Planos épicos, problemas terrenos e bela música: os frenéticos meses finais e as gravações perdidas do deus da guitarra, Jimi Hendrix
David Fricke, Rolling Stone EUA Publicado em 18/09/2020, às 08h20
Na noite de 26 de agosto de 1970, Jimi Hendrix passou pela porta de um edifício na 52 West 8th Street, no bairro de Greenwich Village, em Nova York, e entrou no paraíso. O Electric Lady Studios era o moderno estúdio de gravação do guitarrista, e ele havia supervisionado pessoalmente muitos de seus detalhes psicodélicos, como o mural de uma mulher diabólica no console de uma nave espacial. Nessa noite houve a festa oficial de abertura. Convidados como o guitarrista Johnny Winter, Yoko Ono e Mick Fleetwood (baterista do Fleetwood Mac) comeram pratos japoneses no Estúdio A, onde Hendrix normalmente tinha pilhas de amplificadores.
Só que Hendrix evitou a badalação. Um dos artistas mais extravagantes do rock - mas um homem reservado e incrivelmente tímido fora dos palcos -, ele estava distante e triste, passando boa parte da festa sentado em uma cadeira de barbeiro, em um canto quieto da recepção. Seria sua última noite no Electric Lady. Hendrix morreu três semanas depois, em Londres, aos 27 anos.
O estúdio que deveria ter sido o santuário de Hendrix também era uma fonte de estresse e frustração. Apesar das vendas recordes, o músico lutava por dinheiro para custear a construção no Electric Lady, mudava as formações da banda e brigava com seu empresário. Mas, mesmo durante a maré baixa, ele olhava para a frente, como afirmou em uma música da época, "Straight Ahead".
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Nascido em Seattle, ele já tinha revolucionado as raízes blueseiras, a fúria amplificada e o futuro orquestral da guitarra elétrica em três discos que fizeram sucesso no mundo inteiro: Are You Experienced (1967), Axis: Bold as Love (1968) e o duplo Electric Ladyland (1968), gravados com a Jimi Hendrix Experience: a base rítmica britânica do baterista Mitch Mitchell e o baixista Noel Redding. Também houve turnês constantes e tensões crescentes, especialmente com Redding, sobre questões de dinheiro e as próprias ambições deste como cantor e compositor. Mesmo antes de Hendrix dissolver a Experience, em meados de 69, ele levava sua música para além do blues elétrico e do acid rock, gravando com músicos de jazz e soul como o baterista Buddy Miles, o baixista Dave Holland e o futuro guitarrista da Mahavishnu Orchestra John McLaughlin. "Meu sucesso inicial foi um passo na direção certa", disse Hendrix em uma entrevista, em junho de 1969, quando a construção do Electric Lady estava em andamento. "Mas foi só um passo, só uma mudança. Agora, quero me envolver com outras coisas. Há alguns anos, tudo o que queria era ser ouvido. 'Deixa eu entrar' era a frase de ordem. Agora, estou tentando pensar na maneira mais sábia de ser ouvido."
Localizado em cima de um cinema, em um espaço que mais recentemente havia sido a casa noturna de rock Generation, com uma impressionante fachada de tijolos que se destacava sobre a calçada como a barriga de uma grávida, o Electric Lady foi concebido por Hendrix com seu empresário, Michael Jeffrey, e seu fiel engenheiro de gravação, Eddie Kramer, no início de 1969. O design e a construção levaram mais de um ano, e o custo final foi cerca de US$ 1 milhão. Foi um empreendimento histórico. O Electric Lady era o primeiro grande estúdio comercial de Nova York, criado especialmente para - e de propriedade de - um astro do rock dos anos 60. Em comparação, os Beatles e Bob Dylan gravavam, na maior parte do tempo, em instalações de suas gravadoras, de acordo com regras corporativas rígidas. Durante anos, na Abbey Road em Londres, os Beatles trabalharam com engenheiros de estúdio que deviam vestir aventais brancos de laboratório.
