Os dois maiores lençóis de gelo do mundo estão derretendo mais rápido do que qualquer especialista julgava ser possível
Por Ben Wallace-Wells Publicado em 11/05/2011, às 16h14
I. GELO
No dia 18 de julho de 2005, mais ou menos às 4h da manhã, uma embarcação de pesquisa chamada Arctic Sunrise ia avançando lentamente para o sul ao longo da costa da Groenlândia. Já estava claro lá fora, e tudo parecia imóvel. Gordon Hamilton, um pesquisador especializado em gelo, estava em pé no convés, observando as rochas e os redemoinhos à beira d'água. O resto da tripulação ainda dormia no andar de baixo. Havia um helicóptero no convés, pintado de laranja berrante para que fosse avistado com facilidade no caso da necessidade de um resgate, e Hamilton viu o piloto, a única pessoa que também estava acordada, descer uma escada próxima. Eles tinham planos para sobrevoar uma geleira enorme chamada Kangerdlugssuaq na tarde daquele dia, para medir sua velocidade e verificar se o clima mais quente tinha forçado alguma mudança radical naquela parte do mundo.
A maior parte do gelo do planeta está contida em dois enormes e antigos lençóis, cada um deles do tamanho de um continente: um cobre a Antártida e o Pólo Sul, e o outro, não tão grande assim, cobre a Groenlândia. Estas duas formações fazem um leve declive na direção do mar, a partir do centro elevado, sendo que o gelo se projeta para fora em amplos rios congelados, conhecidos como geleiras. A neve que cai no topo das encostas faz pressão sobre as geleiras, e isso ajuda a gravidade a empurrá-las na direção das bordas do continente. Ali, quando ocorre o encontro com a água mais quente, uma parte do gelo derrete lentamente para dentro do mar. Até alguns anos atrás, pesquisadores como Hamilton acreditavam que as mudanças nos lençóis de gelo eram imperceptíveis, em escala de tempo de séculos. Mas, na medida em que o planeta esquentou, eles passaram a perceber que o gelo é muito mais volátil e rápido do que pensavam. Os lençóis de gelo já não parecem mais estáticos: são represas misteriosas e complicadas que ajudam a segurar continentes inteiros, impedindo que as cidades litorâneas inundem. Quando se entende os lençóis de gelo, e como pode se dar seu derretimento, dá para visualizar o futuro dos oceanos - o quanto eles podem inchar, e em que prazo.
Hamilton e o piloto decolaram do convés da embarcação e voaram na direção da costa, encaminhandose para o fiorde em que a Kangerdlugssuaq se esvazia no oceano. Na época, os especialistas em gelo estavam tentando entender uma anomalia estranha e preocupante. Uma geleira chamada Jakob-shavn Isbrae - a maior da Groenlândia, do outro lado do continente em relação à embarcação de Hamilton - tinha começado a afinar rapidamente, de acordo com dados recentes coletados pela NASA, enviando muito mais gelo para o mar do que o normal. Ninguém sabia exatamente que conclusão tirar daquilo. Se o fato estivesse acontecendo por causa de alguma mudança climática, então o derretimento acelerado deveria aparecer também em outras geleiras, mas, até aquele momento, não tinha aparecido. Hamilton carregava consigo um desenho baseado em imagens de satélite de Kangerdlugssuaq feitas dez meses antes, mostrando que os processos normais ali estavam em equilíbrio. A geleira parecia estável.
Enquanto o helicóptero ia se dirigindo para as coordenadas na geleira onde Hamilton queria pousar, ele deu uma olhada para fora da janela. A rocha negra do fiorde se erguia acima da água escura que se acumulava na parte de baixo, com a geleira ainda a quilômetros de distância da desembocadura. De repente, Hamilton foi despertado de súbito do estado idílico em que se encontrava por um guincho em seu fone de ouvido. "Chegamos", disse o piloto.
Hamilton olhou para baixo. Eles estavam em cima de água. A geleira tinha desaparecido.
Confuso, Hamilton pegou a imagem do satélite. Talvez tivesse passado as coordenadas erradas para o piloto. No desenho, ele enxergava duas geleiras afluentes que desembocavam na Kangerdlugssuaq bem no lugar em que ele queria pousar. Ele olhou pela janela. Ali estavam as duas geleiras afluentes. Mas elas desembocavam no mar. Nos poucos meses desde que a imagem tinha sido feita, a parte da frente da Kangerdlugssuaq tinha desaparecido. "Ela ficou ali durante mais de 50 anos", conta Hamilton.
Ao retornar para o Arctic Sunrise, Hamilton foi falar com a aluna de pós-graduação que estava trabalhando com ele, Leigh Stearns, e pediu a ela que o acompanhasse de volta à geleira. No caminho, ele fez questão de só dar informações vagas a respeito do que tinha visto; ainda achava que podia estar enganado. Agora, sobrevoando o fiorde pela segunda vez, Hamilton viu evidências da geleira desaparecida. Ao longo das laterais do fiorde, como a marca deixada pela água em uma banheira, havia manchas de gelo que tinham sido deixadas na rocha quando a geleira cedeu para dentro da água. Mais no alto, ele enxergava montes de terra que sugeriam a altura que a geleira desaparecida tinha alcançado. Esta seção da Kangerdlugssuaq tinha sumido em apenas dez meses - ritmo que a maior parte dos pesquisadores julgava impossível. Então, a questão era saber com que velocidade as geleiras se moviam.
