Com shows em formatos diferentes, novas composições, ações pela classe artística e a volta ao posto de produtor, a vida de Frejat pós-Barão Vermelho está ainda mais atribulada do que antes
José Júlio do Espírito Santo Publicado em 23/05/2018, às 13h30 - Atualizado em 28/05/2018, às 12h34
O entra e sai de equipamentos, técnicos e produtores costuma agitar uma casa discreta, escondida em uma alameda ao pé do morro e a poucos metros da Lagoa, no Rio de Janeiro. Hoje, ela está calma e quem atende a porta são os anfitriões: Brou, um labrador preto, enorme, bonachão, já na terceira idade, e que tem um xará humano muito famoso. “Brou é como Cazuza costumava me chamar quando a gente era moleque”, explica Frejat, enquanto apresenta outra moradora do lugar, Milu, uma vira-lata que veio de São Paulo para o Rio de Janeiro ainda filhotinha. O Estúdio do Brou é o local de trabalho e criação do cantor e compositor, que atualmente toca uma carreira solo cheia de correria. A parede da escada que leva ao escritório é decorada por Discos de Ouro emoldurados e parece traçar uma linha cronológica, começando pelo primeiro grande sucesso de vendas, com o Barão Vermelho, banda pioneira do tal BRock, que teve Frejat na linha de frente – inicialmente, como guitarrista e depois, com a saída de Cazuza, também como vocalista – até que ele também saiu, em janeiro de 2017. Foram 12 álbuns lançados nos 17 anos com o Barão e mais quatro da carreira solo, inaugurada com Amor pra Recomeçar (2001).
O sotaque do guitarrista não esconde. Carioca da gema, Frejat nasceu em 21 de maio de 1962, ano em que uma de suas bandas favoritas, The Rolling Stones, subia ao palco pela primeira vez. Apesar de ser um ícone do rock nacional, diligente e dedicado ao trabalho, Frejat nunca abraçou o jargão sex, drugs & rock and roll – prefere cuidar da saúde com ginástica e boa alimentação. É casado há mais de 30 anos com a empresária Alice Pellegatti, e com ela tem dois filhos: Julia, 18, envolvida nas artes visuais, e Rafael, 22, que integra a banda Amarelo Manga. “Além da família e dos bichos, a coisa de que eu mais gosto é música”, ele afirma sem saber exatamente de onde veio essa paixão. A mãe, de origem judia e cuja família passou pelo antissemitismo polonês antes de vir ao Brasil, e o pai, de origem árabe e cujos pais, cristãos, também acharam no Brasil uma terra livre da perseguição religiosa, sempre o apoiaram, mas não eram fissurados na arte. Frejat brinca com a ascendência: “Sou a prova viva de que isso pode dar certo”.
Deu certo e deu origem a um dos nomes mais importantes do primeiro escalão do rock brasileiro. Na ativa há quase quatro décadas, atualmente o ex-guitarrista do Barão Vermelho comanda dois shows diferentes, nunca pausa o trabalho como compositor e tem alguns projetos constantemente ocupando sua mente. Um deles nasceu no Rock in Rio VII, no ano passado, quando Frejat abriu o Palco Mundo, no dia 17 de setembro, com uma versão reduzida do espetáculo Tudo Se Transforma. “Eu achei que estaria com o show pronto um pouco antes do festival para poder testar, mas é aquela coisa de cronograma: nem sempre você consegue fazer do jeito que imaginou. Ensaiei umas 25 músicas com a banda por um tempão, e já estava em cima da estreia quando reduzimos o repertório para cerca de 18, para adequá-lo”, explica. O primeiro teste foi ao vivo, já no gigantesco palco, mas deu certo.