Para Hendrix, o Electric Lady também era um refúgio da confusão. Ele estava cansado de sua fama - "Não quero mais ser um palhaço, não quero ser um astro do rock and roll", reclamou para a Rolling Stone, em 1969 - e frustrado com a pressão de Jeffrey para continuar na estrada, ganhando muito dinheiro rápido. Hendrix passou uma boa parte de 1968 e o outono de 69 fazendo turnês pela América do Norte. No Electric Lady, ele - que estava viajando sem parar desde meados dos anos 60, quando era músico de apoio de astros do R&B como Little Richard e os Isley Brothers - finalmente tinha um lugar para chamar de seu, onde podia viver com sua música sem interferência. "O sonho era esse", diz o veterano arquiteto de estúdios John Storyk, que tinha apenas 22 anos quando Hendrix o contratou para projetar o Electric Lady. "Como artista, esse lugar se torna sua casa."
Hendrix realizou sua primeira sessão formal de gravação no Estúdio A em 15 de junho de 1970, dois meses antes da festa de abertura. O local estava uma bagunça - um segundo estúdio ainda estava sendo construído no final do corredor, mas Hendrix começou logo a trabalhar com seu trio do momento: Mitchell e o baixista Billy Cox, um velho amigo do período de Hendrix no Exército, no início dos anos 60. Eles tocaram uma nova instrumental, "All God's Children", e, depois, Hendrix editou overdubs de guitarra para o rock turbulento "Ezy Ryder" e fez uma jam com um convidado, Steve Winwood, do Traffic, em uma das inéditas preferidas do guitarrista, "Valleys of Neptune". Essa música, em uma encarnação diferente, agora é a peça central de um álbum de gravações inéditas de Jimi Hendrix, que leva o mesmo nome.
Nas semanas seguintes, Hendrix se concentrou em terminar músicas que equivaliam ao trabalho de um ano inteiro, em takes infinitos que havia acumulado para seu tão aguardado quarto álbum de estúdio. "Tínhamos dois armários cheios de fitas de Jimi Hendrix, do piso ao teto, com todas as jams e coisas que havíamos feito", conta Kramer, que era o engenheiro fiel de Hendrix desde Are You Experienced. "Ele dizia 'Coloque esse take ali' ou 'Vá para esta parte, ok, pare. É disso que precisamos'." As sessões no Electric Lady começavam por volta das 20h e iam até o dia seguinte. Hendrix estava tão determinado a passar cada minuto no estúdio que chegava antes do programado. "Essa foi uma mudança enorme que notei nele", observa Kramer. "Antes, marcávamos sessões no [estúdio] Record Plant às 19h, e ele só aparecia à meia-noite, porque estava tocando em outro lugar. No Electric Lady, marcávamos uma sessão às 19h e, frequentemente, ele chegava mais cedo. E, se visse uma mulher em pé na sala de controle, pegava uma cadeira para ela se sentar. Era muito educado - e orgulhoso do lugar."
Só que Hendrix não se divertiu na festa de abertura. A assessora de imprensa Jane Friedman, cuja empresa representava o guitarrista nos Estados Unidos, em um momento o viu sentado sozinho na escadaria. "Pensei: 'Será que ele está exausto? '", diz. "Fui até ele e perguntei 'O que houve?', e admitiu que não estava muito feliz." Hendrix tinha bons motivos. Na época, estava em um relacionamento instável com uma de suas namoradas, Devon Wilson - a inspiração para a vampira sedenta de sangue no rock galopante "Dolly Dagger" - e tinha de interromper o trabalho no Electric Lady porque Jeffrey havia agendado outra turnê. No dia seguinte, Hendrix voou para Londres. A última gota foi uma guerra de comida iniciada por alguns convidados em seu novo e impecável estúdio. Desgostoso, ele foi embora. No entanto, Hendrix conversou com outra convidada antes de sair: Patti Smith, então uma desconhecida cantora-poetisa de 23 anos, agenciada por Friedman. Smith estava sentada na escadaria e Hendrix se juntou a ela. "Estava nervosa demais para entrar na festa", ela lembra. "Ele perguntou 'O que você está fazendo aí? Não vai entrar?' Conversamos sobre o estúdio, ele simplesmente o amava, estava muito empolgado. Ouvi-lo falar era lindo em todos os aspectos."
Hendrix nunca mais viu o Electric Lady. Depois de fazer apresentações na Grã-Bretanha, na Escandinávia e na Alemanha, incluindo um show épico e intermitentemente brilhante para 600 mil pessoas no festival da Ilha de Wight, Hendrix - infeliz com os shows e preocupado com Cox, que estava doente - cancelou as datas restantes. Morreu em Londres, durante o sono, em 18 de setembro. A causa oficial da morte foi "inalação de vômito devido a intoxicação por barbitúricos". Hendrix era um fã ávido de LSD e maconha, e havia usado heroína (mas não a ponto de se tornar um vício). Desta vez, tomou uma dose cavalar de Vesperax, um sedativo.
