Reportagem publicada originalmente na edição 621 da RS EUA (janeiro de 1992) -

Fabricando o Rei do Pop

Por Michael Goldberg Publicado em 30/09/2009, às 16h58 - Atualizado em 12/01/2018, às 13h34

Os sete anões estão cantando. Suas vozes saem de alto-falantes escondidos entre as árvores e da incrível flora que cerca a mansão de Michael Jackson, em Neverland Valley - seu oásis de 1.092 hectares e U S$ 22 milhões no Vale de Santa Ynez, uma hora ao norte de Santa Barbara, Califórnia. "O Xanadu particular de Michael", como seu amigo, o diretor John Landis, descreve. Em Neverland, Jackson criou um ambiente escondido e protegido, longe de executivos, advogados, gerentes, VIPs dos canais musicais de TV e até de seus familiares. Aqui, ele pode ficar na frente de casa e os únicos barulhos que escuta são os pássaros nos carvalhais e plátanos e, claro, os Sete Anões. Se ele decidir olhar além do amplo lago em frente à sua casa de campo de três andares em estilo Tudor, além do belo gramado e dos canteiros de flores bem cuidados, das estátuas de bronze de meninos tocando tamborins ou acordeões de brinquedo, ele vê simplesmente uma colina tranquila, pontuada por carvalhos.

Em qualquer direção, até onde os olhos conseguem ver, está o Reino Mágico de Michael Jackson. "É claro que ele tem um pouco de medo de pessoas", diz o coreógrafo Vince Paterson. "Quando existe gente que, desde que você é criança, quer pedaços de você, suas roupas, seu cabelo - é normal ficar nervoso em volta delas." À noite, parece que houve uma chuva de pó de pirlimpimpim de alta tecnologia em Neverland. Perto do parque de diversões, por exemplo, Jackson instalou luzes brancas no tronco e nos galhos dos carvalhos. Enquanto essas luzes piscam, árvores brilhantes parecem se materializar diante de nossos olhos e depois desaparecem. Uma estrada sinuosa de tijolos amarelos leva ao parque de diversões, aceso em contraste com o céu escuro. A casa, o lago, as estátuas e os próprios edifícios de madeira e pedra parecem saídos de um conto de fadas. Em meio a esse ambiente mágico, Jackson às vezes entra na hidromassagem externa, retira uma grande rocha que esconde uma TV e um videocassete e, sentado sob as estrelas, assiste a uma das centenas de vídeos guardados em sua videoteca no andar superior da casa principal.

Jackson frequentemente recebe crianças para brincar. De acordo com seu porta-voz Bob Jones (que trabalhou pela primeira vez com ele na Motown, quando o cantor era integrante do Jackson 5), isso normalmente inclui "ônibus cheios" de crianças carentes e doentes terminais, além de jovens amigos do superastro. "Quando as crianças estão aqui, às vezes elas ficam tão empolgadas que não conseguem dormir", diz Lee Tossir, que ajudou a projetar o cinema de Jackson e serve como seu projetista. "De vez em quando, recebo uma ligação às 2 da manhã: 'Lee, você pode passar o filme tal?' Neverland não é um lugar onde crianças vão dormir no horário certo - elas realmente dominam o lugar quando estão aqui." Jackson adora crianças. Quem o conhece acredita que um motivo pelo qual ele pode relaxar com elas é que ele realmente acredita que as crianças gostam dele pelo que ele é, não por que é um grande astro. Como um funcionário observa: "Se você tem menos de 91 centímetro de altura, pode ter acesso total ao Michael Jackson".

Ironicamente, à medida que Neverland se torna ainda mais mágica e etérea, o próprio Jackson não consegue aproveitá-la. Na maior parte dos três anos desde que a comprou, ele ficou mais em Los Angeles, enfurnado em diversos estúdios de gravação escuros. Agora que o álbum está pronto, ele ficará ocupado durante meses, filmando clipes para as diversas músicas de Dangerous e cairá na estrada para divulgar o disco até meados de 1992. Os planos de turnê não foram formalizados, mas está claro que Jackson, decidido a continuar no topo do mundo do entretenimento, irá tomar seu tempo e fazer o show o mais espetacular possível. "O plano é que ele comece a trabalhar em seu filme", diz Bob Jones, que há três anos trabalha para a própria companhia do astro, MJJ Productions. "Mas nunca se sabe, com Michael isso pode mudar . Desde que entrei, Michael tem controle total. Ele sabe o que funciona para ele e para o público, é muito mais fixado em suas idéias sobre como quer fazer as coisas." Uma coisa é certa: Jackson não passará muito tempo à beira da piscina em Neverland, pois, como todo mundo já sabe, o show de Michael Jackson está, mais uma vez, aberto para negócios.

