menos da história que eu me lembre, sem abalo institucional. É incrível isso, não teve um tanque na rua. Isso é sinônimo, por incrível que pareça, de solidez das regras do jogo democrático que foram se implantando. Teve o Plano Real, por que o Brasil vivia na poeira quente da superinflação, que obstruía a visão das coisas, sufocava o país. Muitas mudanças importantes depois, [foi criado] o Fundef, que representou um fortalecimento enorme das bases dos municípios, da educação nos municípios e várias coisas. Avanços importantes. Depois teve o governo Lula com avanços também em algumas áreas. Agora, tem-se uma sequência, cada governo que entra pega o que o governo anterior fez, se tiver um mínimo de responsabilidade, aquilo que merece permanecer, permanence e pode ser melhorado, e o que é evidentemente mais problemático vai ser enfrentado. Então, nesse sentido, por incrível que pareça, no Brasil há uma continuidade. O governo Lula foi uma continuidade sem continuísmo do governo Fernando H enrique. O próximo será uma continuidade sem continuísmo do governo Lula. Não depende das pessoas, não depende de qualquer coisa, por que são fatos da realidade. As coisas vão andando. E o Brasil tem coisas que precisam melhorar muito - na segurança, na saúde, na educação, nos investimentos. Não olho isso do ponto de vis ta partidário, mas do ponto de vista do preparo de quem v ai realmente tocar essas melhorias. Acho que tem que parar de uma vez com essa privatização do Estado, privatização dos órgãos governamentais, não é privatização de vender par a área privada, não, é continuar estatal e entregar para pessoas e par tidos par a tirarem proveito disso, coisa que hoje é talvez o ponto mais avançado de troca-troca nessa matéria da nossa história. Nunca houve uma privatização no mau sentido do Estado como agora. Tudo isso será uma nova etapa do Brasil. Eu tenho uma experiência parlamentar enorme. Na Constituinte, eu fui quem mais aprovou emendas daquelas que apresentaram números significativos. No meu caso, foram de 160 a 200. Eu aprovei, tive o maior índice. Isso implica articulação parlamentar, você não aprova nada se você não tiver conversas, não souber articular. No Ministério da Saúde eu fiz seis projetos de lei e uma emenda constitucional, fiz acontecer, aprovei tudo com o apoio da oposição, inclusive. Não loteei ministério, pelo contrário, tinha esse apoio, pois respeita va cada parlamentar , a tendia nas emendas, dizia qual era a emenda que eu aceitaria, qual não aceitaria no meio de 1.500 emendas. Aqui na Prefeitaura, fiquei com minoria na Câmara, mas tocamos adiante. No Estado, fiquei com maioria folgada na Assembleia Legislativa, sem que nenhum grupo de deputados tivesse nomeado diretor de empresa ou secretário, secretário-adjunto. Esse é o meu estilo, que acredito favorecer a governabilidade, par a não falar da experiência administrativa e clareza nas prioridades. É isso que eu tenho a oferecer ao país e as pessoas vão decidir.

Fala-se muito do seu ego. O senhor é egocêntrico?

Para começar eu não sou egocêntrico. Se eu fosse egocêntrico, teria outra vida. Não conheço ninguém que dê mais força para quem trabalha junto, como eu. O egocentrismo em princípio se traduz num sintoma: quem trabalha com você não cresce. Esse é o egocêntrico do ponto de vis ta da convivência. Pois os que trabalharam comigo podem falar muita coisa de mim, que eu dou bronca, telefono, mando e-mail, menos que eu não dou liberdade para o crescimento, que não prestigio. Por quê? Porque eu estou preocupado com o todo, estou preocupado em arrumar o Brasil e fazer o país avançar. Essa é a minha preocupação. Ser egocêntrico não é da minha natureza e é perder tempo. Por exemplo, eu nunca me incomodo com o sucesso alheio. T em g ente que se incomoda, e aí é um inferno. É a chamada in veja. Agora, às vezes o sucesso alheio me serve como norte, quando eu encontro uma pessoa de talento, pra mim não me incomoda o sujeito ser arrogante, ser vaidoso, se tiver talento. Porque o que em geral incomoda é o gap, a diferença entre o que alguém acha que é e o que é realmente na prática. Mas, quando tem certa correspondência, tudo bem.

As pesquisas não estão nada a seu favor. O senhor, no seu íntimo, teme a derrota no primeiro turno?

Hoje eu tenho a mesma percepção que tinha há alguns meses, que é a de que vai ser uma campanha difícil, e que eu vou ganhar . Meu comportamento é exatamente esse. Pesquisa eu não discuto, porque vai, vem e em geral se escrevem boas teorias a respeito a posterioridade. Eu estou muito confiante. E, sinceramente, se eu pensasse o contrário, eu iria responder? [risos]

O senhor tem apoio do Roberto Jefferson em sua campanha. Isso não pode manchá-la?

O Roberto Jefferson denunciou o mensalão, denunciou o Lula e quatro ministros, o Lula confirmou na Justiça que ele tinha denunciado. A minha relação com ele sempre foi como deputado. Éramos colegas na Câmara e depois quando eu era Ministro da Saúde. O Roberto vinha com frequência ao Ministério da Saúde lutar pelas emendas. Nunca me pediu uma nomeação ou qualquer coisa que tivesse uma proximidade remota com irregularidades. Ele é presidente de um partido que está me apoiando e eu me sinto perfeitamente bem com isso. E o Roberto sabe como eu funciono com todos que estão na nossa aliança. Não estou f alando dele individualmente, ou d o P SDB ou de fora, mas todos sabem como eu trabalho.

Se eleito, qual o compromisso que o senhor assume para combater a corrupção?

Primeiro, não passar a mão na cabeça de ninguém que tenha praticado corrupção, como está acontecendo no Brasil. O Zé Dirceu, que é o chefe da quadrilha, segundo o procurador-geral da República, é hoje um dos comandantes da campanha da Dilma. Quando se passa a mão na cabeça e dá-se poder a gente assim se cria um círculo vicioso e não um círculo virtuoso para enfrentar a corrupção. Errou, tem que ser punido! E, segundo, não lotear , não fazer como se faz hoje, em que se entrega a diretoria financeira, a diretoria de compras de uma estatal para um partido, para um grupo de deputados. Já se perguntou por que eles querem isso ? Para melhor ar o Brasil é que não é. E eu quero melhor ar o Brasil.

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