Hamilton sabia que a resposta poderia ter implicações profundas para os litorais do mundo todo. Um relatório que na época estava sendo elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU) estimava que os níveis globais do mar subiriam no máximo 45 centímetros no século seguinte. Mas, nos últimos cinco anos, na medida em que mais descobertas como a de Hamilton foram aparecendo, esses números passaram a ser considerados obsoletos. "As estimativas agora se concentram na elevação de 90 centímetros do nível do mar até o fim do século", diz Richard Alley, pesquisador especializado em geologia na Universidade Estadual da Pensilvânia (Estados Unidos). Os novos dados científicos indicam que, até o final do século, a elevação do nível do mar pode deixar até 153 milhões de pessoas sem ter onde morar. A maior parte de Nova Orleans, e grandes áreas de Miami e Tampa provavelmente ficarão submersas, junto a algumas entre as maiores cidades do mundo: Manilha, Lagos, Alexandria. Um quarto do litoral dos países em desenvolvimento vai ser atingido com mais frequência por furacões e tsunamis; mais ou menos a metade de Bangladesh, país com 160 milhões de habitantes, estará sujeita a enchentes regulares. Se Hamilton estivesse certo, então um verdadeiro cataclismo tinha se iniciado no âmbito dos lençóis de gelo.
Sobrevoando a água onde antes tinha se erguido Kangerdlugssuaq, Hamilton e Stearns encontraram a nova borda da geleira, deslizando furtivamente entre um par de colinas. Quando o piloto avistou um local de pouso estável e desceu, eles trabalharam rápido. Com uma furadeira elétrica, fizeram um buraco no gelo e colocaram um mastro dentro dele, com um pequeno receptor de GPS acoplado à parte de cima. Então foram embora a bordo do helicóptero, encontraram outro local de pouso firme e repetiram o processo. No final da tarde, tinham instalado seis receptores ao longo da borda da geleira, número suficiente para ter uma ideia da velocidade geral do gelo.
De volta ao barco, Hamilton desabou em seu catre, exausto. Stearns abriu seu laptop e começou a fazer o download de dados dos receptores. Quando terminou, a velocidade era tão implausível que ela conferiu os cálculos cinco vezes para se assegurar de que tinha feito as contas certas antes de mostrar para o chefe. Kangerdlugssuaq, quando estável, movia-se na direção do mar em taxa de cerca de 4,8 quilômetros por ano. Agora, de acordo com os cálculos de Stearns, a velocidade era de quase 14,5 quilômetros por ano. "Era mais rápido do que qualquer geleira que já tinha sido medida", diz Hamilton. "Nós não achávamos que uma geleira pudesse alcançar essa velocidade."
II. GELEIRA
No próximo século, a superfície da terra será forçosamente retraçada pelas partes do planeta que permanecem mais inacessíveis e menos compreendidas. Os lençóis de gelo da Antártida e da Groenlândia são tão áridos e ininterruptos que mais parecem abstrações geométricas em vez de continentes. Eles impõem aos visitantes a privação sensorial quase total. Como não há praticamente nada vivo - nada de árvores, mato ou animais -, não há nenhum cheiro. Até o tempo se estende nos pólos: os pesquisadores geralmente só conseguem ir até lá no auge do verão, quando fica claro durante quase as 24 horas do dia, e o horário de trabalho cada vez se estende até mais tarde, para o meio da madrugada. Do interior de um lençol de gelo o arco do horizonte é tão longo e tão constante que a gente para de registrar totalmente a paisagem vazia e se concentra na única coisa que muda: as nuvens. Mais ou menos três semanas no lençol de gelo é o máximo que a maior parte dos glaciologistas conseguem aguentar, de modo que correm contra esse limite. É a ciência contra o tempo.
O gelo é uma substância curiosamente frágil; a menor das mudanças em seu entorno - a temperatura e a pressão do ar, a salinidade da água congelada - pode desencadear transformações fundamentais. "Boa parte do gelo no mundo está bem perto de uma mudança de fase", diz Joel Harper, professor de ciências geológicas na Universidade de Montana (Estados Unidos). "Não precisa muito para que passe de sólido a líquido." Às vezes, essas mudanças podem ser o produto da vontade interna do gelo. Quando uma geleira, em seu movimento encosta abaixo, encontra um pequeno obstáculo - uma pedra de alguns centímetros de diâmetro -, o gelo simplesmente derrete para passar por cima da pedra e depois volta a se congelar do outro lado. Quando encontra um obstáculo volumoso - um pedregulho do tamanho de uma casa, por exemplo -, o gelo se deforma para que possa passar em volta da pedra, como se fosse um líquido espesso. Anos depois, ainda é possível ver no gelo as marcas dessa mudança.