O Rei do Pop. é assim que a fox, a black Entertainment Television (BET) e a MTV, os canais de TV norte-americanos que conseguiram os direitos de estreia do vídeo "Black or White", de Jackson, referem-se a ele. Esse foi o negócio - se quiser "Black or White" primeiro, chame Jackson de "Rei do Pop". Até que faz sentido. Bruce é o Boss ("chefe"), Elvis é o Rei, Prince é, bem, "Príncipe" - e Michael Jackson? De alguma forma, Wacko Jacko, como os tabloides britânicos o chamam. Não funciona bem. Então, se o mundo não o coroa rei, ele mesmo o fará. O que explica o memorando de 11 de novembro de 1991, digitado em papel timbrado da MTV Networks, que circulou entre os funcionários da MTV na semana antes da estreia de "Black or White". O memorando orientava todos os funcionários de gravação a se referirem a Jackson como "Rei do Pop" pelo menos duas vezes por semana nas duas semanas seguintes, além de agradecer à equipe por sua colaboração, acrescentando que "a Fox e a BET já estão fazendo isso". "O fato é que muitas pessoas mudaram de nome recentemente", diz Tom Freston, presidente e CEO da MTV Networks, defendendo as ações da emissora. "M.C. Hammer agora é Hammer, e Michael Jackson é o 'Rei do Pop'. Quem somos nós para impedir o progresso? Seja lá como eles quiserem ser chamados, tentamos obedecer." Assim, a MTV e os outros canais o chamaram de "Rei do Pop", transmitiram seu vídeo e o mundo enlouqueceu. Estima-se que meio milhão de pessoas assistiu à estreia de "Black or White", que rapidamente se tornou o vídeo mais pedido da semana na MTV. Como resultado da reação impressionante, a emissora colocou o vídeo no que Freston chama de "rotação superpesada". "Nenhum artista, nem ele mesmo", conta Freston, "conseguiu mais transmissões por dia".

Embora "Black or White" tenha recebido mais exposição concentrada do que qualquer outro vídeo, não tem o impacto que "Thriller" teve em termos de influência. "Thriller" foi claramente inovador: seu orçamento de US$ 1,2 milhão foi o maior gasto em um vídeo na época. Ao combinar narrativa, partes não musicais dramáticas e coreografia ambiciosa, Jackson e o diretor Landis definiram novos padrões para videoclipes. O vídeo da canção também ajudou Jackson a vender 1 milhão de álbuns por semana no mês após sua primeira transmissão.

Nos dias seguintes à estreia de "Black or White", em jornais do mundo inteiro, outros milhões de pessoas liam sobre ele e sobre aos últimos quatro minutos do videoclipe, no qual Jackson simula masturbação, fecha o zíper, quebra os vidros de um carro e joga uma lata de lixo em uma vitrine de loja. A revista Entertainment Weekly dedicou sua capa ao "Pesadelo do Vídeo de Michael Jackson". Até o Wall Street Journal achou adequado dizer a seus leitores sobre o pandemônio de Jackson, observando que "o vídeo de Jackson não foi percebido como ofensivo de verdade por quase ninguém de importância comercial para o cantor". Os representantes de Jackson imediatamente negaram qualquer sugestão de que a controvérsia havia sido planejada. Certamente, não é difícil imaginar que Michael Jackson, conhecedor da mídia, um astro há mais de 20 anos, herói a controvérsia que surgiu com relação de crianças e dos avós delas, possa ter achado que, caso se esfregasse e quebrasse janelas, perderia fãs. Por outro lado, se ele não planejou criar controvérsia, isso simplesmente significa que, sim, Jackson realmente está bastante alheio à realidade, como muitos acreditam.

