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Extras - Caio Blat

Leia aqui perguntas que não entraram na entrevista com o ator publicada no P&R; da edição 67/abril2012 da Rolling Stone Brasil

Stella Rodrigues Publicado em 13/04/2012, às 17h50 - Atualizado às 17h57

Caio Blat se demonstrou extremamente apaixonado ao falar sobre o filme Xingu, que está em cartaz. Estudioso, Caio se diz o tipo que não consegue sair de casa sem ler os jornais. Da mesma forma, não se envolve em um projeto sem explorar todos os aspectos dele. Leia abaixo os extras dessa entrevista, que está no P&R da edição 67/abril de 2012 da Rolling Stone Brasil (leia um trecho aqui).

Sua interpretação sobre a questão dos territórios dos índios e o papel dos irmãos Villas-Bôas

Quando os irmãos entraram nessa expedição ela não tinha nada a ver com os índios. A expedição aconteceu porque durante a Segunda Guerra existia um conflito territorial na Europa e teve um ministro italiano que declarou no início da Segunda Guerra que não precisava os países europeus entrarem em guerra por causa de território, bastava eles ocuparem o centro do Brasil que estava vazio. Aí o Getúlio Vargas ouviu isso e ficou desesperado com o perigo de quererem invadir o Brasil, porque o Brasil era um território imenso e desconhecido, só existia o mapa do litoral. Os aviões iam para o interior e não tinham onde pousar. O Brasil não sabia o que existia em seu interior até os anos 1940. Então, foi contratada essa expedição pelo Getúlio Vargas para abrir pistas de pouso para os aviões poderem pousar no interior do país e descobrirem o que tinha lá - se tinha rio, se tinha montanha,Os Villas-Bôas saíram de Xavantina, que é quase divisa com Goiás, e começam a cortar o país. Isso se chamou "Rumo a Oeste". E eles vão abrindo trilhas, a primeira função deles é essa: abrir trilhas pelo meio da florestas e onde achavam campos adequados, faziam pistas de pouso para que o Exército pudesse ocupar o país. Acontece que logo que eles começaram a atravessar a selva com essas picadas, passaram a sofrer contatos de índios, ataques. Foi aí que começou a primeira modificação no paradigma: antes, o Exército ia na frente e toda vez que aparecia índios eles fuzilavam, matavam. E os Villas-Bôas começaram, então, a desenvolver uma política de pacificação. De se aproximar desses índios sem conflito, dando presentes e fazendo contato. Eles ficaram fascinados, foram encontrando culturas que nunca tinham sido contatadas antes. E aí toda a luta deles para abrir pistas, campos de pouso e campos militares se transformou em uma luta pelo contrário: para expulsar os militares e criar uma reserva que protegesse os índios dessa invasão.

A posição dele a respeito dos conflitos

Eu acho que essa disputa é muito complexa e muito polêmica até hoje. O que acontece? No início, a ideia do Marechal Rondon, que foi quem criou o sistema nacional de proteção ao índio, que depois deu origem à Funai, era educar o índio, integrar o índio à sociedade. Educar, imunizar, ensinar a ler, escrever, dar um trabalho para ele. E os Villas-Bôas viram que esse era, na verdade, um processo de destruição cultural, que o índio não consegue manter a sua própria cultura integrado na sociedade dos brancos. E que também não existe lugar na sociedade para o índio. Então, o índio se torna mendigo, ou peão. Os Villas-Bôas disseram que Rondon estava errado no seu princípio. Não dá para integrar o índio sem destruí-lo. Que o índio precisa ser preservado e a única maneira de preservar a cultura do índio era com reservas grandes, porque o índio é nômade, quando não tem peixe em um rio, ele tem que ir pra outro. O índio não é muito de plantar, ele é mais de coletar. Então, quando acabam os frutos em torno do lugar onde está a aldeia, ele move a aldeia para outro lugar que tenha uma mata mais rica. Então, os Villas-Bôas introduzem essa inovação que é a ideia da grande reserva, uma reserva gigante que cria um anel de proteção para as aldeias e uma distância tão grande entre as fronteiras da civilização, que isso não interfere na cultura do índio. Porque a civilização que chega no meio da mata é a pior possível, são garimpeiros, são seringueiros. É gente que leva a prostituição, miséria, alcool, doenças. É um contato muito destrutivo para os índios. Eles conseguiram mudar essa política e tiveram a ideia do Parque Nacional do Xingu, que é uma reserva gigantesca, maior do que a Bélgica, onde tem uma densidade populacional muito baixa, poucos milhares de índios, mas é a única forma que eles encontraram para proteger. Hoje são dezesseis civilizações que convivem às margens do Xingu. Línguas diferentes, culturas e artesanato diferentes, mas com todos convivendo em harmonia. Na verdade, é um mosaico cultural dos mais sofisticados, dos mais deslumbrantes do mundo.