Esses fenômenos quase nunca são presenciados pelos seres humanos; nas raras ocasiões em que são observados, transformam-se em lendas. Os glaciologistas até hoje falam do momento em 1983 quando pesquisadores no alto da geleira Variegated, no Alasca, observaram o gelo sob seus pés se dissolver em uma rede de pequenos riachinhos no intervalo de alguns minutos. Em 1995, Joel Harper e sua equipe fizeram um buraco na geleira Worthington, no Alasca. Algumas noites depois, eles acordaram com um barulho tão alto quanto o de um avião 747; um lago fora da visão tinha sido drenado sem que ninguém percebesse e então tinha explodido através da perfuração, mandando um jato de água a vários metros de altura no céu.
Os lençóis de gelo são campos de trabalho tão particulares que os glaciologistas precisam inventar suas próprias ferramentas e experiências cada vez que chegam a um deles. Dá para medir a velocidade da geleira ao espalhar pedras escuras no gelo em movimento e acompanhar seu trajeto com equipamento de medição de uma projeção rochosa próxima. É possível examinar o interior das geleiras com o uso de um jato de água quente improvisado (um aquecedor doméstico, uma bomba de pressão e uma mangueira comprida e flexível) que perfura o lençol de gelo em um buraco perfeitamente vertical. Dá para acompanhar a neve que se acumulou de um ano para o outro com uma lata de café, um GPS e um pedaço de arame. Mas descobertas técnicas como essas foram acidentes fortuitos, e forneceram apenas vislumbres parciais ao longo da borda de uma geleira. Ninguém sabia o que o lençol de gelo todo estava fazendo; suas mudanças mais essenciais estavam escondidas embaixo daqueles enormes blocos de gelo, longe do alcance da visão.
Isso começou a mudar em 1978, quando cientistas enviaram um satélite para girar ao redor da Terra e mapear a extensão do gelo na Antártida e na Groenlândia - o que estava congelado e o que era mar aberto. Engenheiros da NASA, trabalhando em uma base de lançamento de foguetes meio desativada em uma ilha de barreira no leste do estado da Virgínia, Estados Unidos, também equiparam um antigo avião naval de patrulha com lasers e GPS para registrar a altura do gelo em certos pontos. Ao mapear o gelo quadro a quadro, e acompanhando as mudanças ao longo dos anos, eles começaram a ver, pela primeira vez, os mecanismos dos lençóis de gelo.
Na medida em que os contornos da mudança climática foram se tornando nítidos, os glaciologistas - um grupinho diminuto de cientistas em um campo há muito negligenciado - de repente se viram fazendo explanações perante o Congresso norte-americano e prestando consultoria à ONU. Alunos de pós-graduação perplexos, fazendo trabalho de campo na Groenlândia, foram convocados para dar explicações in loco a dignitários de visita. As realidades do aquecimento global, que as pessoas começavam a perceber, deixavam evidente que uma das maiores ameaças ao planeta dependia de um campo da ciência de que a maior parte das pessoas nunca tinha ouvido falar. "Com que velocidade os lençóis de gelo vão perder sua massa para dentro do mar?", indaga Peter Clark, professor de ciências geológicas na Universidade Estadual do Oregon (Estados Unidos). "Esta é a pergunta valendo um milhão de dólares."
Em busca de respostas, os cientistas logo voltaram sua atenção para as maiores geleiras, cujas bordas aparentes têm dezenas de metros de espessura e muitos quilômetros de extensão, flutuando na maior parte embaixo d'água. Alguns glaciologistas estavam começando a acreditar que essas prateleiras de gelo atuam como rolhas em garrafas de champanhe, impedindo que imensos rios de gelo atrás de si corram para o mar. Se uma prateleira de gelo fosse removida de algum modo, eles argumentavam, a geleira atrás dela podia deslizar para dentro do oceano com muito mais rapidez, causando muito mais catástrofe do que se imaginava antes. Os dados da geleira na Groenlândia, cada vez mais fina, eram especialmente alarmantes. "Parecia que a rolha estava afrouxando", diz Bob Thomas, que cuidava do programa científico de pesquisa polar da NASA.
Mas a maior parte dos cientistas discordava da teoria da rolha. O modelo em vigor afirmava que, se as prateleiras de gelo fossem removidas, as geleiras atrás delas permaneceriam no lugar, mantidas ali pela fricção entre o gelo e o leito de pedra sobre o qual se acomodavam. A questão era impossível de ser desvendada no campo da abstração, de modo que, durante anos, simplesmente existiu, enquanto hipótese, uma sugestão às margens da ciência. O que faltava era um teste prático: um lugar em que a rolha tivesse sido removida. Os cientistas duvidavam que a natureza algum dia fosse fornecer uma demonstração conclusiva. Então, um dia - em uma demonstração dramática nas partes mais ao sul do planeta -, ela forneceu.
III. AR
A península antártica é uma curva de pedra comprida e fininha, e se estende para o norte na direção da ponta do Chile, como um dedo recurvado que chama na direção do pólo. Em outubro de 2001, quando ainda era primavera na península, um glaciologista argentino chamado Pedro Skvarca estava em cima de uma prateleira de gelo conhecida como Larsen B, fazendo seu trabalho de campo. A pesquisa na Antártida impõe uma forma especial de isolamento: até mesmo no verão, os pesquisadores precisam fazer barreiras de neve em volta das barracas para deter o vento. Os argentinos têm uma base permanente na península, e Skvarca tinha passado mais tempo na Larsen B e a conhecia mais intimamente do que qualquer outro pesquisador.
