Melissa McCarthy sempre foi engraçada e animada, mas passou anos lutando sem receber reconhecimento
Erick Hedegaard | Tradução: Ana Ban Publicado em 11/07/2014, às 16h35 - Atualizado em 22/08/2018, às 18h24
É comum a mente de melissa mccarthy entrar em colapso. Quando isso acontece, ela pode ficar durante minutos viajando, sem saber direito o que diz ou faz. É sempre imprevisível: qualquer coisa pode acontecer. Há alguns anos, ela tinha acabado de sair de sete ótimas temporadas na série Gilmore Girls e havia sido escolhida para interpretar a metade sensata da série Mike & Molly. Mas Melissa queria mais – como, por exemplo, um papel em um filme chamado Missão Madrinha de Casamento, com produção de Judd Apatow, grande formador de opinião em tudo que tem a ver com comédia, direção de Paul Feig, criador do seriado Freaks and Geeks, e roteiro coescrito por Kristen Wiig, comediante do Saturday Night Live. Um grupo bastante impressionante. “Meu Deus”, Melissa e o marido, Ben Falcone, diziam um para o outro: “Imagine se você conseguisse entrar naquele mundo e tivesse uma fala que fosse!”
Melissa conseguiu um teste, mas quase arregou. “É, eu quase não fiz”, diz, lembrando do quanto estava nervosa. “Mas daí eu pensei ‘que se dane’, prendi o cabelo para trás, não usei maquiagem nenhuma e entrei [na sala do teste].” E enquanto estava lá, ela embarcou em um daqueles estados viajandões, quando a mente entra em colapso. Estava no meio de um momento de improvisação com Kristen Wiig quando de repente começou a discorrer sobre um encontro sexual maluco com um golfinho. A atriz acabou retomando a compostura, mas, depois, no caminho de volta para casa, só conseguia pensar: “Muito bem, sua burra, você conseguiu, você fodeu com tudo. Não existe nada que você pudesse fazer que fosse parecer mais estranho. Sexo com um golfinho? Não dava para ser mais esquisita”. Ainda bem que ela estava diante de um trio de gênios, que foi capaz de reconhecer o talento dela e de contratá- -la para fazer o papel da madrinha de casamento machona Megan, permitindo a Melissa McCarthy se tornar tudo o que ela é hoje: praticamente a única comediante mulher em atividade capaz de levar quase sozinha um filme a uma arrecadação de US$ 35 milhões na estreia.
Melissa é uma pilha de energia. Não é uma mulher alta, e não é uma mulher pequena, mas parece muito leve. É simplesmente a impressão que ela passa. Aqui está ela agora, aos 43 anos, em Budapeste, no interior glorioso de um hotel da rede Four Seasons, longe da chuva forte que cai lá fora. Ela aparece vestida com um vestido de tule, sapatilhas nos pés, os olhos tão verdes quanto uvas, as covinhas sempre gentis, e dizendo coisas como: “Você já experimentou a sopa de testículo de galo daqui? Não sei se preciso disso na minha vida, mas estou muito curiosa”
Tanta coisa aconteceu desde Missão Madrinha de Casamento... Uma delas foi a indicação para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2012, pela interpretação de Megan. Depois disso, veio Uma Ladra sem Limites, com Jason Bateman, e As Bem-Armadas, com Sandra Bullock, ambos filmes desprezados pela crítica que Melissa McCarthy transformou em sucessos, com arrecadação combinada nos Estados Unidos de quase US$ 300 milhões.
Ela está em Budapeste há mais ou menos dois meses fazendo um novo longa chamado Spy, dirigido por Paul Feig, com gente como Jason Statham (“delicioso!”), Rose Byrne (“olhos enormes que parecem pires!”) e 50 Cent (“um amor!”) no elenco; a
personagem da vez é a de uma agente da CIA atrapalhada que se apresenta para a tarefa de salvar o mundo. No fim do ano, vai estrelar ainda St. Vincent, uma comédia de humor negro com Bill Murray. Mas primeiro temos Tammy (ainda sem previsão de estreia no Brasil), em que a protagonista vê a vida desmoronar e se recompõe durante uma viagem com a avó cachaceira (Susan Sarandon).