Frejat tem uma forte ligação com o festival carioca. O Barão Vermelho se apresentou duas vezes na primeira edição dele, em 1985. A primeira delas ganhou registro em CD, lançado em 1992 com o título Barão Vermelho ao Vivo e relançado em CD e DVD como Rock in Rio 1985. No Rock in Rio V, em 2013, foi a vez da estreia solo de Frejat – também no Palco Mundo –, quando fez o primeiro show da turnê O Amor É Quente, uma espécie de prévia de Tudo Se Transforma, com hits de Tim Maia, Gilberto Gil, Rita Lee, Caetano Veloso, Os Paralamas do Sucesso e Titãs esquentando o repertório próprio. O exercício de intérprete da obra dos outros fora inaugurado antes ainda, em 2010, com a turnê A Tal Felicidade. “Eu amplio esse conceito”, Frejat explica. “As músicas de outros mudam, mas meus sucessos eu não posso abandonar, porque o público quer ouvir.” Instantaneamente, me vem à cabeça uma conversa com Eric Burdon, do The Animals, em meados dos anos 1990, em que ele reclamava de ter que cantar “The House of the Rising Sun” (um clássico do folk cuja versão mais famosa é a da banda britânica) em toda apresentação. Frejat não tem o menor problema com isso, e ainda tenta satisfazer as expectativas do público fielmente. “Quando você foi para o estúdio, você trabalhou muito para chegar naquele resultado. A não ser que você não goste desse resultado, não vejo muita obrigação de ter que mudar o arranjo para ao vivo”, ele opina. “Eu acho que seria extremamente frustrante você ir a um show pra assistir a uma coisa e, quando chega na hora, porra, aquele solo ou arranjo que é supermarcante não está lá. É lógico que não precisa ficar preso àquilo como algo imutável, mas certas referências são fundamentais. Por exemplo, o solo de ‘Bete Balanço’ tem duas partes. A primeira é sempre igual, mas a segunda é um improviso. Todo dia, ela é um improviso. Não pode ser diferente, não é para ser diferente. Como público, eu também não gostaria que fosse diferente.”
O outro show que ele apresenta atualmente é bem mais intimista. Frejat – Voz e Violão existe desde 2015 e traz apenas composições dele e de seus parceiros, com a exceção de dois clássicos: “Trocando em Miúdos”, de Chico Buarque e Francis Hime, e “Carpinteiro do Universo”, de Marcelo Nova e Raul Seixas. Ele toca sucessos solo em uma apresentação que acontece exclusivamente em teatros. “Eu adoro tocar em teatro, tanto com a banda quanto com violão e voz, porque o som de teatro normalmente é bom. A qualidade cênica é indiscutível. Só que, com a banda, o público reclama que não consegue dançar. Eu entendo que tem esse inconveniente para eles. Para mim, não tem nenhum. É um lugar muito sólido no sentido de você estar em um local que é feito para se apresentar. Enquanto que, às vezes, nego enfia um palco em qualquer lugar e você precisa se virar, né?”, Frejat desabafa. Ele, contudo, revela os riscos: “[Em Frejat – Voz e Violão], estou mais vulnerável, porque é muito mais delicado. Qualquer erro, qualquer desconcentração musical pode me levar a esquecer a letra. E se eu esqueço a letra posso errar o acorde. Não vai ter ninguém para salvar, não tem ninguém acertando do meu lado para ficar menos errado. Tá tudo errado! [Risos] Ao mesmo tempo, tem esse poder de que, quando você faz uma coisa, você vai do mínimo ao máximo e está tudo nas suas mãos. As pessoas estão sendo conduzidas absolutamente por você. Não tem mais nada ali para elas prestarem atenção. Tem esse misto de fragilidade e de poder absoluto.”