Ao longo dos anos, em suas visitas à prateleira de gelo, Skvarca tinha observado toda a paisagem mudar. Enormes fendas tinham se formado, fissuras no gelo, sendo que a maior delas podia ser vista dos satélites em órbita na Terra. Skvarca se viu rodeado de água de derretimento, lagoas de água azul reluzente de até 30 metros de diâmetro. Ele mal conseguia trabalhar em segurança: cada vez que armava uma barraca, ela se enchia de água.
As lagoas eram mais numerosas ao norte, onde o clima era mais quente, mas tinham se espalhado por toda a prateleira de gelo. Se Larsen B era uma rolha, então parecia que estava prestes a se soltar. Quando retornou à base na Argentina, Skvarca mandou emails para vários de seus colegas nos Estados Unidos e na Europa. "Acho que vai ser agora", ele escreveu. Os pesquisadores andavam preocupados com essa porção da península havia anos. No decorrer do último meio século, as temperaturas ali saltaram cinco graus, e a velocidade dos ventos aumentou 15%. Os climatologistas acreditam que a quantidade de carbono na atmosfera e o tamanho do buraco de ozônio controlam os ventos como um regulador: quanto mais bagunçamos com o clima, mais rápido os ventos sopram. Na Larsen B, a combinação operou como um forno de convecção, assando o gelo a cada verão, derretendo-o por cima e por baixo. "Quanto mais fortes forem os ventos, mais eles lançam ar quente sobre a península", diz John Turner, líder de projeto para variabilidade e modelos climáticos junto à British Antarctic Survey [Levantamento Antártico Britânico]. "É o último prego na tampa do caixão." Durante a primeira semana de março de 2002, alguns meses depois de Skvarca mandar seu alerta por e-mail, Larsen B ficou escurecida por nuvens durante vários dias; estava tão nublado que os satélites em órbita não eram capazes de obter uma boa imagem da área. Quando as nuvens se abriram, no dia 5 de março, e os satélites conseguiram enxergar mais uma vez, os pesquisadores ficaram olhando descrentes
para as imagens. Quase dois terços da Larsen B, uma prateleira de gelo do tamanho do estado norte-americano de Delaware, tinham desaparecido dentro do mar. As geleiras da península tinham se desarrolhado, alterando o formato do mapa da Antártida em apenas alguns dias. "A rapidez e a maneira tão completa com que a Larsen B se partiu estava além da nossa imaginação", diz Ted Scambos, o pesquisador-chefe do National Snow and Ice Data Center [Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo] em Boulder, no Colorado.
Alguns dias depois, no final de março, um navio de pesquisa britânico navegou até a entrada do porto, ainda muito entupido de icebergs para que fosse possível entrar de fato. Do convés, um grupo de oceanógrafos absorveu a cena: o colapso da Larsen B tinha deixado expostos penhascos de gelo de dezenas de metros de altura, tão azuis e em ângulos tão precisos que pareciam quase sobrenaturais, como se tivessem sido cortados por uma motosserra gigantesca. A força física tinha sido tão intensa que o gelo foi esmigalhado em pedaços tão diminutos quanto cascalho. Baleias cachalote às vezes apareciam naquelas águas, mas os pesquisadores observaram que o mar estava lotado delas, atraídas pela energia que reverberou do colapso, apinhadas em todos os lados para que eles olhavam. Com o desaparecimento de Larsen B, parecia que uma das questões mais antigas da glaciologia talvez estivesse respondida: o que acontece quando se remove uma prateleira de gelo?
Os satélites não funcionam bem no inverno sem luz da Antártida, de modo que foi necessário esperar até a primavera seguinte - final de outubro, início de novembro - para que as fotos aparecessem. Logo os cientistas se apressaram a publicar suas teses a respeito das geleiras atrás de Larsen B. Satélites que examinavam uma das principais afluentes da prateleira de gelo, a geleira Crane, mostravam que não apenas a borda da geleira tinha começado a correr em alta velocidade na direção do oceano como também a aceleração estava acontecendo em pontos muito mais distantes continente adentro do que se esperava. Ainda mais notável, a geleira Hektoria, o maior rio que manda gelo para a Larsen B, tinha diminuído cerca de 25 metros na altura em apenas seis meses. A principal borda da geleira tinha deslizado para dentro do mar; o gelo liso tinha se decomposto em fragmentos esmigalhados e fendidos, como caramelo puxa-puxa.
"O que podemos ver nas geleiras Hektoria e Crane é que as prateleiras de gelo de fato têm enorme impacto sobre o gelo que se encontra atrás dela", diz Ted Scambos, que chefiou uma das duas equipes científicas que analisaram os dados. "Elas são o calcanhar de Aquiles do lençol de gelo." A natureza, como os glaciologistas dizem, tinha fornecido a experiência perfeita em Larsen B e colocado fim no debate: remova as prateleiras de gelo que as geleiras atrás delas saem correndo para o mar.
Ainda assim, os cientistas não estavam muito preocupados com o fato de as geleiras atrás das maiores prateleiras de gelo dispararem na direção do mar. Larsen B tinha sido removida pelo aquecimento contínuo da atmosfera aquecida, processo quase impossível de imaginar mais ao sul, onde as temperaturas do ar nunca passam do ponto de congelamento. Assim, a Antártida estava a salvo. Ou pelo menos estaria enquanto a natureza, em evolução, não encontrasse outro modo de remover as prateleiras de gelo restantes.
