Jay-Z - 4:44 - abre - Reprodução

4:44: Um guia faixa-a-faixa do 13º disco de Jay-Z

Observações sobre samples, participações e versos notáveis no álbum do MC veterano

Rolling Stone EUA/Redação Publicado em 30/06/2017, às 14h32 - Atualizado às 17h49

O veterano Jay-Z lançou o 13º álbum dele pelo Tidal, o serviço de streaming do qual ele é dono. No disco, com produção de No I.D., Jay-Z assume um posicionamento pró-negro, endereça conflitos geracionais no hip-hop e fala sobre os problemas no casamento depois de muitos interpretarem versos de Lemonade (2016), LP da esposa dele, Beyoncé, como alusões a um episódio de traição.



A seguir, veja um guia faixa a faixa de 4:44.


1 – “Kill Jay Z”

Antes do lançamento de 4:44, fãs de hífen em todas as partes celebraram o retorno de “Jay-Z”, o nome que Sean Carter usou entre 1997 e 2013, quando ele tirou o hífen e virou “Jay Z”. O fato de a primeira nova música do renovado Jay-Z se chamar “Kill Jay Z”, sem hífen, provavelmente representa que o rapper está matando a versão dele dos últimos quatro anos, o Jay-Z que inspirou músicas de traição em Lemonade (2016), da Beyoncé. “É sobre ego”, disse ele em entrevista à iHeart Radio. “É sobre matar o ego, daí podemos ter uma conversa em um lugar de honestidade e vulnerabilidade.”



“Kill Jay Z” traz samples do hit de soft-rock “Don't Let It Show”, lançado em 1977 pelo Alan Parson Project, com a voz de Dave Townsend repetindo as palavras “They say I'm to blame” durante a faixa. Em um verso longo e ininterrupto, Jay-Z comenta um dos mais significativos conflitos da vida dele (eternizado na faixa “You Must Love Me”, de 1997), mencionando o incidente em que ele atirou no próprio irmão na infância.



Mas há ainda outras particularidades na faixa. “You dropped outta school, you lost your principles”, Jay-Z começa de maneira subliminar a endereçar The College Dropout, o primeiro disco de Kanye West, que falou mal de Jay durante um show em novembro de 2016. “You gave him 20 million without thinkin'”, canta o rapper, supostamente confirmando o rumor de que ele emprestou uma grande quantidade de dinheiro a West anos atrás. “He gave you 20 minutes on stage, fuck was he thinkin'?”.


2 – “The Story of O.J.”

Jay-Z e o produtor executivo No. I.D. estabelecem as bases sonoras de 4:44 na segunda faixa. Este é o primeiro de muitos beats construídos em torno de um loop, remetendo à primeira parte da carreira de Jay-Z, quando o trabalho dele era um bastião do boom-bap. Em “The Story of O.J.”, um baixo puxa algumas notas e depois um piano entra compondo a melodia.



Pedaços da voz de Nina Simone em “Four Women” encontram as rimas controversas de Jay-Z. Na música de Nina, de 1966, ela famosamente narrou o conto de quatro mulheres negras diferentes, todas batalhando contra os efeitos do racismo intrínseco da sociedade norte-americana. Jay-Z usa um conceito similar. “Light nigga, dark nigga, faux nigga, real nigga”, ele canta, antes de fazer uma asserção à unidade dessas fracções: “Still nigga”. Jay ainda parece comentar a famosa declaração de O.J. Simpson sobre não ser capaz de escapar da própria cor da pele. “O.J. like, ‘I'm not black, I'm O.J.’”, ele nota, antes de responder de maneira evasiva com um “OK.”


3 – “Smile” com Gloria Carter

Os versos de abertura de “Love's in Need of Love Today”, de Stevie Wonder – que No I.D. subsequentemente corta, repete e coloca sobre uma batida digital –, dá o tom familiar para Jay-Z lembrar de sua mãe. “Mama had four kids, she's a lesbian/Had to pretend so long she's a thespian”, ele revela. “Cried tears of joy when she fell in love/ Doesn't matter to me if it's a him or her.”



Cada verso mostra como ele fez para transformar dor em triunfo durante a vida. Observações como “that boy/Anita Baker's 'You Bring Me Joy' slapping out of the toy” soam mais celebrativas do que arrogantes. Ele então nos lembra de que, sim, ele possui o serviço de streaming no qual o disco foi lançado. “Respect Jimmy Iovine”, ele diz sobre o concorrente do Beats 1. “But he gotta respect the Elohim/It's a whole different regime”. Mais do que uma picuinha, é um chamado para os fãs dele apoiarem o empreendedorismo negro – o mesmo pensamento que levou Prince a ceder os direitos dele exclusivamente ao Tidal antes de morrer.