A letra (e o título) de “Tudo Se Transforma”, canção que batizou a turnê atual de Frejat com uma banda de apoio, diz muito a respeito da vida que o artista tem levado recentemente, embora ele garanta que isso não passa de uma grande coincidência. “Foi meio previsão do futuro”, brinca. “Quando comecei a fazer a música, eu não estava pensando na minha saída do Barão. Na verdade, a letra veio de uma sugestão de Serginho Serra. Ele, Maurício Barros e eu fomos trabalhando-a até ficar assim. Temporalmente, ela acabou adequada àquele momento, mas não foi nenhuma intenção minha. Coincidiu. Eu poderia ter sido mais maquiavélico, mas não fui [risos].” A decisão de deixar a banda que ajudou a fundar junto aos amigos Guto Goffi, Maurício Barros e Dé em outubro de 1981 já havia sido tomada antes. “Foi no início de 2016, quando falei para a banda que não queria continuar”, Frejat revela. Ainda assim, “Tudo Se Transforma” anuncia uma virada, assim como foi a excelente “Amor pra Recomeçar”, faixa que deu o título ao álbum de estreia solo de Frejat, lançado em 2001 e o que mais vendeu até hoje. “Elas têm uma qualidade em comum porque trazem uma mensagem positiva sem serem cagadoras de regra. Senão, você vira aquela coisa piegas de livro de autoajuda, o que é ridículo”, ele explica. “De uma certa maneira, alimentam uma esperança, mas não são ‘Vamos todos ser lindinhos, felizes, o mundo é do caralho…’ O mundo é do caralho porra nenhuma! ‘Amanheceu outra vez, estou pronto para encarar a fúria dos dias.’ O pau tá comendo, mas eu estou a fim de encarar, porque eu quero viver”, esbraveja, reforçando a reputação de “boca-suja”. A ideia de lançar-se na carreira paralela ao Barão Vermelho era antiga. Sua experiência como compositor já estava mais do que comprovada. Quando Cazuza deixou o Barão Vermelho, em julho de 1985, Frejat assumiu os vocais e se deu muito bem nessa posição. No entanto, a decisão do voo solo veio depois de uma vivência como produtor. Inocentes, quarto álbum da pioneira banda brasileira de punk, lançado em 1989, marcou a estreia de Frejat nessa função. “Foi complicado em alguns momentos, mas foi muito bacana por outro lado”, recorda. O primeiro desses momentos aconteceu com Tonhão, o então baterista. “Você vai para o estúdio acostumado a gravar com clique, com referência, e pega um baterista que vem de uma banda punk. Ele não vai tocar com clique. Não vai nem querer saber dessa porra. Eu, como um cara que sabia que isso não seria fundamental, tentei viabilizar da melhor maneira sem o clique, porque isso tiraria a espontaneidade dele. Eu ia estragar a banda”, Frejat explica. “Na verdade, o produtor tem que deixar o artista o mais confortável possível para que ele possa produzir melhor. Acho que esse é o primeiro objetivo. A outra missão é chamar o artista para o que ele tem de melhor. E eu acho que consegui uma cumplicidade da banda toda desde o primeiro momento”, diz, afirmando que “eles nunca tinham tido um disco tão legal”. “Mas teve essa resistência, porque, por mais que eu não estivesse forçando ninguém a trabalhar, existia um mínimo de rigor técnico necessário.” O álbum foi o que mais aproximou os Inocentes do mainstream, principalmente pela vontade de Frejat de tirá-los do gueto punk e torná-los uma banda de rock – nos moldes do BRock que ele conhecia tão bem.
As produções continuaram. Frejat fez uma seleção de primeira, colocando gente como Cássia Eller, Chico Science & Nação Zumbi e Skank em Rei – Roberto & Erasmo, um tributo à maior dupla da Jovem Guarda, lançado em 1995. No mesmo ano, também cuidou da produção do primeiro álbum da excelente e malfadada banda recifense Jorge Cabeleira e o Dia em Que Todos Seremos Inúteis. “Rolou um estalo, justamente porque avaliei que eu tinha reunido essa experiência toda”, ele conta. “Eu era o cara que realmente atuava como um dos produtores do Barão, realmente ficava com a mão na massa, era o primeiro a chegar e o último a sair. E ainda tinha produzido esses discos para outros artistas, ou seja, eu já sabia lidar com essa coisa de você chegar e ter uma porrada de músico para conduzir, né?”
Atualmente, a posição de produtor levou Frejat ao primeiro álbum de Serginho Trombone, que está em fase de finalização. “A primeira coisa que Serginho gravou com o Barão foi em 1987. Ele fez um arranjo para um blues chamado ‘Quem Me Olha Só’, do álbum Rock’n Geral, e gravou um solo de trombone na música ‘Copacabana’. Dali em diante, virou nosso grande parceiro sempre que precisávamos de arranjos de metais. Ele fez alguns que são clássicos, como o de ‘Vem Quente Que Eu Estou Fervendo’ e o de ‘Puro Êxtase’. Nossa relação fortaleceu com o tempo e eu cobrava, dizia que ele tinha que fazer um disco dele por causa de muita gente estar fazendo e vendendo um som que ele construiu. Só que ele está vivo, e está aqui, parado em casa.” É um disco fundamentalmente instrumental e Frejat não esconde a felicidade de travar contato com antigos músicos de estúdio, pelos quais tem muita consideração. “Passou por aqui a alta elite – a elite musical brasileira em termos de instrumentistas: Jamil Joanes, Paulo César Barros, Paulo Braga, Renato Massa, Jorjão Barreto… Estou falando aqui de base e tal. Fora o pessoal dos metais. Serginho é um cara muito importante e muito respeitado por todos eles”, empolga-se.