Ainda assim, independentemente de suas intenções e apesar de sua declaração ("Fico chateado em pensar que 'Black or White' possa levar qualquer criança ou adulto a um comportamento destrutivo, seja sexual ou violento..."), divulgada no dia seguinte à estreia, as pessoas que cercam Jackson, bem como um grande executivo da Sony, parecia extasiado com toda a atenção. "Nenhum assunto conseguiu tanta notícia, exceto uma guerra", disse uma pessoa ligada a Jackson alguns dias depois da estreia. Essa última controvérsia chegou a tempo de superar o ataque que Jackson sofreu recentemente de seu irmão Jermaine. Em novembro, pouco após o lançamento do novo álbum de Jermaine, e assim que "Black or White" chegou às rádios, a música de Jermaine "Word to the Badd!!", com letras diferentes das que aparecem no álbum, vazou para as rádios. Essa versão era direcionada ao irmão famoso: "Reconstruído/Abduzido/Não sei quem você é... Quando você ficou pronto/Mudou de tom/Sua cor estava errada?". Jermaine rapidamente alegou que não sabia como a música havia chegado às rádios e, embora tenha dito que foi escrita como uma forma de lidar com a frustração que sentiu quando seu irmão não retornou suas ligações durante "oito ou nove meses", a versão alterada foi lançada formalmente em CD para rádios e críticos no final do mês. Jermaine se recusou a explicar a letra, dizendo apenas que "a mensagem geral é para ajudar a consertar nossa relação". Ele também falou que Michael havia "perdido contato com a realidade", mas que eles tinham conversado recentemente e "amo meu irmão".

No entanto, Teddy Riley - que co-produziu metade das músicas de Dangerous - diz que, ao contrário do que Jermaine falou: "Michael liga para a família dele. Todos esses boatos sobre ele não ligar para ninguém, nem atender às chamadas - qual é... Eu estava ali muitas vezes quando Michael conversava com sua mãe, e falei com ela e com Janet. É um monte de besteira. Essa faixa ["Word to the Badd!!"] foi uma tentativa desesperada de fama. Previmos que muita gente diria muita coisa sobre Michael", conta Riley. "Hammer atacando Michael e Jermaine atacando Michael - sabíamos que isso ia acontecer. É por isso que compusemos músicas como 'Trippin' (Why You Wanna Trip on Me)' e 'Jam'. Sabemos que as pessoas não gostam dele, falam dele, mas não fomos diretos, não demos o nome de ninguém, porque quando se é muito direto fica um tédio". Apesar das negativas de Jermaine, parece claro que tudo foi calculado para roubar um pouco do show de Michael.

Certamente, Michael Jackson não poderia ter imaginado começar essa rodada de atividade na carreira com um impacto maior. Mesmo assim, uma questão continua: independentemente do hype gerado, Jackson conseguirá superar seus recordes de vendas? Na manchete de uma notícia publicada antes da estreia do vídeo "Black or White", o New York Times fez uma pergunta que qualquer pessoa que vê Jackson faz: 'THRILLER' - CAN MICHAEL JACKSON BEAT IT? (Michael Jackson consegue bater 'Thriller'?) Esse é o desafio que Jackson enfrenta. Seu maior álbum, Thriller, vendeu mais de 40 milhões de cópias no mundo inteiro e 21 milhões nos Estados Unidos, enquanto seu último álbum, Bad, vendeu 20 milhões de cópias, apenas sete milhões delas no seu país de origem. Cerca de dois terços dos fãs de Jackson estão fora da América do Norte. Em países como Inglaterra e Japão, Michael Jackson tem muito destaque. Ele claramente espera recuperar seu público nos Estados Unidos e, mesmo assim, suas próprias expectativas parecem impossíveis para qualquer artista alcançar: Jackson espera vender 100 milhões de cópias de Dangerous. "Se vendesse 100 milhões, não acho que ele ficaria totalmente satisfeito", diz Bruce Swedien, um dos co-produtores do álbum. "Mas ele esperaria por isso."