Por fim, Jay-Z reproduz um poema recitado pela mãe dele. Ela diz: “Living in the shadow/Can you imagine what kind of life it is to live?”.


4 – “Caught Their Eyes” com Frank Ocean

Apesar de No I.D. ter produzido todas as faixas de 4:44, “Caught Their Eyes” é uma das cinco músicas com um crédito de “coproduzida por Jay-Z”. Historicamente, isso significava que Jay sugeriu um sample para o beatmaker, como quando ele deu a 9th Wonder o loop de R. Kelly usado em “Threat”, de 2003.



O material de fonte que Jay provavelmente sugeriu para “Caught Their Eyes” é o segundo sample de Nina Simone do álbum: a cover dela de 1978 para “Baltimore”, de Randy Newman (previamente sampleada por The Game e diversos MCs de Baltimore, como Mullyman e Jade Fox). “Their eyes”, canta Nina, com Frank Ocean finalizando a frase com “...still stinging with tears.”



No último ano de vida de Prince, ele ficou amigo de Jay-Z, enaltecendo publicamente o Tidal como uma companhia boa para os artistas e dando à plataforma os direitos exclusivos de streaming do catálogo dele. Desde a morte de Prince, contudo, advogados e integrantes de família que herdaram o espólio do lendário artista levaram os álbuns aos outros serviços de streaming. Jay critica um dos antigos advogados de Prince, Londell McMillan, pelo nome em “Caught Their Eyes”, dizendo: “You greedy bastards sold tickets to walk through his house/I'm surprised you ain't auction off the casket.”


5 – “4:44”

Na faixa-título de 4:44, Jay-Z pede desculpas a Beyoncé pelas infidelidades e falácias dele enquanto marido no passado. “And if my children knew/ I don't even know what I would do/ If they ain't look at me the same/ I would probably die with all the shame”, ele diz no verso final. “You did what with who?'/ What good is a ménage à trois when you have a soulmate?/ 'You risked that for Blue?'.”



Em outro momento da faixa – uma espécie de resposta de Jay-Z ao disco extremamente pessoal de Beyoncé, Lemonade, de 2016, na qual ele repete diversas vezes a frase “I apologize” –, o rapper se desculpa por ter se casado com ela antes de estar pronto para um comprometimento, roubando ela de sua “inocência” e não estando lá nos momentos cruciais do relacionamento dos dois.



À iHeartRadio, Jay-Z falou sobre a faixa-título. “‘4:44’ é uma música que eu escrevi, e é o ponto crucial do disco, bem na metade do álbum. E eu acordei, literalmente às 4h44 da manhã, para escrever essa música. Então ela se tornou o título do disco e tudo mais. É a faixa-título porque é uma música muito poderosa, e eu acredito que seja uma das melhores músicas que eu já escrevi.”



Do mesmo jeito que em “The Story of O.J.”, No I.D. provê Jay-Z com um loop básico de soul e deixa o sample rolar. Neste caso, o produtor pega uma nova faixa retrô, “Late Nights and Heartbreak”, de Hannah Williams and the Affirmations, que é um conto sobre um conflito romântico e adultério (a música é pouquíssimo conhecida; ela saiu em 2016 e, quando 4:44 foi lançado, acumulava menos de 7,5 mil plays no Spotify). Vocais adicionais vêm como cortesia da cantora gospel Kim Burrell.


6 – “Family Feud”

Quando Jay-Z falou à iHeartRadio, ele deu uma explicação relativamente concisa para “Family Feud”. “‘Family Feud’ é sobre separação dentro da cultura. Como novos rappers brigando com rappers mais velhos”, ele disse. A resposta é ecoada na primeira estrofe, com versos como “All this old talk left me confused/You rather be 'old rich me' or 'new you'/And old niggas, y'all stop acting brand new/Like 2Pac ain't have a nose ring, too.”



Mas os versos que elucidam o maior falatório até então parecem confirmar as acusações de Beyoncé de ter sido traído por “Becky”, em Lemonade (2016). Ele usa a recusa espiritual de Michael Corleone em O Poderoso Chefão II (1974) como metáfora para o descaso dele mesmo, e observa que ele não tinha as “ferramentas” corretas, porque não teve uma figura masculina durante a infância.



No I.D. usa um sample vocal de “Ha Ya”, das ícones gospel Clark Sisters e depois Beyoncé interpola o sample em tempo real. A entrada dela acontece quando Jay-Z rima: “What's better than one billionaire? Two/Especially if they from the same hue as you.”


