Enquanto o mercado de filmes de horror só se desenvolve no exterior, o Brasil sofre para tentar evoluir no gênero
Paulo Terron Publicado em 11/01/2010, às 10h18 - Atualizado em 09/04/2014, às 18h50
As redondezas do Griffith Park, nas colinas de Los Angeles, estavam tomadas por centenas de zumbis, vampiros e outros monstros. Reunidos em pequenos grupos, eles vagavam pelas calçadas e se esgueiravam por entre os carros diante do imponente auditório conhecido como Greek Theatre. Poderia ser uma cena de um filme de horror dirigido por George A. Romero, mas eram apenas os convidados se encaminhando para a cerimônia de premiação da quarta edição do Scream Awards, dedicada ao universo do terror (exibida por aqui pelo canal pago TNT).
Um evento desse porte serve como uma metáfora para o potencial da indústria dos filmes de terror nos Estados Unidos. É claro, o Scream Awards também aborda outros gêneros, como a ficção científica e a fantasia ("Se alguém te atacar com uma faca, então é terror", explicou o ator Elijah Wood, um dos convidados da noite). Mas mesmo assim é o sangue que realmente brilha na cerimônia - em especial com o momento agitado do mercado local: são remakes de sucesso (O Massacre da Serra Elétrica, Halloween e Sexta-Feira 13 puxaram o carro, com o novo A Hora do Pesadelo e dezenas - sem exagero, dezenas - de outras versões chegando às telas em 2010), o fenômeno adolescente Crepúsculo arrancando suspiros e uma renovação do estilo na TV, com a série True Blood. É até difícil estimar quanto esse mercado movimenta em solo norte-americano, mas o sucesso do longa-metragem independente Atividade Paranormal - produzido por pouco mais de US$ 15 mil e que rendeu mais de US$ 104 milhões só em bilheteria - serve como um termômetro interessante.
A terra de Obama não é a única com esse tipo de produção em nível industrial. A França também vive uma explosão atual de filmes ultraviolentos, como À l'intérieur (2007), Martyrs (2008) e A Fronteira (2007). Na América Latina, Argentina e Chile já conseguem manter uma produção razoavelmente estável. Japão, Hong Kong e Tailândia despontaram, nos últimos dez anos, como exportadores de longas de terror (que não raramente são refilmados no ocidente, a exemplo de O Chamado e O Grito). Apesar da universalidade do tema, a origem do medo muda de região para região. "Não sei quanto ao resto, mas na Ásia se acredita muito em Carma, no mérito da bondade e no pecado", explica o diretor tailandês Banjong Pisanthanakun, de Espíritos - A Morte Está ao Seu Lado (de 2004, que deu origem ao insosso remake Imagens do Além, de 2008). "E também acreditamos em fantasmas. Todo mundo por aqui conhece histórias de gente que viu fantasmas ou espíritos, então gostamos de coisas assim. Talvez seja esse o motivo do sucesso do terror por aqui", ele completa.
Enquanto isso, o terror brasileiro se encontra em um limbo duradouro e sem fim aparente. A produção independente até tenta, mas o último filme desse gênero a estrear em grande escala foi Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins, lançado em 2008. O trabalho, que fecha a trilogia de Zé do Caixão (completada por À Meia Noite Levarei a Sua Alma, de 1964, e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, de 1967), custou cerca de R$ 2 milhões, mas só arrecadou R$ 180 mil de bilheteria, sendo visto por 25.360 pessoas em um período de 20 semanas. Para Dennison Ramalho, corroteirista e diretor-assistente, alguns fatores podem explicar o desempenho frustrante da volta de Mojica a seu personagem mais famoso. "O primeiro é que, diferente da televisão - que a plateia conhece muito bem - o cinema de gênero brasileiro não tem tradição. Encarnação foi o primeiro filme de terror em 26 anos", ele lembra. "As pessoas vão ao cinema com um pé atrás, e a entrada é cara! A falta de tradição cria uma barreira com o espectador."
Para Ramalho, a segunda razão estaria no próprio Mojica: "Ele foi um autor que difundiu com muita força o personagem, e a figura se desgastou muito na TV, em uma época de extremo desrespeito à figura dele. Então, as pessoas colocaram na cabeça que um filme do Zé do Caixão é necessariamente uma coisa simplória, com aquele cara caipira que fala errado. E a maior parte das pessoas desconhece o passado dele, a arte e a influência dele no terror mundial." Há alguns meses, Encarnação do Demônio foi lançado no formato blu-ray na Inglaterra, com o título Embodiment of Evil e direito a boa divulgação ("Me disseram que havia pôsteres do filme em todas as estações de metrô de Londres", conta Ramalho) e recepção calorosa por parte da imprensa: o jornal The Guardian fez restrições à violência explícita e à atuação dos envolvidos, mas destacou "certa qualidade hipnótica" que relacionaria o trabalho à obra de Luis Buñuel e Alejandro Jodorowsky.