"Com Michael, e com qualquer superastro, realidade e fantasia se confundem totalmente", conta John Landis. "É muito difícil permanecer são. Acho que ele está fazendo a coisa certa ao se afastar da imprensa, porque ela tende a escrever o que quer, mas gosto muito dele. É muito inteligente, um homem muito bom." Nos quatro anos após o lançamento de Bad, Jackson tentou, de sua própria maneira, assumir o controle completo de sua vida. Parou de trabalhar com Quincy Jones, o homem que coproduziu Off the Wall, Thriller e Bad, despediu seu agente Frank Dileo - um ex-promotor da Epic Records, que merece muito crédito por manter singles de Thriller e Bad no topo das paradas - e contratou Sandy Gallin, que trabalhou com Dolly Parton e Neil Diamond, entre outros. Ele também substituiu seu gerente de negócios e, mais significativamente, seu advogado, John Branca, que lidou não apenas com diversos casos jurídicos complexos e atuou como agente interino em vários pontos críticos na ascensão de Jackson mas também negociou a compra do catálogo de músicas dos Beatles - que agora vale mais de US$ 120 milhões, o triplo do que Jackson pagou por ele. Finalmente, Jackson saiu de casa, mudando-se para Neverland e, de acordo com várias fontes, distanciando-se de pelo menos alguns membros de sua família. Surpreendentemente, apesar de um grupo novo de conselheiros, a nova estratégia de Jackson para se superar não é nada nova - em vez disso, parece repetir, com pequenas variações, o que funcionou para ele no passado.

No entanto, as coisas mudaram desde Thriller e Bad. Embora o rap tenha se tornado uma força a ser considerada, o hard rock reconquistou a atenção dos norte-americanos. Produtores como L.A. Reid, BabyFace e Teddy Riley criaram o New Jack Swing, a mais nova versão do soul. Estrelas como Madonna e Peter Gabriel, Hammer e R.E.M. aumentaram o nível de qualidade dos videoclipes, e os Rolling Stones realizaram a maior e mais extravagante turnê da década.

Com relação ao novo álbum, Michael Jackson, o maior astro do mundo, tinha que trazer algo que parecesse e soasse novo e atual, mas que não afastasse seus milhões de fãs, muitos deles com gosto decididamente conservador. A solução de Jackson foi fazer um álbum com apelo às massas no qual metade das músicas imita seu trabalho anterior ("Heal the World" é uma repetição óbvia de "We Are the World", "Who Is It" copia seus movimentos em "Billie Jean", "Black or White" lembra "State of Shock"). Ele também contou com Teddy Riley para criar batidas modernas de rua e fazer o álbum soar mais contemporâneo. Então, para anunciar o novo álbum em um estilo adequado para o "Rei do Pop", Jackson trouxe de volta seu velho amigo John Landis para um repeteco. A última vez em que Landis havia trabalhado com Jackson foi no videoclipe de "Thriller", em 1983. Embora Landis diga que não tem os números exatos, estima, por experiência, que "Black or White" possa ter custado US$ 7 milhões (Dave Glew, presidente da Epic Records, atual gravadora de Jackson, nega esse número, mas não divulga a quantia real). Além disso, o vídeo levou dois meses para ser filmado.

"Black or White" se tornou um dos videoclipes mais caros já feitos devido, entre outras coisas, ao custo com elenco e equipe, que, Landis diz, seria "do tamanho dos créditos de Ben-Hur", e ao processo extremamente caro de "morfismo" utilizado para transformar homens em mulheres e Jackson em uma pantera. Além disso, houve dias nos quais Landis e a equipe estavam na locação, prontos para começar a filmar, e Landis recebia uma ligação dizendo que o astro não apareceria. "Em uma ocasião me falaram", conta Landis, "que Michael Jackson estava fazendo um comercial para a Sony Television no Japão". Jackson também tinha de concluir seu álbum. "Foi um cronograma difícil", fala Vince Paterson, que irá dirigir um videoclipe para "Jam" se a Sony lançar a música como single. "Havia dias quando ficávamos em espera enquanto ele trabalhava no álbum. O álbum era prioridade, então o vídeo foi deixado de lado. Além disso, se Michael passava 18 horas no estúdio, não havia por que leválo ao set e tentar filmar - ele estaria morto de cansaço, e seria necessário refilmar. Se você tem uma estação de som, equipamentos e pessoas, tem de pagar a todos os envolvidos, mesmo se nada for feito", conta Paterson. "Muitas despesas foram feitas por causa disso. Bam! Centenas de milhares de dólares - já era!"