Aos 55 anos, Frejat mantém um sorriso moleque, de quem está prestes a fazer piada. Ao mesmo tempo, poucos músicos do rock de sua geração são tão centrados e com uma visão tão objetiva quanto a dele. O documentário dirigido por Mini Kerti, Barão Vermelho, Por Que a Gente É Assim? , deixa isso claro, mas não tece conjecturas. “É uma coisa mesmo de educação, de personalidade”, Frejat diz, pensativo. “Já fiz muita merda [risos], mas fiz conscientemente. Não tem culpa moral, não. Sou muito focado num sentido: se eu preciso dormir, eu vou deitar. Se eu não dormir, vou ficar calado, eu não vou ficar conversando com ninguém. Sou muito disciplinado nessa coisa de conservar minha voz para os shows. Acho que eu sou muito objetivo em relação ao que quero fazer. Eu não fico muito: ‘Ai, meu Deus do céu, é isso? Não é isso? Ai, não sei se eu não vou conseguir por causa de não sei quem…’ Não tem isso. Se as coisas não acontecem, não acontecem, e as causas estão ali. A gente tem obstáculos pela vida. Naquele documentário, você já vê uma porrada de obstáculos, mas eu sempre fui muito focado em aonde eu queria chegar com o trabalho – no sentido do sucesso do trabalho, mas não do sucesso para virar um popstar, e sim o sucesso da música. Não queria ser uma pessoa famosa, pública. O fato de você ter uma música bastante executada te põe nessa posição, mas eu não tenho nenhum outro objetivo que não seja a música”, crava, acrescentando que nunca se viu como um político, por exemplo. “Não quero, sabe, cargo em conselho diretor de porra nenhuma, apesar de até ser parte de alguns grupos de atuação.” Junto a músicos como Ivan Lins, Fernanda Abreu e Leo Jaime, Frejat faz parte do GAP, o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música, que defende os direitos da classe musical, levando ao Congresso Nacional questões que envolvem streaming, direito autoral e até o restabelecimento da educação musical no ensino público. Ele faz questão de dizer que esse é um trabalho suprapartidário. “Não quero entrar nessa questão polarizada aí de hoje, porque é um assunto que às vezes está dificultando conversas entre amigos”, Frejat reclama. “Quando sei que eu e alguma pessoa temos uma opinião muito diferente, não falamos sobre política, porque sei que, se a gente falar, vai ter briga. E eu acho que, muitas vezes, tem pessoas que atacam a classe artística por causa de posições políticas que alguns artistas defendem. Atacam a classe artística como um todo, porque acham que ela como um todo tem aquela posição. Mas quando tratamos de assuntos da classe artística, aí sim esses assuntos são da classe. Não têm nada a ver com a política partidária.”
Frejat é do time que consegue respeitar a obra de um artista que não mereça lá tanto respeito quando se trata de suas posições, citando o quanto ficou chocado ao assistir The End of the Century: The Story of the Ramones, documentário sem firulas sobre as personas por trás de uma das maiores bandas punk de todos os tempos. “Cheguei num hotel às 6h, morto de cansaço, liguei a televisão, e estava passando. Não consegui dormir enquanto aquilo não terminou. O que mais me impressionou foi que aquela era uma banda que não poderia ter sobrevivido nem um mês com aquelas pessoas juntas em uma mesma sala”, analisa. “Ela deveria ter acabado por incompatibilidade de gênios, mas teve uma carreira longeva. Johnny Ramone era o cara mais reacionário que existia, e os Ramones não têm porra nenhuma que ver com aquele reacionarismo. Ainda assim, não perdi o respeito pela importância deles por causa disso”, conta. “Acho que se a arte e a política forem cruzar caminhos, isso tem que ser muito bem feito, porque senão as duas saem prejudicadas.”