7 – “Bam” com Damian Marley

4:44 não foi precedido por um single e o burburinho adiantado do álbum presumia que este disco, majoritariamente pessoal, não seria um trabalho particularmente compatível com as rádios. Mas “Bam”, que tende ao reggae, surge como uma possível favorita dos fãs, uma música celebratória na qual Jay grita: “Hov!” em uma cadência reminiscente de “Public Service Announcement”, do The Black Album.



“Bam” conta com samples da clássica faixa dancehall “Bam Bam” (1982), de Sister Nancy, que Kanye West já utilizou no single “Famous”, do ano passado. Mentor de West, No I.D. dá uma abordagem completamente diferente ao mesmo sample, usando-o com uma seção de metais, guitarra e teclado de Steve Wyreman, colaborador dele no Cocaine 80s.



Jay-Z já citou o finado amigo Notorious B.I.G. em tantas canções que ele até já rimou sobre defender a prática de citar letras de Biggie. Mas quando ele diz “Y'all be talkin' crazy under them IG pictures, so when you get to hell tell 'em Blanco sent you”, Jay-Z não está apenas fazendo referência aos versos de Biggie em “Niggas Bleed”. Ele também está se referindo ao usuário do Instagram tellemblancosentya, que posta fotos vintage de Jay-Z quando jovem e outros rappers dos anos 1990.


8 – “Moonlight”

Jay-Z mira – sem dar nomes – nos rapper “concorrentes” em “Moonlight”. Ele fala sobre falsos durões diversas vezes: “Look, I know killers – you no killer”; “I don't post no threats on the Internet/I just pose a threat”; “Please don't talk about guns that you ain't never gon' use”. A qualidade dos outros rappers é menos preocupante para ele, mas em um quesito ele vai fundo: “Stop walkin' 'round like y'all made Thriller”. Jay atira flechas em um tom entediado, como se mal pudesse manter um interesse nos artistas dos quais fala.



A batida de “Moonlight”, por No I.D., é de certa forma uma exceção em 4:44: em vez de construir a melodia em torno de um sample clássico de soul, gospel ou reggae (ou uma aproximação moderna de algo do tipo), ele brinca com o single “Fu-Gee-La” (1995), do Fugees. Unindo meio e mensagem, Jay-Z também faz uma alusão à ex-integrante do Fugees, Lauryn Hill, na letra: “Y'all niggas still signin' deals?/After all they done stole, for real?/After what they done to our Lauryn Hill?”.



O título e o refrão da música se referem ao erro do Oscar de Melhor Filme deste ano: “We stuck in La La Land/Even if we win, we gonna lose”. “É, na realidade, um comentário sobre a cultura e sobre onde estamos indo”, disse Jay-Z à iHeartRadio.


9 – “Marcy Me”

Esta faixa é uma das produções mais complexas de No I.D. em 4:44. Ele acelera, coloca em loop e filtra um segmento centrado no vocal de “Todo O Mundo É Ninguém”, uma balada de 1970 da banda portuguesa de rock Quarteto 1111. Então, No I.D. recruta Steve Wyreman (da banda dele, Cocaine 80s) e Nate Mercereau para tocar na música. O resultado dá uma vaga sensação de nostalgia com a claridade da instrumentação ao vivo.



Enquanto isso, Jay-Z relembra as origens dele em Marcy Houses, no bairro norte-americano Brooklyn, em Nova York. Ele também fala sobre todos os “assassinos que viraram murais”, que não conseguiram sair da vida difícil no bairro. “Marcy Me” chega ao fim com um vocal de The-Dream, que traduz as memórias de Jay-Z em harmonia. “Marcy Marcy me/Just the way I am/Always gonna be”, ele canta, fazendo alusão a “Mercy Mercy Me (The Ecology)”, de Marvin Gaye.


10 – “Legacy”

Jay-Z tem colocado a filha, Blue Ivy, em suas músicas desde os primeiros dias de vida dela, tendo celebrado o nascimento com uma participação em “Glory”, de 2012. Blue Ivy volta a aparecer na faixa derradeira de 4:44, perguntando: “Daddy, what's a will?”. Sobre um sample da voz de Donny Hathaway, Jay fala diretamente a Blue, despejando os planos dele de passar o patrimônio para as futuras gerações de Carters: “My stake in RocNation should go to you/Leave a piece for your siblings to give to their children, too”. É uma prosperidade que ele espera impactar não apenas na família dele, mas nos negros dos Estados Unidos como um todo. O rapper urge que Blue e os gêmeos “tenham ideias para pessoas que se parecem conosco”, encerrando 4:44 com uma nota utópica.


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