Landis diz que os polêmicos quatro minutos finais do videoclipe foram uma ideia de Jackson. "Ele queria que fosse ainda mais explícito sexualmente", fala. Sobre a reação negativa a essa parte do vídeo, o que resultou na decisão de Jackson de cortar todo o final, Landis comenta: "Não era tanto com relação ao que Michael estava fazendo, mas à sobreposição da simulação de masturbação com a violência e, claro, o fato de que era Michael. Não sei se discutimos sua intenção, foi simplesmente 'Quero fazer isso', e dei a ele o que ele queria."

No início deste ano, os consultores de negócios de Michael Jackson negociaram um novo contrato de US$ 65 milhões com a Sony Music que dava a ele não apenas participação no lucro de seus álbuns, mas também sua própria gravadora e a oportunidade de fazer filmes para a Columbia Pictures, de propriedade da Sony. É um acordo inédito. "O negócio que fizemos - e não acho adequado discutir detalhes - é econômico para nós, acredito", diz Michael Schulhof, vice-presidente da Sony nos EUA. "Se Michael continuar se apresentando como no passado, ele e nós nos daremos muito bem. Ele tem 33 anos, não acho que alguém, inclusive ele mesmo, possa prever como ele vai exercitar essa criatividade. Pode ser na música, no cinema, em áreas totalmente novas do entretenimento. O fato de que o contrato com ele é exclusivo reflete a peculiaridade de seu talento". Estima-se que Jackson tenha gastado US$ 10 milhões para gravar Dangerous (Glew, da Epic, também nega essa quantia). Ele utilizou sete estúdios de gravação no processo. Por mais de dois anos, teve acesso exclusivo 24 horas por dia aos estúdios da Record One, em Sherman Oaks, Califórnia. O custo só com esse edifício, que tem dois estúdios de gravação completos, está estimado em US$ 4 mil por dia. Depois, houve as três salas do Larrabee Sound Studios, em Los Angeles, que Jackson também reservou por cerca de nove meses, o que adicionou de US$ 3 mil a US$ 4 mil por dia ao orçamento. "Normalmente, não acontecia muita coisa em nenhum dos estúdios a não ser que Michael estivesse ali", diz uma fonte que trabalhou no álbum. "Quando estavam em Larrabee, ainda tinham o Record One reservado. É um pouco excêntrico, ninguém faz álbuns assim", conta a fonte. Um agente de artistas diz: "Simplesmente não entendo como é possível gastar US$ 10 milhões para gravar um álbum. Houve gente que já gastou US$ 2 milhões, mas US$ 10 milhões? Não dá para entender". Jackson trabalhou no álbum por quase quatro anos. "Michael começou no dia em que terminamos Bad", conta Swedien. "No dia seguinte, ele já estava gravando demos".

Originalmente, o plano era para Jackson simplesmente gravar quatro músicas novas para uma série de vários CDs de maiores sucessos chamada Decade, que deveria ter sido lançada antes do Natal de 1989. Jackson começou a trabalhar em novas músicas e o resultado foi quase metade de um álbum com material bom. Depois de consultar seus associados e executivos da Sony Music, ele decidiu que as novas músicas que havia composto eram fortes o sufi ciente para um álbum inteiro - assim, o pacote de maiores sucessos foi arquivado. Os estúdios reservados foram responsáveis por uma pequena parte dos custos altos. Jackson gravou cerca de 60 músicas para Dangerous. Além de trabalhar com Riley e Swedien, ele editou faixas com muitos outros produtores: Bill Bottrell, Bryan Loren, L.A. Reid e BabyFace. Bottrell descreve o trabalho com Jackson de forma quase extasiada: "Cada vez que ele canta ou me conta uma ideia nova para uma música é... só vou dizer que houve muitos momentos extraordinários!" De acordo com Bottrell, "Black or White" foi desenvolvida a partir de algo gravado originalmente para Bad. "Aquela parte da música, o começo no qual Slash toca, foi gravada pela primeira vez na casa de Michael", conta Bottrell. "Michael me pediu para tirá-la do cofre em agosto de 1989. Ele pensava em utilizá-la como introdução para 'Black or White'. Demorou muito para conseguirmos que Slash a tocasse". Bottrell cimentou o caminho para que Jackson e Slash trabalhassem juntos. Embora Slash tenha recebido crédito por participar em "Black or White", na verdade ele toca apenas o riff introdutório. Jackson nem estava na sessão quando Slash gravou essa parte. "Ele ficou decepcionado", diz Bottrell. "Ele ficou bastante frustrado por Michael não estar ali."