Também aconteceram algumas coisas infelizes – na maior parte perrengues relacionados ao peso dela, principalmente depois que o crítico de cinema Rex Reed disse que Melissa era “do tamanho de um trator” (e coisa muito pior). Por outro lado, a artista sempre terá as lembranças do Globo de Ouro, quando Brad Pitt e Angelina Jolie começaram a acenar para ela. Melissa se virou para trás, não tinha ninguém – só poderiam estar acenando para ela. E estavam. Os dois se aproximaram e começaram a conversar. Então, Melissa disse: “Ah, que merda, não escutei nada do que você disse. Preciso de um minuto para absorver isso, porque é demais, visualmente falando. Eu só fiquei olhando”. E também quando Meryl Streep começou a puxar o braço dela, dizendo coisas muito bacanas, e a única resposta que Melissa conseguiu pensar em dar foi: “Caralho, mas você é a Meryl Streep!”, vez após outra.
Melissa McCarthy é uma vencedora tamanho GG. Aliás, quando foi a última vez que tivemos uma estrela de cinema autêntica tamanho GG entre nós? Será que isso aconteceu alguma vez? Claro, já existiram inúmeros astros gordos na telona; para
citar alguns, Lou Costello, Jackie Gleason, John Belushi e Kevin James. Mas, do lado das mulheres, Melissa parece ser a única de um tipo ultrarraro, com um status que permite até que ela trabalhe em projetos pessoais, como foi o caso de Tammy, que ela e Falcone escreveram juntos e ele dirigiu. Mas também há algo nas personagens que ela escolheu interpretar. No cinema, além de ter sempre um lado doce, ela costuma interpretar pessoas malucas que não se encaixam nos padrões da sociedade em relação ao jeito de se vestir, de falar e de se comportar. Uma boa parte disso deriva do fato de Melissa adorar reparar nas pessoas. “Eu realmente gosto de observar as pessoas mais ousadas, que têm segurança demais, mesmo que não tenham nada em que se apoiar”, afirma. “Adoro a pessoa de calça fusô e top tomara-que-caia que não deveria estar usando aquilo de jeito nenhum, mas que fica, tipo: ‘Estou linda pra caralho!’ Amo essa pessoa! É uma pessoa que, de algum modo, não entrou na convenção daquilo que se deve ou que não se deve fazer. Está cagando e andando. Tenho uma obsessão verdadeira pelas pessoas que simplesmente não estão nem aí.” E é por isso que as personagens dela nunca têm nem um grama de glamour. Elas são antiglamour de propósito, com uma atitude determinada que parece ter caído no gosto de uma massa que ninguém sabia existir antes, levando a belos lucros na caixa registradora. Além do mais, os filmes dela somam uma contagem de palavrões que não se vê desde Scarface. Como não adorar?
A chuva parou do lado de fora do Four Seasons, uma pilha de macarons torradinhos repousa deliciosamente sobre uma mesa e Melissa resolve comentar sobre os lados negativo e positivo de tanto palavrão. “Quero dizer, as pessoas ficam esperando que eu chegue e diga: ‘E aí, porra, tudo bem com você?’”, ela diz, depois de um gole d’água. “Mas quer saber de uma coisa? Eu não tenho nada a ver com o que sou nos filmes.”
Como assim?
“Bom, para começar, eu fico sem jeito um pouco mais do que deixo transparecer”, conta a comediante. “Às vezes eu simplesmente não sei o que fazer nem onde colocar as mãos. É por isso que gosto de ter bolsos nos meus vestidos. Assim tem um lugar para pôr as mãos. Será que é esquisito?”
Ela se recosta no sofá.
“E, de todo modo”, prossegue, “não acho que os palavrões que eu digo são de mau gosto. Mau gosto é uma cena aleatória de peitos. Uma vez, um repórter perguntou: ‘Por que as suas personagens são tão desagradáveis?’ E eu falei: ‘Caramba, o que você quer dizer?’ Ele: ‘Você sabe, elas são desagradáveis. Olhe só como falam palavrão’. Eu disse: ‘Se um cara estivesse falando tanto palavrão, você iria dizer que ele era desagradável? Então, mostre agora em que parte do filme eu fui desagradável’. A gente não vê muitas mulheres agindo de modo real nos filmes. Elas são sempre educadas, perfeitas e adoráveis. Mas todo mundo tem uma prima esquisita ou uma tia assim, ou uma irmã. E passamos tanto tempo sem ver isso na tela que, quando vemos, é tipo: ‘Ah, isso é novidade!’”