Quarenta anos depois, o Electric Lady ainda está aberto para negócios, no mesmo local. A fachada de barriga de grávida já se foi, e o mural da "dama elétrica", pintado por Lance Jost, agora fica na parede curva do Estúdio A. Led Zeppelin, Stevie Wonder e David Bowie trabalharam em grandes álbuns ali, nos anos70. Os clientes mais recentes incluem Black Crowes e Ryan Adams. Patti Smith volta frequentemente ao local para gravar - seu LP de estreia, Horses (1975), foi realizado ali. "Cada vez que entro, posso olhar para a escada onde nos sentamos", diz. "É por isso que amo gravar lá. Tem o espírito dele."
Em uma de suas últimas entrevistas, alguns dias antes da apresentação na Ilha de Wight, Hendrix disse ao semanário britânico Melody Maker que não tinha nada além do futuro em mente. "Quero uma grande banda", declarou. "Isso não quer dizer três harpas e 14 violinos, e sim uma grande banda cheia de músicos competentes que eu possa conduzir e para quem eu possa compor, e, com a música, pintaremos imagens da Terra e do espaço para que o ouvinte possa ser levado a algum lugar." Ele também afirmou estar "pensando que esta era da música - iniciada pelos Beatles - chegou ao fim. Algo novo tem de surgir, e Jimi Hendrix estará lá"
Hendrix não chegou lá, mas deixou para trás muitas músicas que continuam impressionando. Gravações essenciais, empolgantes e inéditas ainda estão sendo desenterradas, quatro décadas depois. O embate melódico e frequentemente elegante entre feedback e distorção de Hendrix e suas ambições espirituais como compositor e produtor - fazer música para a viagem a um novo mundo, fundindo o sexo e a lamentação do blues com o teatro espacial das tecnologias de gravação mais recentes - eram genuinamente psicodélicos, mas ainda permanecem vividamente modernos. "Ele era maior do que o LSD", escreveu Pete Townshend, guitarrista do The Who, sobre Hendrix na RollingStone, em 2003. "O que tocava era absurdamente alto, mas também incrivelmente lírico e especial. Ele conseguiu construir essa ponte entre a verdadeira guitarra do blues... e os sons modernos" - o que Townshend descreveu como "o som de uma parede de guitarras estridentes que o U2 popularizou".
Todos os três álbuns de Hendrix estiveram no Top Five da parada de sucessos dos Estados Unidos - Electric Ladyland chegou ao número 1 - e ele ainda vende tantos discos quanto um superastro vivo. Desde sua morte, houve mais de 50 álbuns póstumos oficiais, incluindo coletâneas de raridades, gravações de shows e discos de maiores sucessos. Neste ano, a Experience Hendrix - empresa que representa o patrimônio de Hendrix, fundada em 1995 pelo pai dele, Al, já falecido, e comandado pela meia-irmã do músico, Janie - celebrou um novo acordo de licenciamento mundial com a Sony Music. Os primeiros planos de um calendário de lançamentos (veja o box na página 89) ao longo de uma década são Valleys of Neptune e reedições de luxo, com DVDs-bônus, dos três álbuns originais de estúdio de Hendrix e First Rays of the New Rising Sun, a coletânea de 1997 que reúne músicas que deveriam estar no quarto álbum. A indústria da música mudou drasticamente desde que a Experience Hendrix obteve controle total das gravações master do guitarrista, depois de anos de litígio. "Ainda não havia download, os CDs eram novidade", diz Janie, "mas esta ainda é a música de Jimi. Ele só gravou quatro álbuns, mas criou muito mais músicas. Talvez elas não estejam exatamente prontas para lançamento, mas as temos." E Hendrix estava totalmente no controle dessas músicas quando as compôs. Valleys of Neptune não tem nada de seus meses no Electric Lady. Em vez disso, as 12 faixas vão do acid rock de garagem "Mr. Bad Luck", que ficou fora de Axis, à dinâmica canção título - uma composição entre o vocal de Hendrix de uma sessão de 69 e uma faixa instrumental de maio de 1970 - e uma instrumental ondulante com coro de guitarras, "Lullaby for the Summer", que Hendrix depois retrabalhou em "Ezy Ryder".