Em um rápido passeio pelo estúdio, seja na sala de gravação onde estão amontoados amplificadores de vários tipos e idades, na sala de controle, onde CDs e DVDs preenchem os espaços, seja no escritório, que abriga um belo acervo de livros e biografias musicais, fica claro que, mais do que guitarrista ou cantor, Roberto Frejat é um apaixonado pela música em todos os seus aspectos. “Desde sempre”, ele se orgulha e se lembra do primeiro disco que comprou, Rubber Soul (1965), dos Beatles, ainda em versão monaural. O número “66” escrito na capa revela a data da aquisição. Frejat tinha 4 anos, então. “Lembro-me de entrar na galeria das lojas de discos que havia no Flamengo, que era o bairro onde eu morava. No Largo do Machado tinha três lojas de discos. Olha como o mundo mudou – três lojas de discos em uma galeria só. Eu entrei e estava tocando ‘Ob-La-Di, Ob-La-Da’ no alto-falante do som ambiente da galeria. Eu já sabia que o disco dos Beatles estava pra sair, porque eu acompanhava, ouvia o programa do Big Boy”, ele conta, citando o famoso radialista carioca que era referência para os aficionados por rock em uma era pré-internet. “Já sabia que era uma música nova, porque não estava em nenhum álbum que eu tinha, mas saí frustrado porque ela só existia em compacto ainda.” A partir de então, era fácil dar presentes ao pequeno connoisseur musical, que fazia listas de Natal e aniversário. Aos 10 anos, Frejat começou a aprender violão. “Peguei um professor péssimo, muito careta, que queria me ensinar a ler música, tocar umas coisas nas quais eu não tinha o menor interesse: o tema do Love Story, tema de O Poderoso Chefão…”, ele ri. “Porra! Você tem 10 anos e gosta de rock, a última coisa que você quer ouvir é ‘Love Story’. Abandonei o instrumento. Ficou lá o violão que meus pais me deram de aniversário.” Aos 14, veio a febre de querer tocar guitarra. “Mas, naquela época, você nunca começava aprendendo guitarra direto, porque o pai de ninguém daria uma guitarra de cara. Sempre daria um violão primeiro para ver que porra que ia dar essa merda aí [risos].” Desta vez, ele conseguiu um bom professor de violão, Luis Felipe, que ensinou a ele harmonia de música brasileira. “Foi um cara importante para mim, porque o que eu aprendi com ele serve até hoje”, revela. Logo ganhou a guitarra e passou a ter aulas com Kay Galifi, italiano naturalizado argentino que acabou se fixando no Rio de Janeiro. De 1967 a 1969, Galifi foi da banda de pop e rock psicodélico argentina Los Gatos – uma espécie de versão portenha de Os Incríveis. Na mesma época, Frejat começou a ir a shows. “Ia sozinho. O Rio de Janeiro era uma cidade em que você pegava um ônibus às 22h ou às 23h com 14 anos e não acontecia nada”, ele diz. “Eu vinha acompanhando a coisa do rock: Beatles, Grand Funk, Deep Purple, Santana… Aí, o rock virou progressivo: Yes, Genesis, Emerson Lake & Palmer… Essa coisa toda. Então, o Genesis veio ao Brasil e eu fui ver.” A boa impressão de ver uma banda gringa que soava exatamente como no disco só foi ofuscada quando assistiu aos Novos Baianos pouco tempo depois – uma epifania causada por uma razão inversa. “O álbum era muito pior do que o show que eu tinha visto, por causa da qualidade técnica dos discos no Brasil, especialmente em um disco que tinha uma coisa mais pesada, como era o caso dos Novos Baianos ao vivo naquele momento, quando estavam com o Caia na Estrada e Perigas Ver”, Frejat recorda. “Era uma coisa muito mais visceral, forte e intensa.” Para ele, Pepeu Gomes foi o responsável por mostrar a um jovem Frejat que a guitarra elétrica tinha um posto no Brasil. “Tipo eu sou guitarrista. ‘Ah, mas guitarra é um instrumento do rock, música estrangeira.’ De repente, você vê os Novos Baianos e fala: ‘Ah, cabe, sim, cabe na música brasileira, tem lugar para ela aqui’.”
