Reportagem publicada originalmente na edição 248 da RS EUA (Setembro de 1977) - Rolling Stone

Funeral em Memphis

Há 35 anos, morria Elvis Presley. A Rolling Stone EUA dedicou boa parte de sua edição à morte do Rei. A seguir, um relato do que aconteceu logo após o caótico dia 16 de agosto de 1977

Chet Flippo Publicado em 10/08/2012, às 13h13 - Atualizado em 16/08/2012, às 08h58

Ele tornou-se um mistério ainda maior na morte do que havia sido em vida. Elvis Aaron Presley foi sepultado aos 42 anos, sem jamais ter aberto o jogo, sem nunca ter colocado todas as cartas na mesa. E sua família inteira – a distinção entre parentes consanguíneos e empregados foi nublada há tempos – continuou, em meio à dor da despedida, mantendo tudo o que dizia respeito ao Rei tão oculto quanto antes.

O lado gospel de Elvis Presley: relembre alguns dos hinos religiosos mais marcantes da carreira dele.

No dia anterior à sua partida para uma turnê, na mesma semana em que surgiu o polêmico livro Elvis: What Happened? (escrito por três ex-guarda-costas e que se propunha a detalhar a vida privada do cantor), no mês em que voltava a ter um álbum nas paradas (Moody Blue), Elvis caiu morto em sua mansão, Graceland, e instantaneamente passou de lenda elusiva a mito. A cidade de Memphis, que também deu ao mundo os hotéis Holiday Inn, mais uma vez – mesmo que por cerca de 48 horas – tornou-se o quartel-general espiritual do rock and roll.

A carreira de Elvis Presley em fotos

A cidade parecia um acampamento cigano. Dezenas de milhares de seguidores do Rei largaram o que quer que estivessem fazendo onde quer que estivessem e seguiram para o lugar onde tinham que estar. Não importava que não havia mais nenhum quarto vago em lugar nenhum. Os nove mil quartos de motel da cidade já estavam lotados com 16 mil pessoas presentes para uma convenção da ordem dos Shriners. Não importava que no fim apenas umas duas mil pessoas das 75 mil presentes puderam ver o corpo do ídolo repousando placidamente no velório, ou que somente cerca de 200 amigos mais próximos puderam acompanhar o funeral. Estar na mesma cidade em que o Rei no dia de sua despedida final já era o suficiente para todos eles. Mesmo em meio à quase histérica adoração persistiram as incômodas notícias, especulações e rumores sobre a causa da morte dele. A explicação vigente era ataque do coração, mas esperava-se que a autópsia prosseguisse por pelo menos uma semana.

A última semana de vida de Elvis foi, aparentemente, feliz. Sua filha de 9 anos, Lisa Marie (a quem ele homenageou batizando também seu jatinho particular Convair 880), estava passando duas semanas de visita em Graceland. Ela mora em Los Angeles com a mãe, a ex-esposa do cantor, Priscilla Beaulieu. Em 7 de agosto, Elvis havia alugado Libertyland, um parque de diversões local, da meia-noite até o nascer do sol. Sua filha e sua atual namorada, uma garota local chamada Ginger Alden, e cerca de 15 amigos passaram a noite se divertindo nos brinquedos. Fora isso, relataram amigos, Elvis nadava na piscina de Graceland durante o dia, jogava raquetebol à noite e repassava as músicas para sua turnê de 11 datas, que culminaria com dois shows no Mid-South Coliseum em Memphis, nos dias 27 e 28 de agosto. Ele estava, ainda de acordo com amigos, extremamente acima do peso e embora tivesse visto o conteúdo do escandaloso Elvis: What Happened? , não parecia exageradamente aborrecido. Na segunda, 15 de agosto, Elvis acordou tarde como de costume (o editorial do Memphis Commercial Appeal sobre a morte dele destacava que “quando Elvis trabalhava até mais tarde, se sentia em paz”). À noite, foi dar uma volta por Memphis com um de seus carros Stutz-Bearcat. De volta a Graceland, foi para a quadra de raquetebol e jogou até 6h da manhã da terça-feira, 16 de agosto.