Mas as belas escolhas refletem o mesmo impulso intenso de inovar e ter sucesso que dominaram o último ano de sua vida. De agosto de 1969 a setembro de 1970, Hendrix fez alguns dos shows mais importantes e memoráveis de sua carreira: o encerramento em Woodstock, com sua interpretação clássica do hino "Star-Spangled Banner"; os shows de Ano Novo no Fillmore East com Cox e o baterista Buddy Miles, como a Band of Gypsys; as apresentações em 1970 com Cox e Mitchell em Berkeley e no Atlanta International Pop Festival. Além disso, houve mais de 70 sessões de gravação documentadas, umas 20 delas no Electric Lady. "Fazer várias coisas ao mesmo tempo era um estilo de vida para ele", afirma Cox. "Não era um sacrifício. Havia muita coisa acontecendo, mas ele sabia aonde queria ir - e como queria chegar lá." Cox se lembra de acordar uma manhã em uma casa, no estado de Nova York, onde estava ensaiando com Hendrix para Woodstock: "Tínhamos amplificadores montados no pátio. Estava dedilhando, afinando, e toquei 'Big Ben' [a famosa melodia de carrilhões no parlamento britânico] bem abaixo da janela de Jimi. Ele apareceu - 'Continue tocando, não pare!', desceu a escada de cuecas, pegou sua guitarra e tocou o riff de resposta." Logo Hendrix desenvolveu isso na sequência de abertura de "Dolly Dagger".
Hendrix fez uma piada sobre sua ética de trabalho com o apresentador Dick Cavett. "Você se considera uma pessoa disciplinada?", perguntou Cavett em uma entrevista, em julho de 1969. "Acorda todo dia e vai trabalhar?" "Tento acordar todo dia", brincou Hendrix, mas ele também falou abertamente sobre sua determinação. "Não vivo de elogios. Na verdade, eles conseguem me distrair. Muitos músicos por aí ouvem esses elogios e pensam 'Nossa, realmente deve ter sido ótimo'. Depois ficam gordos, satisfeitos e perdidos e se esquecem do talento verdadeiro que têm, e começam a viver em outro mundo." Tommy Erdelyi viu a determinação de Hendrix de perto. Erdelyi é mais conhecido como Tommy Ramone - cofundou o Ramones em 1974 e foi o baterista original da banda. Mas, entre o final de 1969 e o começo de 1970, era assistente de engenheiro no Record Plant, em Nova York, e trabalhou nas sessões de Hendrix com a Band of Gypsys. As músicas gravadas naquele período incluem versões iniciais do single "Izabella", de 1970, e a guitarra épica flamejante de "Machine Gun". "Ele não falava muito, mas não tinha problemas para explicar o que queria", diz Erdelyi sobre Hendrix. "Gravava take após take, depois queria mudar os equipamentos de lugar se não estivesse conseguindo o som certo." Erdelyi se lembra de performances de músicas como "Machine Gun", na qual a guitarra de Hendrix, a todo volume por meio de três pilhas de caixas acústicas Marshall, abalou a janela da sala de controle. "Ele conseguia uma sustentação incrível, um tom profundo, quase como um violoncelo. Era lindo." Só que Hendrix também "parecia inseguro", acrescenta Erdelyi. Ele estava com Jimi Hendrix no Record Plant um dia, enquanto o guitarrista Leslie West gravava com sua banda Mountain em outra sala. "Jimi me perguntou 'Você acha que o Leslie West é melhor do que eu?' Achei que ele estava brincando." Erdelyi faz uma pausa, ainda chocado com a pergunta. "Depois, percebi que estava falando sério. Isso também me fez perceber por que ele era perfeccionista. Para mim, Jimi Hendrix era um deus do rock, mas ele não se via dessa forma. Estava competindo com outros músicos. Chegava àquelas sessões muito sério para fazer as melhores gravações que pudesse."