IV. OCEANO
Não é necessário passar muito tempo na companhia de glaciologistas para observar uma divisão de gerações marcante. Os pesquisadores mais velhos sempre pensaram em gelo: onde ele se forma, como se movimenta, suas propriedades fundamentais e sua mecânica subliminar. Os mais jovens são treinados para pensar em termos de clima. E quando se pensa em clima, tudo é levado em consideração.
David Holland, diretor do Center for Atmosphere Ocean Science [Centro para Ciência Atmosférica Oceânica] da Universidade de Nova York (EUA), encaixa-se com firmeza no lado moderno dessa divisa. Holland começou como acadêmico, construindo modelos matemáticos dos movimentos dos oceanos, mas lentamente, com o passar do tempo, viu-se atraído pelo ritmo do trabalho de campo - a aventura e o desafio de engenharia. Em 2006, ele recebeu um telefonema de Bob Thomas, responsável pela divisão de ciência polar da NASA. Thomas estava se sentindo incomodado com alguma coisa na geleira Jakobshavn, na Groenlândia. Desde que os pesquisadores tinham registrado sua aceleração, todo mundo achava que era por causa do clima mais quente, que tinha feito derreter lagoas de água em cima do lençol de gelo. Essa água de derretimento, de acordo com a teoria, tinha escorrido para o fundo o gelo e erguido a geleira de seu leito rochoso, fazendo com que ela corresse para o mar, tão escorregadia e determinada quanto uma serpente.
Mas Thomas, que tinha passado quase uma década estudando Jakobshavn, tinha reparado em outra coisa. A geleira não tinha apenas se acelerado. Sua borda, que fica na água, a língua de gelo flutuante, tinha afinado de maneira absurda. Na época, o afinamento de uns poucos metros por ano era considerado notável. Jakobshavn estava afinando mais de 75 metros por ano. Só a água de derretimento não podia ser responsável por tanto afinamento. Algo mais devia estar ajudando no derretimento da geleira. Thomas observou que a diferença da borda para o resto da geleira era que ela se encontrava por cima do mar. E se a principal mudança não tivesse acontecido no topo do lençol de gelo, mas sim em sua parte inferior? E se o problema maior não fosse o ar quente que atacava o lençol de gelo do alto, mas o mar que o engolia por baixo?
Os satélites da NASA não são capazes de penetrar a água salgada, de modo que Thomas não era capaz de ver o que estava acontecendo embaixo da geleira. Ele perguntou a Holland se havia alguma maneira de entrar no fiorde polar nas proximidades da baía de Disko, onde se encontrava a língua cada vez mais fina da Jakobshavn, para medir a água ali e ver se algo tinha mudado.
Holland e Thomas discutiram o problema a fundo. Mesmo no verão, o fiorde fica entupido demais de icebergs para um navio conseguir entrar. Holland então teve uma ideia: em Ilulissat, uma cidadezinha próxima, ele alugou um helicóptero e fez com que o piloto sobrevoasse o fiorde, descendo o suficiente para fazer um buraco no gelo com o vento criado pelas hélices em movimento. Então, quando o helicóptero pairava 150 metros acima da água, Holland se inclinou para fora pelo lado e soltou uma pequena sonda de metal, do tamanho de uma lata de refrigerante. Ele errou o alvo do buraco algumas vezes e a sonda ficou presa ao gelo da superfície com seu pequeno paraquedas esvoaçando ao vento. Mas quando ele conseguiu lançar a sonda na água, ela soltou um transmissor de rádio FM na superfície antes de afundar para o fundo do fiorde, enviando informações sobre temperatura, salinidade e profundidade durante a descida. Holland recebia os dados instantaneamente em seu laptop. Ele sabia que, na maior parte da Groenlândia, a temperatura da água era de cerca de 1,50 C. Mas, em todos os pontos examinados no fiorde, a temperatura era de 3,270 C. "Para uma geleira", Holland diz, "isso é absolutamente intolerável."
O que há de inesperado a respeito dos mares é que seus movimentos são tão regulares e fixos quanto os de linhas de metrô. A física da atmosfera conspira para organizar a água em faixas gigantescas chamadas correntes - cada uma delas com dezenas de metros de profundidade e milhares de quilômetros de extensão -, que compartilham a mesma temperatura e salinidade. Assim como as linhas de metrô, as correntes oceânicas podem passar por cima ou por baixo umas das outras, mas a água dentro delas raramente se mistura. Quando uma boia na Groenlândia detecta que a água que passa é levemente mais salgada e um pouco mais quente do que tem sido há décadas, não significa apenas que uma água diferente entrou na baía, mas sim que algo mais fundamental mudou: uma linha de metrô inteira se moveu. Se Holland estivesse certo - se o mar fosse o responsável pelo derretimento de Jakobshavn - então a ameaça se estendia para muito além da baía de Disko. Ar quente sozinho jamais derreteria a Antártida. Mas se água mais quente tinha conseguido encontrar um jeito de entrar na Groenlândia e destruir as prateleiras de gelo, a mesma coisa poderia acontecer na Antártida, que concentra a maior quantidade de gelo do mundo.