Quando o peso é motivo de questionamento, ninguém quer falar sobre o assunto, mas Melissa McCarthy parece aceitar que isso é um fato que faz parte da vida pública dela. Claro que ela preferiria não falar, mas tudo bem. “Acho que me preocupei
com o peso cedo demais, quando era só gordurinha de criança”, ela diz. “Acho que lutei contra o peso durante todo o ensino médio, mas olho para trás e vejo minhas fotos como animadora de torcida, correndo, levantando peso, fazendo ginástica, e apesar de eu não ser magra como uma vara como algumas meninas – a gente é tão maluco nos Estados Unidos que, de algum modo, [ser mais magra] significa ser melhor –, eu usava tamanho 38 o tempo todo. Então, por que diabos eu estava me descabelando? Eu mataria para ser daquele jeito hoje.” Ela solta um grande suspiro exasperado. “Essa é uma questão muito esquisita mesmo, muito distorcida.”
Melissa continuou magra até se mudar para Los Angeles, mas parou de se exercitar e não conseguiu mais emagrecer depois do nascimento da segunda filha – Georgette está com 4 anos agora; a mais velha, Vivian, tem 7. “A gente pensa em tudo:
‘E se eu fosse mais alta, mais bonita, mais magra, será que seria chamada para mais testes?’ Ah, eu vivia chorando. Eu chorava por não ter dinheiro, por não conseguir nenhum trabalho, por não ser mais alta, mais bonita, mais magra.” Ela meio que
dá risada. “E pensava: ‘Por que não tenho namorado? E por que todo mundo que eu namoro provavelmente é gay?’”
Um instante depois, ela começa a falar sobre um painel de discussão do IMDb com que se deparou uma vez, em que o assunto era ela. “Uma postagem dizia o seguinte: ‘Eu odeio aquela porca gorda e espero que morra de ataque do coração na frente das fi lhas’. Era de algum lugar em Ohio, às 3h43 da manhã, e quando eu li, todo o ar abandonou os meus pulmões. Espera um minuto... quem? Mas que tipo de...? Eu meio que fiquei com vontade de ir até Ohio só para falar: ‘Ei, eu tenho duas filhas, dou o melhor de mim, e você espera que eu morra na frente delas? Mas que porra é essa?’ Você pode odiar os meus filmes, pode me achar chata ou exagerada, seja lá o que for. Mas quando passa para essa parte do mundo...”
Melissa sacode a cabeça; parece que ainda sente a espiral em que entrou quando leu aquilo. “É”, diz. “Foi pesado para mim.”
Há quem creia que todo mundo está sempre fugindo de alguma coisa. Se partirmos da ideia de que isso é verdadeiro, do que Melissa estaria fugindo?
“Não sei”, ela responde.
“Eu sei”, Ben Falcone, o marido dela, diz.
“Do quê?”
Há um momento de hesitação.
“Tédio.”
Ela faz que sim com a cabeça. “Eu não gosto de ficar entediada. Toda essa diversão pode acabar de repente, por isso sempre queimo o mais rápido possível. A minha energia é assustadora.”
É, mas por baixo disso, não há uma questão mais profunda? Um lado sombrio?
Ela pisca algumas vezes, toma um gole de vinho, não responde.
Falcone a cutuca. “Vá mais fundo”, ele pede.
“Do que eu estou fugindo?”, Melissa repete. Pisca mais algumas vezes e diz exatamente o que tinha dito da primeira vez: “Não sei”. E fala isso com muita leveza, como se não tivesse certeza sobre o que estão lhe perguntando e, se for para ser sincera, não está nem aí. E por que deveria estar? Do jeito que as coisas estão agora, está tudo bem maravilhoso.
“Por algum motivo, nunca penso com antecedência”, ela afirma. Falcone dá risada. “Isso é a cara dela. Vai correndo abrir a porta e só depois se preocupa com o que tem atrás.”
Mas que belo jeito de ser. Ah, se todos tivéssemos a mesma sorte... Melissa não precisa se esforçar: ela simplesmente é assim.
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