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"Foi o destino - fizemos uma jam e o som ficou bom", diz Cox, lembrando a primeira vez em que tocou com Hendrix, em novembro de 1961, em um clube para soldados na base do Exército de Fort Campbell, Kentucky. Hendrix era um paraquedista na 101ª Divisão Aérea. "Mas Jimi vinha logo depois de fazer a formação com a companhia", conta Cox. "Ensaiávamos o dia inteiro, todos os dias, trabalhando em arranjos e riffs." Anos mais tarde, quando Cox ouviu pela primeira vez os discos de Hendrix com a Experience, reconheceu alguns daqueles licks, que acabaram em "Foxy Lady" e "Purple Haze". Cox, de 68 anos, toca as músicas do amigo, junto com guitarristas como Joe Satriani, Jonny Lang e Vernon Reid, na turnê de tributo 2010 Experience Hendrix, que vai até março. Hendrix e Cox tinham uma rotina parecida em 1970, antes das sessões no Electric Lady. "Jimi ia até meu apartamento", conta Cox. "Ligávamos um amplificador pequeno e trabalhávamos nas músicas. Eu acrescentava uma coisa, ele outra. Sentávamos, ríamos, comíamos torta de morango, víamos TV, depois voltávamos para a música. "Não pescávamos, não caçávamos, nem jogávamos tênis ou golfe", continua. "A música era a prioridade. Se você ama alguma coisa mais do que ama você mesmo, ela supera tudo." Quando indagado se Hendrix amava tanto a música que não sobrava tempo para descanso ou paz, Cox responde citando a letra de Hendrix em "Manic Depression", de Are You Experienced. "Music, sweet music, I wish I could caress, caress [Música, doce música, quem me dera acariciá-la]". A música, afirma Cox, "era sua paz".
Hendrix originalmente visualizou o espaço no porão na 8th Street - local do famoso Film Guild Cinema, construído em 1929 e projetado pelo arquiteto vanguardista Frederick Kiesler - como um tipo diferente de parque de diversões. "Ele fazia muitas jams no Generation, o clube que havia ali", conta Kramer. "Ele queria uma boate, um lugar onde pudesse ficar e fazer jams." "No clube havia uma cabine onde ele podia gravar coisas ao vivo", diz John Storyk, que teve sua primeira reunião com Hendrix, Kramer e Jeffrey sobre o projeto em janeiro de 1969. Storyk logo recebeu uma ligação dizendo que o clube tinha sido fechado - Hendrix queria um "estúdio de gravação completo". Storyk descreve Hendrix como "educado, extremamente quieto e muito atencioso. Era muito organizado com relação a como queria que o lugar fosse visualmente. Não queria nenhuma linha reta, só curvas, e que lembrasse uma sala de estar. Era para seu conforto". Durante a construção, Storyk viu Hendrix muito pouco, mas o guitarrista aparecia à noite, depois que os pedreiros haviam ido embora, para ver como estavam as coisas. "Eu me lembro de uma visita", conta Storyk. "Todas as portas estavam instaladas" - portas personalizadas à prova de som com janelas quadradas pequenas. "Jimi perguntou 'Podemos fazer essas janelas redondas?' Quinze portas caras saíram e, quatro semana depois, chegaram as novas, com janelas redondas. Trocamos porque era o que ele queria." No entanto, a notável fachada da Electric Lady foi ideia de Storyk, inspirada pelo design longo e arredondado de Kiesler para o Templo de Jerusalém, o museu que abriga os Manuscritos do Mar Morto. "Jimi nem viu os desenhos, ela simplesmente foi construída."
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Atrasos na construção e problemas inesperados - uma vez, o local foi inundado pela água de um rio subterrâneo - forçaram Hendrix a pegar um empréstimo de US$ 300 mil de sua gravadora, a Warner Bros. Hendrix também fez turnês em fins de semana prolongados para ajudar a pagar as contas, cada vez mais altas. Ao mesmo tempo, estava gravando em outros estúdios de Nova York, gastando muito dinheiro e conseguindo fazer pouca coisa. "Ele me ligou apavorado no meio da noite", conta Kramer, que era diretor de engenharia no Electric Lady e estava ocupado cuidando de suas necessidades técnicas. "Dizia 'Cara, você pode ir ao Record Plant? Não está rolando'. Eu entrava num táxi e colocava tudo nos eixos." Dias depois, Kramer recebeu uma ligação parecida do Hit Factory.
