Guilherme Fontes encerra um capítulo da história da cultura brasileira com o lançamento de Chatô - MARCIO FREITAS/DIVULGAÇÃO

Guilherme Fontes

Com 20 anos de atraso, ator surpreende com Chatô, o Rei do Brasil, um filme sofisticado e autoral

Carlos Sartori Publicado em 27/12/2015, às 09h13

Guilherme Fontes está radiante, com um sorriso de quem venceu uma longa e árdua batalha. Com mais de 30 anos de carreira, 24 novelas e quatro filmes no currículo de ator, ele acaba de entrar para a história do cinema nacional. Após quase 20 anos de produção, o filme Chatô, o Rei do Brasil enfim estreou, em novembro – e está impressionando a quem o assiste. O momento é de redenção. O agora diretor passou as últimas duas décadas sendo taxado de picareta, sonegador e mau gestor por ter usado dinheiro público para produzir um longa que nunca tinha sido finalizado. Em conversa logo após a pré-estreia, ele afirma que perdeu quase tudo que juntou na vida por acreditar nesse sonho.

As pessoas saíram felizes da exibição. Como tem reagido a essa recepção?

É meio chavão, mas a sensação é de dever cumprido. A minha responsabilidade era com o elenco e com o público. Como eu poderia entregar alguma coisa de qualquer jeito? Para o governo, para o Brasil, as coisas [feitas] de qualquer jeito servem. Para mim, não. Meu momento é de uma espécie de livramento.

No final do filme entra um texto, em tom de desabafo, falando da censura que você sofreu por 20 anos. Você foi censurado? Por quem?

Sim. [Fui] muito, muito intimidado. A imprensa usava termos de acusação que não existiam no processo. Desvio de verba é uma expressão que não estava nem nos meus processos. As coisas foram sendo construídas deliberadamente pela imprensa e eu acabei virando personagem principal, vitimado pelo meu próprio filme.

A sua história acaba se parecendo um pouco com a da ficção criada para o personagem do Assis Chateaubriand. Você ficou deslumbrado, se sentiu meio Chatô, meio visionário?

A atitude dele é admirável, é essa [atitude que] tem de ser seguida. O Brasil precisa de gente mais corajosa, menos bandida.

Suas escolhas estéticas têm sido elogiadas. Você considera esse filme um divisor de águas do cinema nacional?

Eu gosto de abraçar a câmera e fazer o plano. Isso causa uma certa dificuldade no set com fotografia, mas tem que ser feito diferente, a mesmice é uma praga. É um dos vírus mais insuportáveis numa sociedade. E a gente vive uma mesmice, às vezes, né? Então eu queria sair um pouco desse lugar-comum.

Qual foi seu grande aprendizado sobre o Brasil nestes 20 anos?

Tem que tomar muito cuidado quando você confiar no Brasil e assinar um contrato com ele, porque ele trai. Os políticos são voláteis, são corruptos, são difíceis. Isso acaba estragando tudo, viciando os negócios no Brasil.

Você começou a rodar o filme aos 28 anos. Se fosse começar hoje, aos 48, faria tudo diferente?

Jamais teria começado sem o dinheiro inteiro. Esse é um vício do cinema brasileiro, do sistema, de permitir que as pessoas comecem com 60% do dinheiro. Isso é um erro, um crime. Brasileiro adora dizer “ah, meu filme está na lata, ufa!” Como se fosse alguma coisa, né? Então, eu não teria feito nada absolutamente diferente, teria seguido esse caminho, apenas não teria começado nada, nem começaria nada de novo, sem a grana toda.

O autor do livro Chatô, o Rei do Brasil, o jornalista e escritor Fernando Morais, é de Mariana. Ele disse que você vai exibir o filme na cidade, doar o dinheiro. Como você analisa essa tragédia?

O que aconteceu ali, gente? Que loucura! Eles conseguiram com uma tacada só, em um dia, destruir dezenas de vidas. Não é só a vida do rio. É a vida das pessoas, acabou. Você imagina estar na sua casa, vem um mar de lama e acaba com toda a sua vida? A empresa [Samarco] matou o Rio Doce. Isso é cruel, monstruoso.

O que vem por aí? Dirigir filmes, fazer novelas?

Eu vou continuar dirigindo filmes, fazendo projetos. Eu tenho uns quatro na cabeça. Quero falar sobre religião, a obtenção da graça, que é a prerrogativa dos evangélicos. Quero falar sobre surfe, porque eu sempre quis ser surfista, mas tenho um pouco de medo de água. E penso em uma série sobre as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora].

Sua página no Facebook está repleta de comentários de mulheres. Chegando aos 50, essa coisa de ser galã ainda mexe com você? Será que ajudará a levar mais público?

[Risos] Deus te ouça! Pena que elas não vão me encontrar. E, no filme [Fontes faz uma ponta], não vão me reconhecer.

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