Às 14h33, o Departamento dos Bombeiros de Memphis, na Engine House 29, localizado no número 2147 da Elvis Presley Boulevard, recebeu uma chamada do gerente de turnês de Elvis, Joe Esposito, dizendo que alguém estava tendo dificuldades de respiração em Graceland. Não era um caso incomum, uma vez que fãs frequentemente desmaiam do lado de fora da mansão do cantor. Charlie Crosby e Ulysses S. Jones Jr. pularam para dentro da Unidade 6 – um veículo laranja e branco com uma estrutura em forma de caixa acoplada a um chassi GMC –, ligaram a sirene e seguiram para o sul. Na altura do número 3746 da Elvis Presley Boulevard (ninguém aqui chama a via apenas de Presley ou Elvis) a ambulância foi levada até Graceland por um carro que os aguardava.

Crosby e Jones foram levados para o andar superior, onde Presley estava caído no chão de seu banheiro. O médico particular, George Nichopoulos, estava aplicando reanimação cardiopulmonar. Eles colocaram Elvis, ainda vestido com um pijama azul, na Unidade Nº 6 e correram de volta na direção norte pela Elvis Presley Boulevard. Crosby dirigia enquanto Jones ajudava com as tentativas de reavivá-lo na parte de trás do veículo. Alguns funcionários de Elvis seguiram a ambulância. Eles viraram à esquerda na Union e correram para a entrada do setor de emergência do Baptist Memorial Hospital, muito perto do estúdio original da Sun Records na 706 Union – hoje uma construção térrea amarela, vazia e trancada –, onde Elvis gravou pela primeira vez. “Respire, Elvis, Respire!”, disse Nichopoulos no caminho para o hospital, de acordo com o jornal Commercial Appeal. Já era mais do que tarde. O corpo de Presley já estava azul.


Mesmo assim, às 14h56, o cantor foi levado às pressas para a sala de emergência, isolada dos outros pacientes. Uma equipe especialmente treinada em todas as técnicas de reanimação trabalhou no cantor sem sucesso. O dr. Nichopoulos finalmente considerou Elvis Presley como morto às 15h30.

O corpo, que estava começando a ficar inchado, foi movido para o necrotério do hospital, no segundo andar. O lugar foi isolado por uma segurança pesada e a autópsia preliminar começou, com todos os médicos importantes do hospital presentes. Também foi chamado o Dr. Jerry Francisco, examinador médico da Shelby County. A constatação preliminar dele foi de arritmia cardíaca e enrijecimento das artérias.

“Elvis tinha as artérias de um homem de 80 anos”, falou um dos empregados do hospital que não quis se identificar. Segundo ele, o corpo de Elvis estava simplesmente gasto. As artérias e veias estavam terrivelmente corroídas. “Ele já tinha sido hospitalizado aqui cinco vezes”, segue a fonte anônima. “Normalmente ele passava em Graceland antes. Mas da última vez, em abril, foi trazido de avião da Louisiana. A cada vez havia mais gente em volta dele. Nesta última vez, quando ele morreu, havia muitos seguranças. Uma autópsia normalmente leva 24 horas. O procedimento padrão é que qualquer órgão vital removido para estudo seja devolvido, colocado em um saco e jogado dentro do caixão antes do enterro. Mas não no caso de Elvis. O cérebro, coração, rins, fígado e todo o resto foram mantidos para testes aqui”, completa.

Maurice Elliot, vice-presidente do Baptist Hospital, declarou: “Todos os órgãos foram removidos, o que é normal”. E acrescentou que “ainda não temos definida a causa da morte, e como o legista dr. [Jerry] Francisco disse, pode ser que jamais venhamos a saber a causa exata. Uma vez que o dr. Francisco excluiu qualquer causa natural, o caso se torna privado. Assim, todas as descobertas da autópsia serão encaminhadas para a família e qualquer declaração pública a este respeito ficará a cargo dela. Elvis ficou internado aqui de 1º a 6 de abril deste ano, depois de interromper uma turnê. E esteve aqui por duas semanas em janeiro e Fevereiro de 1975, duas semanas em agosto e Setembro do mesmo ano, e mais duas semanas em Outubro de 1973”, disse o funcionário do hospital. “Fizeram tratamento para tudo – hipertensão, cólon dilatado, gastroenterite, inflamação do estômago. Estava sendo tratado com cortisona. Ele também tinha um problema sério no fígado. A cortisona pode ser a explicação para seu peso – ele era um cara grande; estava pesando pelo menos uns 104 quilos”, concluiu Elliot.

Os médicos do Baptist Memorial descartaram a teoria de lupus e disseram que o resultado final da autópsia pode demorar semanas para sair. O corpo de Elvis foi removido pelo carro funerário às 20h10 e levado para a Memphis Funeral Home para o embalsamento. Na manhã seguinte, ele foi levado para o lobby de Graceland, onde seria realizado o velório.