Mais de um ano depois, Slash recebeu uma ligação - era Jackson. Ele tinha uma balada poderosa, "Give In to Me", e queria que Slash fizesse um solo. "Ele me mandou uma fita com a música e não tinha nenhuma guitarra, a não ser algumas pegadas lentas", conta Slash. "Liguei para ele e cantei pelo telefone o que queria fazer."

Embora Jackson estivesse feliz com muitas das músicas concluídas, sentia que as batidas dançantes não eram boas. "O desejo de Michael era apresentar algo muito 'de rua', com que os jovens pudessem se identificar", diz Swedien. "Essa foi uma decisão consciente dele". Aí entra Teddy Riley. Considerado o cérebro por trás da fenomenal "My Prerogative", de Bobby Brown (embora a produção tenha sido creditada a seu ex-parceiro Gene Griffin), Riley aparentemente foi sugerido a Jackson por Eddie Murphy como o produtor certo para conseguir grooves matadores. "Ele queria trabalhar nas batidas", conta Riley. "Então criei dez grooves. Ele gostou de todos". "Teddy foi muito profissional", diz Swedien. Assim que Jackson e Riley se acertaram, começaram a jorrar músicas. "Quando o prazo final chegou, ele queria compor cada vez mais", diz Riley. "E seu agente entrava e dizia 'Teddy, você e Michael, nem comecem. Não escrevam outra música'. E quando Michael viu o comercial para Dangerous, aquela coisa David Lynch, começamos a trabalhar pesado para terminar". Nos últimos dois meses de trabalho no álbum, Jackson e Swedien reservaram quartos em um hotel a quatro minutos do estúdio. "Íamos para o estúdio e trabalhávamos até não poder mais", conta Swedien. "Depois voltávamos para o hotel, dormíamos, íamos para o estúdio de manhã e começávamos de novo". Um dia em especial, Swedien encontrou Jackson chorando em uma sala que usava como escritório no Record One. Ele estava chateado porque a música que tentava cantar estava no tom errado. "Chegou o dia de Michael colocar o vocal principal em 'Keep the Faith'", conta Swedien. "ele cantou o primeiro e o segundo versos e depois desapareceu. Não era típico dele. Eu o encontrei parado no canto do escritório chorando muito. Ele estava absolutamente devastado, para dizer o mínimo. Falei: 'Michael, não é tão ruim assim'", conta Swedien. "Vou gravar em outro tom'. Havíamos tentado dois tons e, infelizmente, escolhemos o errado. Ele ficou muito chateado, e falei: 'Michael, temos de enfrentar isso agora'. Liguei para o tecladista e o programador. Sentia que tínhamos de ter o tom certo e fazer com que Michael enfrentasse isso antes que piorasse. Achei que teríamos um problema enorme", continua Swedien. "Já via as manchetes. Disse a ele: 'Pode se recompor e enfrente isso agora', e já era tarde. Falei 'não vamos para casa até você cantar tudo. Depois vamos embora, dormir e continuamos'. Isso deu medo, mas ele conseguiu. Ele se recompôs, fomos para o estúdio, gravamos uma demo totalmente nova e um vocal rouco inteiro. Uma situação como essa poderia ter sido um obstáculo, mas só saímos do estúdio ao amanhecer".

A pressão para finalizar o álbum a tempo de um lançamento antes do Dia de Ação de Graças era enorme. "Ele estava sob uma pressão imensa para concluir o álbum", conta John Landis. "Ele tinha todo o Sol Nascente nas costas, e tiveram que arrancar isso dele". O álbum finalmente foi concluído no início da manhã de 31 de outubro [Halloween nos Estados Unidos]. "Michael disse 'Atropelamos a abóbora'," fala Swedien. "Nos últimos três dias do projeto, Michael e eu dormimos cerca de quatro horas". Após seu lançamento em 26 de novembro, Dangerous imediatamente começou a vender a um ritmo saudável - mais de 70 mil cópias por dia. O álbum entrou no número um na parada da Billboard, com venda de 350 mil cópias nos primeiros cinco dias nos EUA (os números da semana inteira não foram considerados por causa do feriado de Ação de Graças).