Quando Holland voltou da Groenlândia no final do verão, ele e alguns colegas construíram um modelo computadorizado para tentar prever quanto gelo a água mais quente da baía de Disko seria capaz de derreter. Em cada experimento, o modelo produzia taxas de derretimento de mais de 75 metros por ano - a mesma extensão de derretimento que Thomas tinha observado por satélite. "Então ficamos sabendo que era o mar que estava acabando com o gelo", diz. "A questão passou a ser: o que está deixando o mar mais quente?" Naquele inverno, por e-mail e telefone, Holland e alguns outros cientistas tentaram levantar todos os dados possíveis em relação às águas ao redor da baía de Disko. Quando Holland e Mads Ribergaard, um oceanógrafo dinamarquês, juntaram os dados, notaram que as temperaturas na boca da baía de Disko eram constantes, em cerca de 1,50C. Então, em 1997, a temperatura saltou para 3,270C e assim ficou. No verão seguinte, a aceleração na Jakobshavn tinha começado. "Ver um gráfico assim é muito raro na ciência oceânica", diz Holland.
Holland examinou o conjunto de dados com mais atenção. Dava para ver nos registros que o pulso de água quente tinha ganhado o norte durante o verão de 1996. Ele sabia que era uma ramificação da corrente do Golfo chamada corrente Irminger - água muito quente e muito pesada que geralmente retornava ao Atlântico Norte muito ao sul da baía de Disko. Mas, em 1997, alguma coisa tinha mudado: em vez de voltar, o pulso de água quente tinha se esgueirado pela prateleira da Groenlândia, cada vez mais para o norte. Em outros lugares, nos dados dos pescadores, dava para ver referências oblíquas a este pulso: uma espécie de bacalhau, que prefere água mais quente, começou a aparecer em números sem precedentes no litoral, e uma outra espécie, que prefere o frio, estava recuando. Algo tinha mudado na corrente Irminger.
Existe um conjunto internacional de dados sobre o clima que vem se acumulando há 50 anos, composto de padrões de vento levantados por navios que atravessam o oceano de um lado para o outro e balões meteorológicos lançados em aeroportos. Pesquisadores submeteram esses dados a análises rigorosas, alimentando computadores imensos com eles para construir um modelo do campo de vento da terra ao longo do tempo. Esse modelo fornece um registro da oscilação do Atlântico Norte, um elemento misterioso do clima que governa a força dos ventos que sopram por lá, do oeste para o leste: durante mais ou menos dez anos, esses ventos sopram fortes, e então, no decurso de um mês, eles inexplicavelmente se tornam fracos e podem ficar assim por mais uma década.
Holland só precisou examinar o material durante alguns minutos para encontrar o que estava procurando. Em dezembro de 1995, a oscilação mudou, e os ventos de repente passaram de fortes para fracos. No verão seguinte, a corrente Irminger chegou tão ao norte que estava quase nos limites da baía de Disko. No verão depois desse, o gelo de Jakobshavn corria para o mar. "Está tudo aqui", Holland diz. "É assim que funciona. A atmosfera controla o oceano. O oceano controla o gelo. Dá para ver bem na frente do nariz."
Em uma tarde há pouco tempo, Holland estava em seu escritório na Universidade de Nova York, que dá vista para o Washington Square Park. Ele tinha acabado de voltar de um mês na Antártida, para onde tinha ido com planos de instalar uma estação meteorológica e alguns aparelhos de GPS na geleira da ilha Pine, um dos maiores rios de gelo do continente, que já se movia com rapidez por sua bacia e afinava nas bordas. A viagem tinha sido decepcionante. A Antártida é sinônimo de operação logística complicada, conduzida pela National Science Foundation [Fundação Nacional de Ciência - Estados Unidos] e pelas forças militares norteamericanas, e Holland passou um dia após o outro esperando em um campo de pouso, esperando um voo até a borda da geleira. Em um dia, os aviões não podiam voar por causa das tempestades. Em outro, uma bomba de combustível quebrou e foi necessário ficar esperando até peças novas chegarem. Daí os pilotos precisaram tirar um dia de folga. Depois de um mês de espera, Holland acabou passando apenas quatro horas na geleira da ilha Pine.
A experiência fez com que ele se sensibilizasse em relação aos limites da exploração polar. Do modo como ele vê as coisas, os mares em si resistem a descrições claras de causa e efeito, e algumas das questões mais essenciais permanecem trancadas em caixas pretas: com que rapidez o vento sopra nos mares que rodeiam a Antártida? Como as correntes oceânicas vão reagir às mudanças climáticas? Não sabemos as respostas, porque as iniciativas para descobrir não são suficientes - um número excessivo de pontos críticos na Antártida nem chegou a ser mapeado. Na opinião de Holland, se o problema fosse levado a sério, a ciência não sofreria atraso de um ano porque um avião na Antártida estava com a bomba de combustível quebrada.