Aspectos que o impressionam na cultura indígena

O que os Villas-Bôas estabeleceram no Xingu é um modelo em que o índio determina até onde ele quer receber a cultura do branco dentro da terra dele. Hoje, o Parque do Xingu é administrado pelos próprios índios. Não tem mais nenhum branco atuando como diretor lá. Os índios têm acesso a todo tipo de tecnologia e eles usam a tecnologia pra preservar a própria cultura, não para destruí-la. Eu saí um dia que eu estava na aldeia fazendo uma preparação, antes de começar o filme, e fui passar um fim de semana no Xingu, na aldeia, e eles precisavam construir uma oca que havia sido queimada por uma criança. Fomos para o meio da mata para cortar árvore. Foi todo mundo de roupa, em uma camionete 4x4, com serra elétrica, trator, tudo isso pra entrar na mata e cortar as árvores que precisavam. Só que quem aponta qual é a árvore boa é o pajé. Coisas que eles demoravam semanas, meses, hoje eles escolhem as melhores árvores, cortam com a serra elétrica, amarram tudo com o trator e levam para a aldeia. Acontece que quando essa madeira chega na aldeia, ela é usada para construir a oca exatamente como era feita a quinhentos, mil anos atrás. Quer dizer, é o uso da tecnologia sem a transformação da cultura. Porque não se o trabalho fica mais fácil? Outra coisa fascinante é que a gente filmou muito tempo no interior do país e muitas vezes a gente ficou isolado, sem um sinal de telefone, sem internet, sem poder falar com a família... Isso em cidades normais, no interior do Tocantins, cidades na região do Jalapão, na beira do Araguaia... Mas na aldeia não, porque eles têm uma antena via satélite, e têm laptops... então eu falava com a minha família pelo Skype de dentro da mata. A comunicação na aldeia acontece com um sistema independente movido a gerador com gasolina. E o que é mais legal: eles ligam o gerador à noite, durante, mais ou menos, uma hora, duas horas no máximo. Então, com isso, eles assistem à televisão, têm tela plana dentro da oca, eles assistem ao jornal, assistem à novela. Eu vi o jogo da seleção brasileira da Copa do Mundo na aldeia, vi o Brasil ser eliminado pela Holanda lá. Eu fiquei muito impressionado porque para os índios mais velhos, que já cresceram ali, com aquele padrão de vida na natureza, e aos poucos foram vendo a entrada dos brancos, é muito natural estarem ali, mas para os jovens é uma escolha muito séria permanecer na aldeia, porque hoje eles têm acesso a tudo, muitos têm vontade de ir para as cidades, estudar, sair da mata. Fiquei fascinado com a determinação dos jovens índios, que têm acesso a internet, laptop, televisão, e que não querem sair do parque, querem preservar a sua cultura. Eles tiram toda a roupa e se pintam, dançam e treinam as suas lutas. A maior parte do tempo em que o gerador está ligado, em vez de os índios quererem assistir à novela das oito, ao Jornal Nacional, eles colocam DVDs com filmagens das próprias danças.

Se acredita que todos os lados se sentiram representados

Eu acho que esse é o maior mérito do Cão [Hamburger, o diretor. Ele tinha diante de si um projeto gigantesco, complexo, um épico muito difícil de filmar, um filme de época, no meio da mata, com aviões, guerras, índios. Eu tinha muito medo de como ele ia dar conta da complexidade disso tudo. E o Cao foi magistral nesse sentido, porque eu acho que ele, ao mesmo tempo mostra a complexidade dos irmãos, além de ser uma grande saga de aventura, existe ali a história de três irmãos, que se não fossem irmãos talvez nada disso tivesse acontecido, três irmãos que largaram tudo em São Paulo, que tinham emprego, família, tinham tudo, e decidem partir em uma aventura juntos. E em um dos momentos, esses irmãos brigam mortalmente, rompem. Os irmãos expulsam o Leonardo do parque. Ele era o mais jovem, forte e disposto e quando ele é expulso do parque, ele morre em dois anos em São Paulo de depressão (tuberculose e problemas pulmonares totalmente ligados à tristeza e à depressão). Essa é uma história muito forte que causa uma dor muito grande nos irmãos. Outro momento dramático é quando o Claudio, com o desejo de proteger outras aldeias que estavam ameaçadas, começa a obrigar os índios a irem para o Xingu, quando, na verdade, eles não queriam ir. Os índios queriam permanecer nas nas terras dos seus ancestrais e o Claudio começa um processo violento de forçar os índios a irem para o Xingu. São uma série de situações realmente muito complexas de como lidar com o índio. O filme mostra essa complexidade, a diferença e o choque cultural. Os Villas-Bôas nunca deixam de ser brancos dentro da aldeia. O Claudio diz que assim que você olha pra os índios, você já roubou alguma coisa - da pureza deles, da inocência, a capacidade de viver dentro da mata. A primeira aldeia em que os Villas-Bôas contatam e que eles ficam amigos, uma semana depois a aldeia inteira morre por causa da gripe que um deles da expedição tinha. Eles descobrem que só pelo fato de eles chegarem podem matá-los. E aí eles têm que tomar uma decisão: ou eles voltam, vão embora e largam os índios lá, ou eles começam a cuidar dos índios, ensiná-los, protegê-los. O Claudio fala uma frase que para mim é uma frase maravilhosa dentro do filme: “vamos ser o veneno e o antídoto”.

O próximo projeto no teatro

Eu estou montando uma peça que é uma adaptação minha, Os Irmãos Karamazov. Foram oito anos de pesquisa com um professor da Unicamp, o Manoel Candeias, e agente decidiu adaptar o romance completo de Dostoiévski para os palcos um romance que não tem nenhuma adaptação no mundo inteiro para teatro. É um romance que quase mil páginas e que foi considerado por Freud maior obra já escrita pela humanidade. Conversamos com vários professores, tradutores e ficamos anos e anos escolhendo uma linha de adaptação e preparando esse texto. A gente vai montar no segundo semestre.

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