De alguma forma, em meio a esse tumulto, em março de 1970, Hendrix fez uma viagem rápida a Londres, onde tocou em sessões para dois amigos norte-americanos que estavam na cidade: Stephen Stills e Arthur Lee, do Love. "Ele estava muito agitado", diz Stills, que morava na Inglaterra na época e estava gravando seu primeiro álbum solo, Stephen Stills. "Mas, naquele dia, em Londres, ficou em paz." No Island Studios, Hendrix tocou um solo fluido e, uma raridade, foi moderado na música "Old Times Good Times", de Stills. "Também cantamos alguns blues antigos juntos", continua Stills. "Soávamos bem juntos. Depois, fomos para uma boate, pensando que voltaríamos juntos. Ele saiu com uma mulher", observa Stills, rindo. Dois dias depois, Hendrix estava no Olympic Studios com Lee, fazendo solo em uma música, "The Everlasting First", que foi incluída no álbum False Start, do Love, pouco depois da morte de Hendrix.
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Hendrix chegou ao fundo do poço em 28 de janeiro de 1970, em uma apresentação desastrosa com a Band of Gypsys no Madison Square Garden. Eles entraram às 3 da manhã, claudicaram por duas músicas e saíram. Hendrix imediatamente dissolveu a banda. "Ele estava de mau humor quando Buddy e eu entramos no camarim", diz Cox. De acordo com alguns relatos, Hendrix tomou ácido demais ou foi "batizado" (drogado sem saber) por outra pessoa. A versão de Cox: "Michael Jeffrey estava sentado perto dele e eles tiveram alguma discussão antes de chegarmos". Uma semana depois, Hendrix, Mitchell e Redding foram entrevistados para uma matéria na Rolling Stone anunciando a reunião da Experience. Eles romperam novamente antes de a edição ser impressa. Era fácil ver o porquê, no artigo publicado em março de 1970: Hendrix parecia desesperado, até derrotado. "Na maior parte do tempo, não consigo passar isso para a guitarra, sabe?", disse sobre as composições. "Na maior parte do tempo, fico deitado viajando e ouvindo todas essas músicas... se pego a guitarra e tento tocá-la, estraga tudo... não consigo tocar guitarra tão bem, nem juntar essas músicas." Mas, na metade daquele ano, era um homem renascido no Electric Lady. "Ele estava empolgado por ter um lugar onde seus equipamentos estavam montados, prontos para usar quando chegasse", conta Kramer. No console, "Jimi sempre tinha um bloco grande de anotações com ele. Desenhava coisas, onde elas deviam estar". No Estúdio A, com Cox e Mitchell, "se chegávamos a um impasse, Jimi já tinha outra música em mente. Começava a tocar o riff, e Billy e Mitch logo o acompanhavam, sabendo aonde estava indo."
Em 14 de agosto de 1970, no Electric Lady, Jimi Hendrix escreveu um memorando com o título "Músicas para o LP Straight Ahead" - um dos títulos provisórios para seu próximo álbum - e listou 25 músicas, incluindo "Ezy Ryder", a furiosa crise de identidade "Room Full of Mirrors", a balada com guitarras em cascata "Angel" e uma versão de "Valleys of Neptune". Em um momento, fez outra lista - o LP duplo se tornou um álbum triplo, People, Hell and Angels. Em 22 de agosto, Hendrix e Kramer prepararam uma ordem diferente de execução - um álbum duplo novamente - com o blues "In from the Storm" e o hino de uma nova manhã "Hey Baby (New Rising Sun)". Hendrix também gravou uma música nova, "Belly Button Window", um boogie brincalhão com vocal, guitarra e wah-wah com overdub. Foi a última canção que gravou, inspirado pelo bebê que Lynn, esposa de Mitchell, estava esperando.
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Em Londres para a última turnê europeia, Hendrix falou sobre essas últimas músicas, na entrevista para a Melody Maker, como se elas estivessem prontas para o mundo, com uma garantia de que o mundo seria diferente depois delas: "O termo 'estourar a cuca de alguém' é válido... mas daremos uma coisa que estourará sua cabeça e, enquanto isso, haverá algo que preencherá o espaço vazio. Será uma forma completa de música". Hendrix estava de volta a Londres, depois dos shows europeus, quando ligou para Kramer, em Nova York. "Tínhamos mixado quatro músicas para o novo disco", conta Kramer. "O álbum estava quase completo. Ele queria que eu levasse as fitas para Londres. Falei 'Estamos no meio das coisas aqui, acabamos de construir este estúdio'. Ele respondeu 'É, eu sei. Não se preocupe, a gente se vê daqui a uma semana'. Foi a última coisa que ouvi dele."
Matéria originalmente publicada pela Rolling Stone Brasil na edição 43, em abril de 2010
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