Associação Brasileira de Festivais Independentes completa dois anos de atuação em meio a críticas, polêmicas e à consolidação do mercado
Por Adriana Alves Publicado em 08/09/2008, às 18h16 - Atualizado em 12/09/2008, às 16h52
A Associação Brasileira dos Festivais Independentes - Abrafin - reúne 32 eventos que, durante um ano, são capazes de apresentar aproximadamente 400 novas bandas pela maioria dos estados do país. Trata-se de um circuito grandioso, que se tornou em pouco tempo uma das principais plataformas de divulgação da nova música - principalmente pop e rock - produzida no Brasil. Porém, a associação, que completa dois anos de existência legal em 2008 e é composta por festivais consagrados como Abril Pro Rock (PE), Goiânia Noise (GO), Calango (MT), Mada (RN), Jambolada (MG) e Porão do Rock (DF), já começa a receber críticas diversas de sua principal força-motriz: bandas e seus integrantes.
Escalação e remuneração, dizem os músicos, são os pontos fracos dos festivais apoiados pela Abrafin. "Os caras [produtores] começaram como banda. Viraram festivais. Hoje, são uma associação. Só que precisa haver um mecanismo estatutário que não transforme eventos em 'festas da brodagem' obtidas por meio de aprovação do Ministério da Cultura". afirma Marvel, vocalista do quarteto carioca Cabaret, que já se apresentou em festivais como Mada, Calango e Se Rasgum (PA). "Acho que a Abrafin criou uma nova visão do mercado musical tanto para produtores quanto para bandas. Muitas coisas floresceram sob a marca deles. Como artista, a construção desse circuito de festivais me parece maravilhosa, mas eu gostaria que eles tivessem formas de impedir que tudo vire uma grande panela, completa"
Em Belém (PA), o festival Se Rasgum chega a sua terceira edição em 2008 sem jamais ter se associado à Abrafin (a associação só aceita entre seus membros eventos que tenham acontecido por pelo menos três anos consecutivos). "Me sentiria bem participando da Abrafin, contanto que a curadoria não sofresse imposições ou tivesse que rezar alguma cartilha", diz Marcelo Damaso, produtor do Se Rasgum. "Se existe uma liberdade, beleza, mas existem bandas que participam de todos os festivais por fazer parte dos interesses de alguns produtores. Acho que a ideologia do compromisso com o melhor da nova música brasileira se perde pela onda de 'dar uma força'", critica.
Algumas fontes ouvidas pela reportagem não quiseram assinar suas opiniões, alegando receio de represálias por parte das organizações dos eventos. "A maioria silencia porque teme ser excluída do circuito", define Dary Jr., vocalista do Terminal Guadalupe, de Curitiba (PR), que já participou de vários festivais, mas atualmente anda fora das escalações. "Eu admito que meço as palavras, embora a banda já seja carta fora do baralho. Na verdade, temo apenas que alguns produtores que ainda queiram nos incluir em suas escalações sejam pressionados."
A tal "panela", explicam os artistas, se daria mais na diferença do tratamento dado às bandas do que nas escalações dos festivais propriamente ditas. "Existe uma troca de favores aí", dispara Marvel. "Se eu tenho um festival e uma banda e você tem um festival e uma banda, eu te escalo no meu, pagando suas passagens, e depois você me compensa da mesma forma. Você não tem festival? Então o máximo que posso te dar é uma ajuda de custo. Aí, obviamente, algumas bandas acabam viajando sem ter a recepção desejada e o custeio digno."