Por outro caminho, o capixaba Rodrigo Aragão viabilizou Mangue Negro, longa estrelado por zumbis que deve sair em breve direto no formato DVD. O filme custou R$ 60 mil e só saiu do papel depois que o diretor (e também roteirista) desistiu de captar recursos usando a fórmula tradicional. "Tentei fazer de todas as formas possíveis, mas as pessoas me davam canos", conta. "Todo mundo queria montar projetos para encaixar em leis, mas nunca dava certo." Aragão decidiu então partir para o improviso em um esquema "mão na massa", construindo um barraco no fundo de sua casa e iniciando a produção por conta própria: "Passei sete meses fazendo isso". Amigos ajudaram em uma espécie de mutirão do horror, sem receber pagamento. Dez minutos de filme foram produzidos, o que gerou interesse em um empresário que decidiu bancar a ideia. Mangue Negro rodou festivais de cinema no Reino Unido, no Chile e na Argentina, mas acabou não conseguindo distribuição nacional por meio de empresas grandes. "É triste", o empreendedor lamenta. "Passamos um ano atrás das distribuidoras tradicionais e fomos solenemente ignorados." O DVD será lançado via DarkSide, um selo especializado em terror e fantasia. Ainda assim, Aragão defende a produção alternativa nacional - que anda investindo na temática zumbi, em filmes que vão do trash Capital dos Mortos ao ousado (e ainda inédito) Porto dos Mortos. "Todos esses filmes são independentes, com recursos de fora das leis de incentivo. É uma fatia do cinema que tenta se segurar pelas próprias pernas, não tem muletas do governo", diz.
Mas, se o terror de orçamento alto não funciona e o de baixo também não, qual é a chance desse gênero crescer no Brasil? "É um projeto de médio prazo, mas passa pela televisão", opina Dennison Ramalho. "O terror nacional vai renascer pela TV. Vai ser quando alguém fizer o True Blood brasileiro, a série do Maníaco do Parque... Não vejo outra maneira de isso acontecer. Foi assim no Chile e na Argentina." No país de Maradona, a isca televisiva foi a série Epitáfios, produzida pela divisão latino-americana da HBO (e exibida também na Europa e nos Estados Unidos). Apesar de pender mais para o suspense, o programa instigou a produção de um cinema de gênero local - algo que ainda falta ao Brasil. "Não existe filme policial no Brasil, nem de suspense", diz Ramalho. "De uns anos pra cá, temos um cinema que é fundado em financiamento público. Essa era abriu espaço para um cinema intelectualizado, que eu acho legal, mas que é de justificativa: ele precisa passear pela história ou pelos problemas do país. Deixamos de fazer filme de mulher pelada para fazer filme de favela." Já o diretor de Mangue Negro aponta outro detalhe, além da histórica falta de tradição nos filmes de gênero. "O cinema brasileiro passou muito tempo fazendo coisa ruim", alega Aragão. "O terror brasileiro é novidade. A Boca Lixo [movimento de cinema marginal surgido em São Paulo no fim dos anos 60] até fez algumas coisas que ninguém conhece, mas disfarçado de pornô. Eram filmes mais de sexo - o terror era brinde. Então as pessoas não têm referências. E isso também é legal. Quando as pessoas veem meu filme, elas são surpreendidas."
Voltando à necessidade de transição que começaria pela telinha, Ramalho aponta o comportamento do brasileiro médio como justificativa para esse processo. "O público de audiovisual brasileiro, aquele que sustenta o cinema que tem 'vingado', o da Globo Filmes, não tem preferência por um gênero. O brasileiro que assiste a televisão e vai ver Se Eu Fosse Você no cinema tem uma acomodação que vem da sua convivência com a TV, com as caras que ele conhece. O brasileiro é muito fiel a marcas, times." Aqui se abre um espaço para mais uma questão: se o hábito do brasileiro ainda é algo tão poderoso e influente na hora de decidir até o que assistir no cinema, será que a religiosidade ainda é capaz de influenciar no possível desenvolvimento de um mercado de terror? A resposta é sim, mas curiosamente a religião pode tanto ajudar quanto prejudicar o florescimento dessa indústria. Na Tailândia, por exemplo, a crença religiosa foi a faísca que fez o estilo crescer. "É uma crença que cresce em nossas mentes, geração após geração", explica o tailandês Pisanthanakun. "A maior parte do povo tailandês acredita em espiritualidade." Por aqui, porém, o peso da religião é outro - e cada vez menos relevante. "A gente sabe que o Brasil ainda é um país de formação católica, apesar de estar em mudança constante de preferências religiosas", lembra Ramalho. "O terror - e o hábito de assistir a esses filmes - nunca foi bem visto por ministros evangélicos e padres católicos. Não é algo muito recomendado. Mas acho que não é mais uma grande barreira hoje. Nos tempos do Mojica, associado à ditadura, isso pegava mais."
Atualmente, o terror brasileiro é uma ampla estrada de terra, abandonada e sinistra. Resta saber quem serão os responsáveis pela pavimentação, transformando-a em um caminho transitável e convidativo para o público. Dennison Ramalho e Rodrigo Aragão, pelo menos, já estão com as mãos nas ferramentas: o primeiro lança, em 2010, o curta-metragem Ninjas (uma história policial sobrenatural). Já o segundo pretende filmar Noite do Chupa-Cabras ainda no ano que vem.
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