A resposta dos críticos, no entanto, não foi tão favorável. No New York Times, Jon Pareles chamou Dangerous de "o álbum menos confiante de Jackson desde que começou sua carreira solo" e criticou o superastro por parecer "tão disposto a recuperar sua popularidade que não quis se arriscar". O Los Angeles Times fez a seguinte pergunta: "Quão perigoso um homem que literalmente quer agradar a todos pode ser novamente?" e caracterizou o álbum como "um saco bagunçado de ideias e non sequiturs de alta tecnologia, com algo para todos do homem que tem tudo... Relativamente enfadonho e incrivelmente sem foco, Dangerous também é uma diversão em sua maior parte boa e bem feita".

Já os varejistas acreditam no álbum. O presidente da Tower Records, Russ Solomon, diz que ele foi o líder de vendas na maioria de suas lojas na primeira semana de lançamento. "No geral, não dá para colocá-lo no mesmo time do Guns n' Roses", afirma Solomon. "Mas está vendendo muito bem. Minha opinião é que ele se consolidará nos próximos meses. Alguns álbuns, como o do Guns n' Roses, têm apelo para um público que precisa comprá-los assim que são lançados. Outros, como este, atraem uma multidão diferente que não fará fila à meia-noite. Leva algum tempo, mas número um é número um. A Sony não terá problemas em vender mais do que os quatro milhões distribuídos inicialmente."

Solomon observa que álbuns multiplatinados não vendem 10 milhões de cópias no primeiro mês de lançamento. "Demora", diz. "Se você tiver sorte, conseguirá isso em um ano. No caso de Thriller, levou dois anos [para vender quase 20 milhões de cópias nos EUA]". Críticos e varejistas concordam que Jackson criou um álbum com grande apelo - o que era exatamente o que ele pretendia. "Michael sente uma responsabilidade imensa por seu público", diz Bruce Swedien. "Acho que este trabalho é uma boa ilustração do fato de que ele sente a responsabilidade de dar a melhor música possível aos fãs. A responsabilidade está presente o tempo todo com Michael."

Jackson claramente tem muito em jogo em Dangerous. Ele espera que isso sirva como um foguete pop que o levará a níveis inimagináveis de fama e aclamação popular. Com o clipe de "Black or White", Jackson já se colocou no consciente do público. O sucesso do álbum o manterá ali, preparando o palco para o próximo aspecto de sua carreira: fama no cinema, pois Jackson quer ser uma estrela dos velhos tempos, como suas amigas Elizabeth Taylor e Katharine Hepburn. No entanto, os tempos mudaram desde que seus ídolos do cinema ficaram famosos. As estrelas de hoje são figuras públicas cujas vidas privadas estão abertas para discussão. E como Landis observa, Jackson, conscientemente ou não, deu ao público vários tópicos pessoais para discussão e debate, de sua sexualidade a seu rosto.

Ao tentar criar uma imagem glamurosa para si mesmo desde que seu primeiro álbum solo como adulto, Off the Wall, foi lançado em 1979, Jackson literalmente mudou de rosto diante de nossos olhos. Todos estamos atentos a cada nova alteração no semblante de Jackson. Ele foi, claro, criticado por tentar virar branco, por dar as costas a suas raízes. Teddy Riley conta que, durante as gravações de Dangerous, Jackson falava muito sobre o que havia feito com seu rosto e sua pele. "Tenho certeza de que, se Michael pudesse fazer tudo de novo, não o faria", Riley. "Mas não há volta. Quando você muda sua descrição, não dá para voltar atrás. Você não consegue ter seu rosto ou sua pele de volta, mas ele ainda é Michael Jackson - ainda é o homem talentoso com o qual todos cresceram".

Na verdade, isso parece ser exatamente o que o próprio Jackson tenta transmitir. Todos os animais e anjos, tronos dourados e coroas cheias de joias, esqueletos e brinquedos de parque de diversão que aparecem em na capa de Dangerous parecem ser uma máscara gigante por trás da qual o verdadeiro Michael Jackson se esconde, através da qual o verdadeiro Michael Jackson olha para o mundo. Há uma coisa da qual temos certeza sobre o Michael Jackson real: ele é um homem extraordinariamente talentoso com um dom para criar músicas que pessoas no mundo inteiro amam. Jackson deveria ter mais fé em seu talento. Isso, mais do que tudo, é responsável por seus mais de 20 anos de estrelato.

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