Desde então veio a convicção de que o rock brasileiro, cantado em português, seria possível. “Eu acho que um grande desafio do rock brasileiro é fazer letras em português, porque o português é muito mais difícil para escrever”, reflete. “Eu costumo dizer assim: Renato Russo poderia ser um paralelo de Morrissey em português, só que ser Morrissey em português é muito mais difícil, meu irmão. Como Raul Seixas e Zé Ramalho, de uma certa maneira, têm uma coisa do Bob Dylan em português, só que ser Dylan em português é muito mais difícil do que ser Dylan em inglês. O inglês é uma língua sintética, em meia frase você diz uma porrada de coisas. No português, tu vai dar uma volta do caralho para falar aquela merda, né? Então, eu acho que é muito importante valorizar quem canta em português e retrata o que a gente vive aqui.”
Pioneiro do BRock com o Barão Vermelho, Frejat não gosta da reclamação nostálgica de que nos anos 1980, sim, a música era boa. “Toda geração tem seu discurso, e não podemos achar que eles vão vir com o discurso deles e vamos achar sensacional, porque, porra, é outra geração que está falando, cara”, ele rebate, citando o talento de bandas como o Amarelo Manga, formada em 2015 e que tem entre os integrantes seu filho Rafael. “Acho que eles têm um jeito novo de fazer música. O jeito como compõem é completamente diferente do meu. Eu gosto. Acho que são, dentro da geração deles, uma banda representativa. Ainda não tiveram esse tipo de reconhecimento e creio que vão ter que trabalhar muito pra isso, assim como fez O Terno, que é uma banda de que eu gosto bastante. Ela tem o [Tim Bernardes] filho do Maurício Pereira, brilhante companheiro da minha geração.” Frejat ainda se lembra de The Baggios, de Sergipe e Vera Loca, do Rio Grande do Sul, como bons exemplos. “Essa garotada cutuca. Você ouve e fala: ‘Porra, que música! Eu gostaria de ter feito essa música’. Aí, por causa dessa cutucada, num outro dia, você está ali, empenhado em fazer uma puta de uma música. Acho isso produtivo.”
Sucesso Alheio
Com arranjos a milhas de distância do rock, dois hits de Frejat vão longe, e ele fica contente com isso
“Eu não posso falar de boa música ou de má música. Não existe esse conceito. Existe o que nego gosta e o que não gosta.” Essa é a resposta de Frejat ao “xiita roqueiro”, aquele tipo que idolatra o gênero e despreza tudo que não se encaixa nele. Enquanto o guitarrista e vocalista se dedica a cantar os hits dos outros sobre o palco, outros artistas se utilizam das criações dele para garantir o coro animado em suas próprias performances. A forma como essas canções chegam aos ouvidos do público, porém, pode surpreender. Em 2003, já um dos maiores sucessos do Barão Vermelho, a canção “Por Você” ganhou uma versão em pagode, feita pelo conjunto carioca Sorriso Maroto. O grupo ganhou atenção nacional e a música chegou aos ouvidos de uma outra plateia. Dez anos depois, a dupla goiana de música sertaneja Jorge & Mateus incluiu “Amor pra Recomeçar” no álbum At the Royal Albert Hall – Live in London, gravado na mesma casa onde ocorreram shows históricos de Siouxsie and the Banshees e Adele. Na versão sertaneja, a música atingiu o 14º lugar na parada de execução em rádio. “É difícil você se identificar, porque aquilo não está retratando a sua realidade. E a música traz esse aspecto de identificação imediato quando você ouve a sua vida cantada ali”, Frejat explica. “Mas você consegue perceber o talento quando ouve. E tem outra coisa que eu acho que a gente é obrigado a reconhecer: sucesso alheio é algo indiscutível. Qualquer coisa que faça sucesso tem algum motivo para isso. Ninguém compra algo que seja uma porcaria sabendo que é uma porcaria. Se eu não consigo ver por que os outros gostam, problema meu.” Frejat diz que aprendeu muito cedo a não falar mal do “trabalho que não me bate”: “É uma questão de ética”.
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