"Deixe-me mostrar uma coisa", Holland diz. Ele está com o Google Earth na tela do computador, e gira as imagens de satélite de modo a olharmos para um recorte minúsculo no litoral da Antártida. "Isto aqui se chama prateleira de gelo Sulzberger, em homenagem ao editor do New York Times", ele explica. "Sabemos que aqui tem água quente, quente o suficiente para matar uma prateleira de gelo." Ele passa a ponta do dedo pela tela, para a direita. "A 50 quilômetros de distância fica a prateleira de gelo Ross - a maior do mundo", ele diz. Se fosse para dentro do mar, a Ross soltaria gelo suficiente para alterar o mapa do globo.
Há duas possibilidades para a prateleira Sulzberger, de acordo com Holland. "Ou a água quente fica onde está", ele diz, "ou a água quente se movimenta. Pode-se dizer: 'A água quente está lá há muito tempo, e ainda não se aproximou, então é improvável que isto aconteça'. Por outro lado, estamos mudando a circulação do oceano de maneiras que não compreendemos, e com consequências para as quais não estamos preparados." A característica única da Antártida, ele ressalta, é o fato de boa parte do gelo estar apoiado sobre um leito rochoso que sempre esteve abaixo do nível do mar. "A questão é se o oceano vai ou não querer seu território de volta", ele diz.
V. LITORAL
Em 1981, um glaciologista da universidade de Maine chamado Terry Hughes publicou uma tese afirmando que se as mudanças climáticas fossem causar a desintegração da Antártida a destruição começaria no mar de Amundsen, por meio da liberação da maior geleira que desaguava nele, a geleira da ilha Pine. Ele calculou que aquele era o lugar.
Durante mais de uma década, a ilha Pine esteve se acelerando; agora corria em alta velocidade em direção ao mar: 4,2 quilômetros por ano, 11,6 metros por dia, mais de 30 centímetros por hora, dez vezes a taxa das outras grandes geleiras da Antártida. Por causa dessas velocidades, a Pine é a primeira das grandes geleiras da Antártida a começar a desaparecer. E assim, lentamente, os glaciologistas começaram a voltar sua atenção para lá, para buscar, na ilha de Pine, pistas de quanto o continente gelado pode estar em risco.
O derretimento acelerado na Antártida foi descoberto há tão pouco tempo e sua trajetória continua sendo tão difícil de discernir que as estimativas de aumento do nível do mar ainda têm uma ampla lacuna entre as melhores e as piores possibilidades. Algumas previsões conservadoras sugerem que os mares do mundo vão subir 60 centímetros até 2100. Mas se a geleira da ilha Pine escorrer completamente, isso sozinho fará com que os mares subam mais quase 23 centímetros. As estimativas que incluem outras geleiras vulneráveis na Antártida colocam o total da elevação do nível do mar em mais de 1,8 metro. A ilha Pine é o pivô, o ponto em que as previsões divergem em melhor e pior, e o futuro aparece em um relevo mais claro.
Cada seção geográfica do oceano é dividida em cinturões, tipos de água diferentes sobrepostos em camadas, organizados pela gravidade. No mar de Amundsen, a água mais rasa é muito fria; uma parte dela, recémderretida do lençol de gelo, é quase tão fresca quanto água de riacho. Mas as águas mais profundas, a mais de 550 metros abaixo da superfície, são mais salgadas e mais quentes. Bindschadler diz que essa água - em alguns pontos cerca de 30C acima do ponto de congelamento - é o que "está matando o lençol de gelo".
Alguns pesquisadores acreditam que a geleira da ilha Pine vem afinando há 50 anos; a única coisa que se sabe com certeza é que ela vem ficando mais fina há pelo menos 15 anos. "Nós sabíamos que o gelo estava afinando, e sabíamos que a água do mar na frente dela era quente", diz Adrian Jenkins, da British Antarctic Survey. "Mas a cavidade oceânica embaixo do gelo era uma caixa preta, e para compreender o que vai acontecer com a geleira, e o que vai acontecer com o nível do mar, era necessário que alguém olhasse lá dentro."
Poucos pesquisadores conseguiram de fato entrar na baía da ilha Pine: uma parte tão grande da água permanece congelada de um ano ao outro que é necessário um verão quente de sorte para que o mar seja navegável. Mas Jenkins foi até lá há dois verões, em uma embarcação quebra-gelo norte-americana. Ele levou consigo um submarino de controle remoto em forma de torpedo chamado Autosub e, a quase cinco quilômetros da borda da geleira, colocou-o com cuidado no mar frio. O submarino mergulhou e começou a se dirigir para a geleira e logo perdeu o contato com Jenkins e sua equipe. Trinta horas depois, ouviram uma série de bipes nos receptores - o Autosub tinha completado seu circuito. A equipe de Jenkins enviou um sinal com o comando para que o equipamento retornasse à superfície. Alguns minutos tensos depois, o submarino chegou à superfície como se fosse uma baleia minúscula e escorregadia e a equipe o trouxe para cima da embarcação.
Quando Jenkins fez o download dos dados do fundo do mar, descobriu algo surpreendente. Os pesquisadores achavam que o gelo do lado de baixo da geleira da ilha Pine estava ancorado em uma crista próxima à boca da baía. Mas o Autosub tinha penetrado quase 50 quilômetros terra adentro, examinando a base da geleira. O gelo não estava ancorado na crista coisa nenhuma; a geleira tinha se soltado e estava flutuando. Isso significava que a água quente da baía não batia apenas na borda da prateleira de gelo, mas sim que atacava as partes baixas da geleira. Além disso, Jenkins descobriu que a água embaixo do lençol de gelo era quente demais para estar ali havia anos - devia ser o resultado de correntes mais quentes do norte que entravam na baía vez após outra. "Não era possível que fosse uma entrada única de água quente na prateleira continental", Jenkins explica. "Acreditamos que o processo se repita com regularidade."