Quase imediatamente após o anúncio da morte, às 16h da terça-feira, fãs começaram a se juntar do lado de fora de Graceland, uma antiga igreja de 18 cômodos, que Elvis comprou para a mãe dele em 1957. Para chegar à mansão, você tem de seguir ao sul na Elvis Presley Boulevard, que foi rebatizada em homenagem ao filho favorito de Memphis em 1972, e passar por uma vizinhança em constante deterioração, pelo Forest Hill Cemetery Midtown, onde a mãe dele, Gladys Smith Presley, foi enterrada em 1958, pelo Denny’s Restaurant e pelo terreno de 11 acres do qual Elvis é proprietário. E no número 3476 irá encontrar uma cerca de pedra, baixa, com pontas dentadas, um portão de ferro branco e uma guarita de tijolos vermelhos que guardam a privacidade de Elvis.

O pai do cantor, Vernon, decidiu permitir que os fãs pudessem ver o caixão aberto em Graceland das 15h às 16h na quarta-feira, e a avalanche humana na Elvis Presley Boulevard tornou-se quase assustadora. Filas de pessoas se estendiam literalmente por quilómetros em ambas as direções, cada um esperando por uma última olhada rápida no ídolo. A variedade de pessoas presentes era um retrato perfeito da América: motoqueiros, executivos, crianças e hordas de mulheres de meia-idade, muitas delas soluçando.


O terreno da Graceland Christian Church, vizinha de Elvis ao norte (ao sul é uma clínica de podologia), logo estava forrado de latas de refrigerantes e embalagens descartadas. As árvores da igreja se rendiam ao peso das pessoas tentando ver algo além da cerca de pedra. E o shopping center do outro lado da rua, em frente a Graceland, rapidamente foi inundado por carros e pessoas e vendedores de suvenires. Uma mulher se apoiou em um poste e chorou enquanto ouvia “Love Me Tender” reverberando do rádio de um carro próximo.

Dentro da propriedade, passada a área de imprensa e o isolado setor médico, o silêncio pastoral era espantoso. No alto da elevada via circular por onde os carros eram conduzidos, havia flores incontáveis: dúzias de arranjos em forma de guitarras, cães de caça e corações. Uma centena de vans entregou 3166 arranjos florais enviados por todo o tipo de organizações e pessoas, da União Soviética a Elton John e o Departamento de Polícia de Memphis.

Graceland é um edifício colonial branco de dois andares, discreto e de bom gosto. Dois leões brancos de pedra maciços flanqueiam a porta de entrada. Atrás deles, dois oficiais da Guarda Nacional Aérea vigiavam a entrada, rijos. Dentro do lobby, Elvis repousava em um caixão de 400 quilos, decorado em cobre, colocado debaixo de um candelabro de cristal. Linho branco foi estendido pelo chão e guarda-costas taciturnos e silenciosos espalhados pelo lugar. Elvis estava vestido com um terno branco, camisa azul-clara e gravata branca. O rosto ainda era fascinante: terrivelmente pálido e inchado, mas ainda belo. A mulher bem à minha frente na fila, ao finalmente ver o cantor, afundou visivelmente, como se tivesse tomado um tiro. Seus soluços eram o único som no lugar.

Em meio à banalidade e à glória da morte, garotos andavam de skate bem ao lado de uma garota que chorava, agarrada a pelo menos 25 cópias do jornal Memphis Press-Scimitar, com a manchete: UMA VIDA SOLITÁRIA TERMINA NA ELVIS PRESLEY BOULEVARD. Outros meninos circulavam pelo estacionamento com sacolas, procurando garrafas recicláveis de refrigerante.

Às 17h, uma chuva gentil começou, mas ninguém fez menção de ir embora. Os portões deveriam ser fechados, mas para isso a polícia teria que lidar com cerca de dez mil pessoas que tentavam ver o corpo. Por fim, a ordem veio diretamente da família: as visitas se encerrariam impreterivelmente às 18h30. E foi o que aconteceu. Por alguns momentos, pareceu algo arriscado – uma multidão incrível avançou para os portões em meio a vaias, lágrimas e soluços. Mas as pessoas acabaram desistindo. O muro de pedra que dá para a Elvis Boulevard é baixo o bastante para ser pulado, mas ninguém tentou. Os últimos na fila foram Mike e Cheryl Smelster, de Memphis. Perguntei como se sentiam por serem os últimos a terem a chance de ver o ídolo. “No momento”, disse Mike, “não é tão legal assim”.

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