Empregadores brasileiros que usam o trabalho escravo encontram apoio dentro do Congresso para saírem da chamada Lista Suja
Carlos Juliano Barros Publicado em 11/02/2008, às 14h44 - Atualizado em 27/02/2008, às 11h48
Os trabalhadores chegam à fazenda no lombo de um caminhão, depois de horas de viagem. Tão logo avistam a área a desmatar, iniciam a primeira tarefa: construir o próprio alojamento. Só aí podem descansar seus corpos esgotados em redes, protegidos do sol e da chuva por uma lona preta esticada em pedaços de pau. O dia-a-dia é duro e requer energia. Mas a fome jamais se sacia somente pelo arroz e feijão ingeridos religiosamente no almoço e no jantar. A água para cozinhar, lavar o corpo e matar a sede provém da mesma fonte utilizada pelos animais que procuram aliviar o calor. Os maços de cigarro e os litros de aguardente comprados a preços superfaturados na venda vão corroendo o esperado salário do fim do mês. Também está devidamente registrado em um caderninho o custo do transporte, que parecia gentileza do patrão. No final das contas, invertem-se os papéis. É o empregado quem deve ao empregador. Então, só restam duas alternativas: labutar ou fugir.
No aniversário de 120 anos da canetada da Princesa Isabel, que acabou legalmente com a escravidão no Brasil, o número de pessoas que ainda hoje trabalham de maneira forçada em fazendas do interior do país não é nada desprezível.
Desde 1995, quando o governo federal reconheceu perante a Organização das Nações Unidas (ONU) a existência de escravos em seu território, mais de 27 mil pessoas já foram literalmente libertadas em operações dos chamados "grupos móveis" do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Composta por fiscais e procuradores do Trabalho, além de policiais federais que garantem a segurança da expedição, uma blitz como essa é feita de surpresa e pode durar vários dias. Geralmente é motivada pela denúncia de alguém que escapou de uma fazenda a um sindicato ou a um centro de defesa de direitos humanos, que alertam as autoridades em Brasília. No ano passado, os números oficiais bateram recordes: 5.877 resgatados. Estatística que não deixa dúvida quanto à atualidade do problema.
Os escravagistas modernos não são pequenos produtores sem dinheiro para bancar o gasto com seus funcionários, como se poderia pensar apressadamente. Ao contrário, investidores capitalizados e grupos empresariais de porte ainda teimam em recrutar trabalhadores desesperados, deixando de honrar seus direitos básicos. O objetivo é simples: elevar os lucros à enésima potência. Até representantes da linha de frente do poder público têm o dedo metido nessa ferida. É o caso do senador João Ribeiro (PR-TO) e do deputado federal Inocêncio Oliveira (PR-PE), para citar gente de peso na cena política nacional. Ambos estão envolvidos em processos na Justiça decorrentes de fiscalizações do grupo móvel que encontraram escravos em suas terras.
A identidade desses maus e às vezes ilustres patrões só vem à tona graças à temida "Lista Suja" do MTE. Regulamentada pela portaria 540/2004, ela consiste num cadastro de empregadores flagrados pela prática desse crime, e é atualizada em média a cada seis meses. Na sua edição mais recente, disponível no site do ministério, ela torna públicos os dados de 189 pessoas físicas e jurídicas que incidiram nessas irregularidades. Para se ter noção do poder de fogo desses empregadores, uma das dez maiores fabricantes de produtos lácteos do país, a Leitbom, está na última divulgação. Assim como o Grupo Soares Penido, que controla a viação Pássaro Marrom, entre outras empresas.
Uma vez citado na Lista Suja, o infrator permanece por pelo menos dois anos. Se todas as pendências forem resolvidas, durante esse período, seu nome pode enfim ser retirado. "Não se tem notícia de outro lugar do mundo em que haja um cadastro como esse. Ele é o principal instrumento de combate ao trabalho escravo no Brasil porque, a partir dele, é possível construir uma série de políticas para erradicar o problema", afirma Andrea Bolzon, coordenadora da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
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