Flor de Obsessão

Durante greve geral, Lenine invade Paris com sua música planetária brasileira

Por Ademir Correa Publicado em 15/06/2009, às 16h11

Tabloides e telejornais preveem confrontos e pedem cautela para quem aventurar-se nas ruas. Os hotéis indicam motoristas particulares a seus hóspedes, temendo represálias no metrô e em pontos turísticos. Estamos no dia 18 de março, véspera de mais uma greve geral na França. Sindicatos, entidades privadas e universidades mobilizam-se contra o governo de Nicolas Sarkozy, que havia anunciado um pacote anticrise de 2,6 bilhões de euros, insuficiente para frear as demissões que assolam a nação. Nessa data, Lenine encontra-se em Paris para a estréia da turnê internacional de Labiata, seu álbum mais recente.

O pernambucano estava lá para falar de flores (seu último disco leva o nome de uma orquídea rara, a Cattleya Labiata, e ele se define como um "orquidólatra") e de misturas sonoras, sua eterna busca. "A humanidade corre a galope para essa promiscuidade de troca, esse intercâmbio de ideias", reconhece. Aclamado pelos franceses - onde gravou Lenine in Cité, de 2004, ele foi o autor do hino do Ano do Brasil na França (em 2005) e, agora, em parceria com o compositor Arthur H., fez o tema do Ano da França no Brasil. Visto no mundo como um artista multifacetado, Lenine sabe que essa imagem vem de sua herança multicultural brasileira. "Quando comecei, tinha a MPB, o rock e o samba, mas não havia pontes entre esses universos. E propus um tipo de hibridez que não era 'guetizante'", relembra. "Então, quando dizem que toco MPB, admito: 'Sim, é Música Planetária Brasileira'."

Amanhece, é 19 de março. O quebra-quebra toma conta de locais como a Praça da Bastilha, faz com que voos sejam cancelados e dificulta a utilização de outros meios de transporte. Segundo a polícia, cerca de 1,2 milhão de revoltosos pediam por seus direitos; já os sindicatos alardeavam a marca de 3 milhões de adeptos. Há algumas horas dali, uma tradicional casa de espetáculos será invadida. O Olympia, que já recebeu lendas como Beatles, anuncia Labiata. "Nos famosos letreiros em vermelho", divaga Lenine sobre essa meca do som. "Sei o que significa estar aqui, e tem a ver com conquista. Não estou nervoso. Sou míope, na hora não vou enxergar nada mesmo", ri. O local, com seu saguão de entrada longilíneo e avermelhado, parece um útero que leva todos ao berço-palco.

A hibridez de Lenine agora é crua, íntima, densa. "Martelo Bigorna" abre a noite. O público acompanha os refrãos, gritando, como se estivesse diante de um velho conhecido ou de uma possível comoção. Esse ato traz ainda as novíssimas "Excesso Exceto", "Magra", "Lá Vem a Cidade" e sucessos como "Jack Soul Brasileiro". Uma breve interrupção, intervalos são comuns por aqui, e a emoção retorna ainda mais alterada - pela qualidade sonora (que vinha dos alto-falantes) e alcoólica (da plateia) - "É Fogo", "Hoje Eu Quero Sair Só", "Ciranda" são entoadas como se fizessem história.

Após o bis, que teve "Alzira" e "Paciência", o acesso ao camarim está levemente abarrotado. Lá dentro, a alegria do cantor é visível. A partir dali, o show deve continuar - por mais 14 cidades. Perto do espelho, uma Cattleya Labiata repousa em um silêncio de obra de arte.

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