Nos últimos anos, os cientistas começaram a ficar preocupados com o fato de que as geleiras do mundo podem ter entrado no que chamam de "modo fugitivo", em que as mudanças acentuadas na água, no vento e no gelo, causadas pelo aquecimento global, não só se aceleraram como começaram a alterar o clima por si sós, criando uma dinâmica que pode ser irreversível. Tanto a Antártida quanto a Groenlândia hoje perdem gelo com o dobro da velocidade registrada em 2002 - mais de 360 bilhões de toneladas por ano. Em julho, depois dos seis meses mais quentes já registrados no planeta, uma rachadura gigante se abriu de um dia para o outro na geleira de Jakobshavn; pela primeira vez na história, os pesquisadores que monitoram os dados de satélite puderam observar em tempo real um iceberg de sete quilômetros quadrados se desprender e sair flutuando pelo mar. Três semanas depois, um iceberg ainda maior - com cerca de 240 km2 - se desprendeu de outra geleira ao norte de Jakobshavn, surpreendendo os pesquisadores que estudam os lençóis de gelo. "O que está acontecendo no Ártico agora", diz Richard Alley, pesquisador especializado em geologia da universidade Penn State, "é a maior e mais rápida ação que a natureza já fez."
Os pesquisadores dizem que os oceanos têm memória comprida. A água reflete as reações de lenta propagação a acontecimentos que se deram um mês, um ano ou um século antes. Um terremoto no Ártico. Um ciclone na baía de Bengala. Um verão com um El Niño especialmente forte, uma década e meia antes. Nem todas essas memórias são conhecidas, e sua física não está perfeitamente mapeada, de modo que os movimentos dos oceanos não são muito bem compreendidos. "O lençol de gelo realmente é só a ponta da questão", diz Bindschadler. Ainda existe a possibilidade de que a diminuição das emissões de carbono possa, em longo prazo, impedir que mais água quente chegue ao mar de Amundsen, onde está fazendo derreter as prateleiras de gelo. Se o sistema atmosférico realmente tiver regulagens, em outras palavras, então talvez possam ser colocadas em ajustes mais confortáveis. "Talvez essa seja a nossa salvação", diz Bindschadler. Mas mesmo que as emissões sejam reduzidas, ele avisa, não há como reverter o calor que já está no oceano derretendo o gelo.
"Se examinarmos as mudanças dramáticas, a água é responsável por tudo", ele diz. "A vulnerabilidade dos lençóis de gelo ao calor do oceano é a chave de tudo isso. E existem ordens de magnitude de calor mais do que suficientes para matar o lençol de gelo, na escala de tempo não-definida que o oceano e atmosfera conspirarem para entregar esse calor. Não tem só a ver com aquecimento subsequente ou com aquecimento futuro dos oceanos. Não é necessário esquentar mais o oceano, de jeito nenhum. A vulnerabilidade realmente vem das mudanças climáticas que alteram a circulação atmosférica e quanto dela vai alterar a circulação oceânica. Os lençóis de gelo não têm defesas contra a água quente. Eles realmente não têm a menor chance."
No final de 2009, Bindschadler fez uma viagem pela costa norte-americana do Atlântico, fazendo paradas em diversos locais em que a terra se inclinava levemente para o mar - os lugares mais vulneráveis à elevação do nível do mar. Ele queria explicar aos representantes do governo locais a dimensão da ameaça que eles tinham pela frente, e esclarecer, da maneira mais fácil de entender possível, o que a ciência podia ou não dizer sobre as inundações que iriam se seguir. Em Norfolk, no estado da Virgínia, apenas um ou dois urbanistas se deram ao trabalho de aparecer, e ele falou perante uma sala cheia de ambientalistas e acadêmicos preocupados. Na frente daquela gente, ele só estava chovendo no molhado.
Mas quando chegou a Wilmington, na Carolina do Norte, Bindschadler se viu em uma sala pequena na prefeitura, equipado com sua apresentação em PowerPoint, explicando o estado das coisas para um grupo de bom tamanho de urbanistas e políticos. Explicaram a ele que estavam planejando construir uma extensão de rodovia que iria serpentear ao longo da costa, perto das margens do rio Cape Fear, e o traçado previa que chegaria bem perto da beira d'água - 30 centímetros acima do nível do mar em alguns pontos, 60 centímetros em outros. A pergunta deles era simples: as mudanças climáticas significavam que eles deviam mudar o lugar da estrada?
Bindschadler examinou os mapas - os números da elevação da pista, o traçado proposto para a estrada. Ele imaginou que o nível do mar ali aumentaria de maneira progressiva. Com base nos dados científicos, ele era capaz de imaginar o que poderia acontecer ali dali a 20 anos, 100 anos, 200 anos. Ergueu os olhos dos mapas e se voltou para os representantes do governo.
"Bom, depende de quanto tempo vocês querem que a estrada dure."
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