Fabrício Nobre, cujo extenso currículo inclui o cargo de presidente da Abrafin, dono do selo Monstro Discos, produtor dos festivais Bananada e Goiânia Noise (ambos em Goiânia), vocalista da banda MQN, produtor e agente de artistas que rodam o circuito, se defende: "Existe uma panela de música brasileira boa, tem um monte de banda que circula em cada momento durante todo o ano, e é assim no mundo inteiro. Os artistas que estão produzindo de verdade, viajando, lançando disco, são escalados para a maior parte dos festivais. Em 2007, por exemplo, qual produtor não queria ter Móveis Coloniais de Acaju, Macaco Bong e Lucy and the Popsonics na escalação? As bandas são boas, têm preço acessível, são fáceis de lidar e têm público. Quem não quer?" Nobre também explica que a Abrafin não interfere nas escalações de cada festival ou nos valores dos cachês, mas que os assuntos, obviamente, são pauta entre os organizadores. "Cada festival se resolve sozinho. É claro que a gente troca figurinha entre um e outro. O cara vai me ligar e perguntar quanto paguei por uma banda. Eu vou responder ou não. Depende de quem for, de quanto tiver pago, como em um mercado de qualquer outra coisa."
Já Pablo Capilé, coordenador de ação política na Abrafin e coordenador de planejamento do festival Calango, acredita que os festivais não podem ser responsabilizados exclusivamente pelo sucesso ou fracasso das bandas: "Os artistas precisam primeiro se preocupar em fazer bons shows, se divulgar bem, ensaiar bastante, ter boas gravações, investir na carreira. Festival abre portas, mas quem consolida a carreira é a própria banda".
O apoio financeiro - tanto público quanto privado - que os festivais recebem também divide opiniões. "É legal ter patrocínio de lei de incentivo, concorrer edital e depois prestar contas", comemora Nobre. "Você mostra a transparência. As contas são publicadas no Diário Oficial de cada estado. Para os patrocinadores privados, você deve prestar contas do dinheiro em cima de uma planilha aprovada anteriormente. Senão, no ano seguinte, adeus, patrocínio. Não tem espaço pra sacanagem."
Já entre as bandas, há quem veja o apoio financeiro com ressalvas. "O que me incomoda é que existe uma linha de pensamento que acha super-legal a gente criar um 'mercado' tipo o do cinema, que no fundo não é mercado coisa nenhuma, é festival bancado pelo governo", opina Gustavo Martins, do quarteto paulistano Ecos Falsos, que já participou de sete festivais da Abrafin. "Acho que, se tem dinheiro público, deveríamos então fazer festival de graça, como o [pernambucano] Rec Beat, ou então ingressos a R$ 3, porque R$ 15 já é caro. Parece que agora ficou impossível fazer show sem lei de incentivo, como também é 'impossível' fazer filme sem dinheiro público."
Apesar dos problemas estruturais em questão, os méritos da Abrafin são evidentes, inclusive para bandas que a criticam e para festivais não associados. Grupos de regiões que há muito tempo não tinham - ou nunca tiveram - uma banda de abrangência nacional, rodaram esses eventos e trouxeram para si os holofotes, como Vanguart e Macaco Bong, de Cuiabá (MT), e Los Porongas, de Rio Branco (AC). Durante esse processo, as cenas musicais distantes do Sudeste ganharam corpo, enquanto artistas do eixo São Paulo e Rio de Janeiro desejam cegamente fazer parte desse circuito. O país, hoje, comemora um calendário anual de festivais bem definido, com orçamentos que podem chegar a R$ 600 mil (Calango 2008) e até R$ 1 milhão (Porão do Rock 2007), e espaço tanto para inesgotáveis atrações nacionais como para bandas internacionais. A união desses produtores proporcionada pela Abrafin garantiu a credibilidade e a verba necessária para a realização desses feitos. "A gente acredita em continuidade, compromisso com a cena local e realização, independentemente do fomento ou não", diz Nobre, da Abrafin. "Os associados não são aventureiros que farão um festival agora e no ano que vem não. É gente que está nessa há dez, 12 anos. O Goiânia Noise desse ano, por exemplo: a gente não tem certeza de ter o suporte da Petrobras, mas temos certeza absoluta que o festival vai acontecer de 21 a 23 de novembro."
Para dezembro, estão marcadas eleições para os cargos executivos da Abrafin. A associação, que apesar da pouca idade, já caminha a passos largos, pode comemorar a colheita de mais frutos do que polêmicas, mas dificilmente conseguirá se blindar das críticas.
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